A palavra legado remete aos feitos e às obras relevantes realizados pelos nossos antepassados e transmitidos aos descendentes e às novas gerações. Soa como uma palavra antiga, utilizada por avós e pais quando nos convocavam a uma conversa séria, destinada a nos lembrar de que chegara a hora de abandonar as molecagens e de agir com responsabilidade. Afinal, tínhamos obrigação de zelar pelo legado da família e das instituições que nossos antecessores construíram na política, nas artes, na filantropia ou nos negócios.
Os pequenos legados são igualmente importantes. A receita de bolo da família, as tradições da escola e da empresa, as viagens anuais para os lugares que nos fazem reencontrar familiares, cultivar tradições e celebrar episódios marcantes. Esses rituais são formas de estimular o convívio de gerações e de reforçar os valores perenes que despertam o senso de pertencimento, de continuidade e de perpetuação. Isso é legado. Mas, numa época dominada por modismos, pelo espírito imediatista e pelos ganhos de curto prazo, legado parece um substantivo arcaico. Legado não é produto, não pode ser adquirido e tampouco gera lucro. Então, por que é importante?
A civilização é formada por meio do lento e gradual lapidar de princípios e valores, que moldam as leis, os costumes e as instituições. Legados são vitais para sedimentar os princípios perenes, o senso de permanência e os valores imortais que determinam os atributos que uma sociedade preza e valoriza. Excelência, mérito, propósito, honra e dever são valores que vêm inspirando muitas gerações, desde a Grécia Antiga, a lutar pela criação da democracia, do Estado de Direito e da economia de mercado. A combinação de regras estáveis, instituições democráticas e prosperidade econômica criou as condições para o florescimento da liberdade, da competição, da inovação e do conhecimento aplicado, que beneficiaram enormemente a humanidade. Surgiram empreendedores, cientistas, artistas e estadistas que nos livraram da Idade da Pedra, da miséria material, do obscurantismo das crenças e ideias e do poder arbitrário dos reis, ditadores e caudilhos.
O exemplo dos Founding Fathers americanos revela como o legado de uma geração de homens extraordinários continua a reverberar na sociedade ao longo dos séculos. Estadistas como George Washington, Thomas Jefferson e John Adams não apenas lutaram pela independência do país como também ajudaram a elaborar a Constituição americana e a governar os Estados Unidos. Suas atitudes e escolhas foram determinantes para institucionalizar os princípios e os valores da Constituição, que vigoram há mais de duzentos anos. Suas atitudes e escolhas inspiraram seus sucessores, serviram de parâmetro e de referência para as futuras gerações, que continuaram a saga dos Founding Fathers, e transformaram uma colônia pobre e insignificante numa potência global.
Legado consiste em traduzir os feitos, exemplos e escolhas dos líderes transformadores em valores institucionais que perduram por várias gerações. Sem o arcabouço dos valores permanentes, as pessoas, as instituições e os países são incapazes de converter crises em oportunidades para promover mudanças transformadoras, reformas institucionais e revisões de crença e de atitudes. Sem o norte dos princípios perenes, sucumbimos aos encantos dos modismos, às palavras sedutoras dos demagogos e à ilusão dos atalhos – as falsas armadilhas que oferecem soluções mágicas e inócuas para problemas recorrentes e desafios institucionais. Sem o senso de legado, não há coragem, resiliência e determinação para se enfrentar os reais problemas e para aguentar os períodos de impopularidade e de frustrações inevitáveis durante o processo de mudanças transformadoras, que geram desconforto nas pessoas, obrigando-as a rever crenças arcaicas e a lidar com perdas de poder, direitos e privilégios.
Legado significa renunciar às pequenas vitórias de curto prazo para assegurar os ganhos e o bem-estar das próximas gerações. Algo difícil de perseguir num mundo no qual se preza bens descartáveis, interesses imediatistas e valores efêmeros. Ainda bem que os grandes e pequenos legados – como a celebração das datas históricas ou a degustação do tradicional doce de leite da casa da avó – fazem-nos lembrar de que há coisas mais importantes e significantes na vida do que a busca irrelevante por quinze minutos de fama.