Obra de Yasmin Guimarães, artista publicada na edição Amarello Sonho.

A discussão sobre o tabelamento dos preços de livros no Brasil tem gerado debates acalorados, dividindo opiniões entre defensores e críticos. O Projeto de Lei 49/2015, conhecido como Lei Cortez, busca regular o preço dos livros no mercado nacional, impondo um preço fixo para os lançamentos durante os primeiros 12 meses. O projeto, que recentemente avançou no Senado, foi originalmente apresentado pela ex-senadora Fátima Bezerra (PT-RN) e ressuscitado pela senadora Teresa Leitão (PT-PE). Inspirado na bem-sucedida Lei Lang, em vigor na França há mais de 40 anos, tem como intenção fomentar a leitura e proteger as livrarias independentes, permitindo que estas possam competir com grandes varejistas, especialmente as plataformas de venda online. Não à toa, a gigante Amazon é o principal alvo da Lei Cortez. 

Atualmente, as grandes redes exigem descontos das editoras sobre o preço sugerido dos livros, podendo praticar um valor final mais baixo para o consumidor. Em contrapartida, as pequenas livrarias não conseguem obter os mesmos descontos e acabam cobrando preços mais altos do consumidor. Órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, bem como feiras de livros, também podem obter descontos.

o desconto não poderá exceder 10% do preço fixado pela editora durante 12 meses após seu lançamento”

Se a Lei Cortez for aprovada, o desconto de qualquer livro não poderá exceder 10% do preço fixado pela editora durante 12 meses após seu lançamento. A partir da segunda edição, o prazo de validade do teto do desconto será reduzido para seis meses. Após esse prazo, a política de descontos fica liberada. Órgãos públicos federais, estaduais e municipais, e feiras de livros serão excluídos da regra geral, podendo obter descontos maiores, desde que a compra seja feita diretamente com as editoras.

As principais argumentações de ambos os lados são:

Contra o Projeto de Lei

Os críticos da Lei Cortez defendem que a fixação de preços para livros prejudica tanto as editoras quanto os consumidores. Argumenta-se que o alto custo dos livros no Brasil se deve às baixas tiragens, resultadas diretamente da baixa demanda. Como efeito, os preços elevados dos livros desestimulam a compra, criando um ciclo vicioso: poucos leitores compram livros, o que mantém as tiragens baixas e, consequentemente, os preços altos.

As editoras — negócio que, como qualquer outro, precisa ser lucrativo — se beneficiariam de uma maior liberdade para ajustar os preços conforme a demanda. Descontos estratégicos, especialmente em plataformas como a Amazon, ajudam a impulsionar as vendas, tornando os livros mais acessíveis ao público e permitindo que editoras e livrarias aumentem sua receita total, mesmo com preços unitários menores.

O jornalista Elio Gaspari, em matéria que leva o título A volta da tunga dos livreiros e o subtítulo Querem tabelar para proibir os descontos, argumenta que:

“É um caso especial de tabelamento, pois enquanto o costume é tabelar uma mercadoria para impedir que se cobre a mais, nessa girafa pretende-se impedir que o comerciante cobre menos. (…) Os livreiros têm uma aura apostolar. Afinal, um livro não seria um sabonete. Ilusão. Livros, sabonetes e caminhões são mercadorias. Tanto é assim que, há muitos anos, quando era mais barato imprimir um livro na China, algumas editoras passaram a rodá-los em Xangai, trazendo os volumes para o Brasil. As duas maiores redes de livrarias nacionais quebraram, muito mais por causa de suas acrobacias financeiras do que pela concorrência. Quando as grandes redes afogavam as pequenas livrarias, ninguém falava em tabelamento.”

A principal crítica ao PL 49/2015, portanto, é que ele impediria preços mais acessíveis ao proibir descontos superiores a 10% durante o primeiro ano de lançamento do livro. A restrição é comparada a políticas de controle de preços do passado, como os infames “fiscais do Sarney”, que muitas vezes resultaram em fracassos econômicos. A preocupação é que o tabelamento levará a uma redução nas vendas, obrigando editoras a diminuir ainda mais as tiragens e, consequentemente, aumentar os preços, criando uma situação insustentável para todo o mercado e ferindo quem já está bem combalido: o leitor.

Gaspari arremata: “Reclama-se que o freguês vai a uma livraria, consulta os volumes e, ao voltar para casa, encomenda-o eletronicamente. Os comerciantes que fazem essa reclamação fazem compras online e não pensam em tabelar os sanduíches. Ademais, todas as grandes editoras têm operações de venda eletrônica. Se cobram mais caro ou forçam a venda de livros físicos em detrimento dos e-books (mais baratos), o problema é delas.”

A favor do Projeto de Lei

Por outro lado, os defensores da Lei Cortez veem nela uma forma de proteger as pequenas livrarias e editoras da concorrência predatória das Amazons da vida. Eles argumentam que as grandes redes conseguem oferecer descontos significativos devido ao seu poder de negociação, o que prejudica as pequenas livrarias que não conseguem competir com esses preços.

O objetivo da Lei Cortez, segundo seus proponentes, é garantir uma maior diversidade no mercado livreiro, permitindo que livrarias de diferentes portes coexistam. Isso criaria uma tapeçaria de opções muito mais diversificada e abrangente, fugindo do monopólio que reduz as possibilidades de todos os envolvidos. Leis similares em países como França, Espanha e Argentina têm sido citadas como exemplos de sucesso, onde a regulação de preços ajudou a diminuir o preço médio dos livros e a preservar a biodiversidade cultural representada por pequenas livrarias.

Alexandre Martins Fontes, diretor-executivo da Editora WMF Martins Fontes e da Livraria Martins Fontes Paulista, rebateu diretamente os argumentos de Gaspari:

“A ideia dessa lei é impedir que empresas gigantescas (…), sem nenhum compromisso com a cultura do nosso país, tratem o livro como isca e deem descontos abusivos.”

A preocupação central dos defensores da lei é que, sem essa regulamentação, o mercado livreiro se tornará um oligopólio dominado por poucas grandes empresas, reduzindo a diversidade de oferta e centralizando o poder de precificação. Eles acreditam que a lei ajudará a manter as livrarias físicas nas cidades, que são importantes espaços culturais e sociais.

“A lei”, escreve Martins Fontes, “limita-se apenas a livros lançados nos últimos 12 meses, que teriam um desconto máximo de 10%. Ou seja, não atinge sequer 5% do total das obras disponíveis no mercado nacional e vale por um período que dará às pequenas livrarias a chance de uma concorrência mais leal, em produtos que atraem clientes e geram um movimento fundamental para as lojas menores. Ao garantir isso, a lei permite que mais livrarias possam coexistir e que mais livros, dos mais variados temas, possam ser descobertos pelos mais variados leitores. Se ficarmos apenas nas mãos de uma empresa (digamos, a livraria Amazon), podemos até comprar livros pela metade do preço, mas serão apenas os livros que ela entender que valem a pena ser vendidos.”

Há quem concorde com Gaspari, há quem concorde com Martins Fontes — mas há quem concorde com os dois. 

a taxação de livros no Brasil reflete uma tensão clássica entre a liberdade de mercado e a intervenção regulatória”

A discussão sobre a taxação de livros no Brasil reflete uma tensão clássica entre a liberdade de mercado e a intervenção regulatória. De um lado, há a visão de que a regulação excessiva sufoca a inovação e a flexibilidade necessárias para um mercado dinâmico. Do outro, há a preocupação com a proteção das pequenas empresas e a preservação da diversidade cultural.

Ambos os lados apresentam argumentos válidos que merecem consideração. A decisão final sobre a implementação da Lei Cortez deverá levar em conta os impactos econômicos e culturais de longo prazo, buscando um equilíbrio que favoreça tanto o acesso aos livros quanto a sustentabilidade do mercado livreiro no Brasil.

Países como Alemanha e Espanha são exemplos que deixam claro que o projeto pode, sim, ser benéfico não somente às livrarias independentes, mas também aos consumidores. No Reino Unido, no entanto, onde a lei do preço fixo vigorou de 1996 a 2018, houve aumento de cerca de 80% no preço dos livros. 

Com a lei em prática, seríamos um caso que penderia mais para o lado da Alemanha e Espanha, ou para o Reino Unido? Difícil dizer. O contexto brasileiro, afinal, é o contexto brasileiro. Sem a Lei Cortez, o cenário também não é animador, já que o número de leitores no país é baixo. Segundo o Panorama do Consumo de Livros, pesquisa encomendada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) em 2023 e realizada pela Nielsen BookData, mostra que 84% dos brasileiros acima de 18 anos de idade não compraram livros nos últimos 12 meses.

Em outras palavras, que se seja contra ou a favor da Lei Cortez — não é de hoje, mas a maré parece pouco favorável à leitura

“A Rede Social”, de David Fincher (2010)

Hoje, um punhado de big techs prosperam como monopólios escondidos bem debaixo do nariz do mundo inteiro, como uma confidência amplamente conhecida mas ignorada. Elas formam o núcleo infraestrutural de um universo tecnológico em constante expansão, operando como interfaces digitais praticamente obrigatórias para a troca social e colonizando tanto a vida profissional quanto o consumo privado, além de controlar como verdadeiros mestres titereiros os fluxos de informação e comunicação. 

Mark Zuckerberg prestando testemunho em Washington, 2018. Foto: Alex Brandon-Pool/Getty Images

Tolos são aqueles que acham que a Amazônia ainda é o “pulmão do mundo”. Esse posto, na verdade, foi reivindicado por outro lugar já há algum tempo: o Vale do Silício é quem atualmente faz o mundo girar. 

Exemplo dessa realidade tenebrosa é o que não falta: foram as plataformas digitais que mais favoreceram a ascensão da extrema direita, certo? No Brasil que elegeu Jair Bolsonaro e nos Estados Unidos que elegeram Donald Trump. E, como prova de que estamos totalmente à mercê das idas e vindas dessas grandes empresas, foram elas também que uniram forças para banir o mesmo Trump da esfera pública digitalizada depois que o ex-presidente norte-americano incitou a violência no Capitólio. Embora existam evidências legítimas de que as big techs estão mexendo um pauzinho ou outro para combater a violência política oriunda de suas próprias interfaces — mesmo que, sim, meramente por estarem sob pressão pública e forte vigilância midiática —, esses e outros casos ilustram o crescente poder que essas mega corporações exercem sobre a vida social de todo o planeta. 

E o mais aterrador: em algum nível, esse poder parece ser incontrolável, o que não é necessariamente mau visto por quem acumula mais e mais dinheiro. 

Essas empresas, é óbvio, extraem renda ilimitada de suas respectivas posições na economia digital. Não querem sair do trono onde estão sentadas tão confortavelmente. E, assim sendo, realengas que são, vão em busca de estratégias para ir mais além, chegando a elaboradas técnicas financeiras, que inevitavelmente são traduzidas em lucros estelares e recursos inigualáveis usados para expandir seus monopólios de plataforma em escala e escopo. 

Ou seja, para a surpresa de ninguém, apesar de eventuais discursos apaixonados que dizem o contrário, no fim elas não querem ser capazes de se controlar.

Muito domínio para o própior bem

“O Dilema das Redes” (2020), filme de Jeff Orlowski.

É um caso clássico de um poder que ninguém deveria ter.

As grandes empresas de tecnologia estão exercendo um impacto colossal em diversos aspectos da sociedade. Essas empresas-titãs, por serem donas de tanta magnitude e poder, têm influência determinante em várias áreas devido ao seu alcance global e domínio amplo. Tal poder é exercido em diversas frentes.

Empresas como Google, Amazon, Apple, Meta e Microsoft dominam seus setores, o que lhes confere uma autoridade perigosa. Elas controlam plataformas e serviços essenciais usados por bilhões de pessoas em todo o mundo, o que lhes permite ditar as regras e moldar a experiência dos usuários. É assim que as big techs conseguem acumular enormes quantidades de dados sobre os usuários, desde seus hábitos de consumo até suas preferências pessoais. E esses dados são usados para alimentar algoritmos de aprendizado de máquina e inteligência artificial, permitindo às empresas melhorar seus produtos e serviços, além de segmentar anúncios e personalizar as experiências dos usuários.

É assustador pensar que big techs têm grande influência política, em um nível global, já que elas mantêm laços estreitos com governos e políticos, realizando atividades de lobby e contribuindo para campanhas políticas, o que pode levar a políticas favoráveis às suas próprias agendas e interesses. O impacto delas na economia global é verdadeiramente expressivo, tanto como criadoras de empregos quanto como impulsionadoras de setores inteiros. Por exemplo, empresas como a Amazon têm transformado o varejo e a entrega de produtos, enquanto a Apple e a Google têm moldado o mercado de aplicativos móveis.

Há quem diga que, apesar das novidades tecnológicas do nosso tempo, as grandes empresas de tecnologia apenas aumentam as tendências capitalistas pré-existentes. Em outras palavras, o que é novo não é a tendência ao monopólio, mas sim a comercialização desenfreada de pegadas digitais.

O debate em torno do papel e da influência das big techs continua evoluindo e é importante encontrar um equilíbrio entre a inovação tecnológica e a proteção dos direitos e interesses dos usuários. Mas a amplitude e a profundidade da digitalização vertiginosa nos convidam a repensar a lógica do capitalismo. É uma nova lógica de acumulação, conhecida como capitalismo de vigilância — surveillance capitalism, no termo original —, voltada para extração de dados e modificação comportamental. 

Capitalismo de vigilância e suas implicações

“O Código Bill Gates” (2019), minissérie de Davis Guggenheim.

Essa mutação do capitalismo é a que cobre a abominável e escusa utilização da imensurável quantidade de dados que usuários fornecem gratuitamente a empresas de tecnologias, transformando-a em matéria-prima e produto final altamente lucrativos. Não é necessário pensar em algo fora do comum para visualizar um cenário em que alguém dá à web todo tipo de informação de mão beijada. Preferências, emoções, hábitos, posicionamento político, credo e tantas outras características que a definem enquanto pessoa e que, mais tarde, será usada para fins diversos. 

Todas essas informações são consideradas dados em estado bruto. Às vezes, esses dados são usados para melhorar a experiência do usuário, personalizar conteúdo e anúncios, oferecer recomendações relevantes e aprimorar os produtos e serviços. Mas nem sempre.

5 big techs dominam o universo tecnológico por enquanto, com milhares de plataformas menores orbitando em torno delas e milhões de aplicativos construídos sobre suas costas. São elas: Alphabet (Google), Apple, Amazon, Microsoft e Meta. Com cada uma dessas empresas tendo um monopólio para chamar de seu, as big techs como um todo passaram a colonizar as principais formas e meios de troca social, sobrepondo as formas pelas quais as pessoas costumavam interagir por meio de interfaces digitais. Isso vale para comunicação e informação, para trabalho ou consumo e, ao definir os padrões para kits de ferramentas de software, e liderar o desenvolvimento do hardware para permitir a troca, essas empresas se colocaram como interfaces obrigatórias para todos os tipos de troca na economia digital. 

É uma nova realidade que se sobrepõe à economia e à sociedade, com as big techs operando sob as lógicas de seu próprio jogo, sujeitando cada vez mais o resto do mundo às suas diretrizes imponentes e intrusivas. E bota intrusiva nisso.

O uso indevido de dados pessoais por parte das big techs é uma das grandes questões do mundo atual. Casos de vazamentos de dados, violações de privacidade e escândalos envolvendo o uso de informações pessoais sem o consentimento adequado dos usuários surgiram. Essas questões levantaram preocupações sobre a segurança e a proteção dos dados pessoais nas mãos dessas empresas. Para lidar com essas preocupações, algumas regulamentações de proteção de dados — como o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) na União Europeia e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil —, foram implementadas para fornecer maior controle e transparência sobre o uso de dados pessoais. Essas regulamentações estabelecem diretrizes sobre a coleta, armazenamento, processamento e compartilhamento de dados pessoais, além de fornecer aos usuários mais direitos e opções em relação ao gerenciamento de suas informações.

Há, portanto, esforços em andamento para regulamentar e proteger a privacidade dos usuários, tentando garantir que o uso dessas informações seja feito de maneira ética e legal. 

Mas quando essas empresas exercem tanto poder e influência na política, na economia e na sociedade, ficamos com a pulga atrás da orelha. Um termo como capitalismo de vigilância devia dar calafrios a qualquer um. 

(Falta de) limites morais

As grandes empresas de tecnologia são entidades comerciais que buscam maximizar seus lucros e crescer no mercado, então é comum que os interesses corporativos prevaleçam sobre os limites morais. Não deveria, mas é. Em muitas circunstâncias, as decisões são tomadas em detrimento de considerações morais ou éticas mais amplas e os casos de empresas acusadas de usar práticas questionáveis ​​de coleta e uso de dados pessoais dos usuários, violando toda e qualquer privacidade, comprovam isso de maneira categórica. Além do que, algumas empresas podem estar dispostas a sacrificar a transparência ou manipular algoritmos para promover determinados conteúdos ou maximizar o engajamento, mesmo que isso signifique a disseminação de informações falsas ou prejudiciais.

O que nos leva, claro, ao episódio recente envolvendo o Telegram e sua infame mensagem que dizia aos usuários que “o Brasil está prestes a aprovar uma lei que irá acabar com a liberdade de expressão”. A empresa, conhecidamente orgulhosa por seu desacato às autoridades — o que acaba sendo seu principal diferencial, quando comparada ao concorrente WhatsApp (ainda que esse não seja moralmente irrepreensível) —, manifestava sua ojeriza em relação ao projeto de combate às fake news que tramita na Câmara dos Deputados. Ir com unhas e dentes contra um projeto que, entre outras determinações minimamente sensatas, criminaliza a divulgação de conteúdos falsos por meio de contas automatizadas e determina a retirada imediata de conteúdos que violem direitos de crianças e adolescentes, transparece a gema obscura do Telegram. E, sabemos, ela não é a única empresa que é contra a regulamentação. O que isso nos diz sobre os valores morais e éticos das big techs?

É claro que nem todas as empresas de tecnologia agem dessa maneira — principalmente, nem todos os funcionários dentro dessas empresas compactuam com tais modus operandi condenáveis. Muitas dessas pessoas têm consciência dos desafios éticos associados à tecnologia e estão pressionando por mudanças internas. Além disso, existem organizações e ativistas que trabalham para aumentar a conscientização sobre essas questões e exigir responsabilidade das big techs. A pressão da opinião pública, a concorrência no mercado e a implementação de regulamentações governamentais podem incentivar as empresas a repensar suas estratégias e considerar mais profundamente as implicações éticas de suas ações. 

Embora os interesses corporativos possam influenciar as decisões das empresas de tecnologia, o que parece fugir à lógica dessas empresas é que é fundamental que haja um equilíbrio entre a busca por lucro e a responsabilidade social. A sociedade como um todo desempenha um papel crucial na definição dos limites que devem ser aplicados a essas empresas, seja por meio de regulamentações governamentais, boicotes, engajamento cívico ou outras formas de pressão. Cada vez mais a tecnologia adentra a vida das pessoas. Por um lado, isso pode ser positivo, quando essas inovações estão atreladas a resolução de um problema humano, por exemplo, ou então facilitam alguma atividade que outrora necessitava de bem mais tempo investido. Por outro lado, essas novas tecnologias podem nos tornar dependentes de certos recursos e, consequentemente, das empresas que nos trazem essas inovações.

Quando os setores de IA dessas empresas crescem desenfreadamente e as equipes de ética diminuem em ritmo similar, fica claro que temos um problema.

Mas as coisas vão realmente bem para as big techs?

Os bancos centrais exercem poder por meio dos mercados financeiros, criando várias interdependências entre domínios e interesses públicos e privados. Esse núcleo de infraestrutura é continuamente refinado por meio da extração e análise de dados, acumulando mais aluguel e poder em um ciclo que aumenta as dependências tecnológicas dos estados. É por essas e outras que os legisladores em todo o mundo precisam controlar o poder crescente das big techs, antes que elas absorvam o poder dos governos eleitos democraticamente: as grandes empresas de tecnologia se tornaram caixas eletrônicos altamente financiados para seus acionistas e executivos. 

Para aqueles que acreditavam que os multibilionários da tecnologia são intocáveis, parece impensável qualquer cenário que não remeta àquela imagem de Tio Patinhas nadando num mar infinito de dinheiro. Mas o futuro talvez não seja tão promissor a essas empresas quanto imaginamos. 

Em 2020, o mundo foi forçado a frear bruscamente. A pandemia forçou as pessoas a mudarem suas vidas profissionais e sociais totalmente. Para a grande tecnologia, isso foi um grande impulso, já que essas transformações apontaram muito para a vida online. As principais empresas de tecnologia atingiram os níveis mais altos de capitalização de mercado na história, o que permitiu com que contratassem e investissem significativamente. Depois de um tempo interminável, as coisas voltaram ao normal e a maioria das pessoas se reajustou do mundo virtual para o real, num balanço funcional entre os dois, deixando as grandes empresas de tecnologia com planos ainda mais megalomaníacos, expostas ao superestimar o crescimento das atividades online. Presumiram, erroneamente, que as pessoas iriam para o mundo virtual e ficariam lá, mas não foi o caso. 

O Fundo Monetário Internacional, por exemplo, descobriu que os gastos online aumentaram de 10,3% antes da pandemia em 2019 para 14,9% em 2020 durante a pandemia, mas depois caíram para 12,2% em 2021 após o levantamento das restrições. A grande tecnologia foi, portanto, forçada a ajustar suas expectativas de crescimento. Mas a volta à normalidade não é a única má notícia na perspectiva da Meta e de outras empresas. 

Como o resto da economia, as big techs sentiram o efeito de uma sucessão de choques. A inflação galopante, o aumento dos preços da energia e a interrupção das cadeias de suprimentos globais têm sido notícias tristes para as famílias, especialmente aquelas com renda mais baixa, e para as empresas, que em alguns casos não tiveram escolha a não ser fechar as portas. As empresas de tecnologia também sofrem. Eles enfrentam custos crescentes e demanda menor em suas principais operações de negócios, como a publicidade da Meta, que perdeu 4% de sua receita no último trimestre. E os bancos centrais aumentaram as taxas de juros, atingindo a indústria de tecnologia, que passou a depender de quantias colossais de dinheiro de baixo custo.

Por outro lado, visto que as big techs respondem ao lobby e têm relações estreitas com políticos e instituições que ditam os caminhos da economia, virou algo frequente nos últimos meses vermos CEOs convocando as pessoas a voltarem a trabalhar presencialmente, devido ao impacto econômico negativo que o trabalho remoto representa para grandes cidades. Um caso recente foi o de um dos criadores do Chat GPT, Sam Altman, que disse que o home office foi “um erro”. Isso só mostra, mais uma vez, que a lua que dita o vaivém das marés dessas empresas é inconstante e moralmente questionável. 

Com um presente em que líderes de Estado são forçados a dividir poder com os Zuckerbergs, Bezos e Musks do mundo, previsões para o futuro talvez não venham a calhar. Melhor pensar no que fazer hoje.

Mas isso só é possível no caso de a tecnologia já não ter mudado o nosso comportamento para sempre.