Tomar café na casa de alguém é um convite para conhecer profundamente essa pessoa. Nossa casa é a casca que nos proteje do mundo. Ela é parte importante de nossa cultura particular, e reflete a maneira como enxergamos e gostaríamos de nos inserir no mundo.

Aqui, dividimos casas de pessoas que gostam de casa. Que têm suas casas vivas, cheias de objetos que contam a história de uma vida, sem um lugar perene em seus espaços.

Camila Tariki é arquiteta e designer de interiores. Filha de mãe argentina e de pai neto de japonês, é mãe da Lis, do Ian, o grandão, e da Lila, a filhote. Morou em Nova Iorque por onze anos, onde estudou e trabalhou com o designer egípcio Karim Rashid. Atualmente, ela toca uma equipe de vinte e seis pessoas na Bernardes Arquitetura, escritório da qual é sócia, criando para seus clientes espaços em que as pessoas que moram naquela casa possam formar memórias e identidades.

Adorei muito a sua casa, tem a sua cara. Casa, pra mim, é assim, viva.

Acredito que casa é muito a nossa memória. Acho que é porque tem esses objetos que eu fui coletando durante a vida, e eles vão seguindo de casa em casa. Eu sou uma pessoa apegada, minha casa é o meu caracol. Já mudei muito. Em Nova Iorque, foram seis vezes em doze anos. Em São Paulo, esta é a minha quarta casa.

Me fala um pouco desta sua casa, como começou a sua história com ela?

Foi durante a pandemia. Estava todo mundo trabalhando online, e eu comecei a ir muito para a Bahia. Cheguei lá, aquele horizonte, aquela paz, e pensei “Nossa Senhora, acho que eu preciso disso na minha vida”, sabe? Em dois dias que estava lá, o meu corpo voltou pro sistema biológico normal, eu acordava às 6h, dormia às 21h30, estava com fome nas horas certas, a cabeça estava boa. Foi dessa maneira que escolhi esta casa, demos um tapa no imóvel, uma coisa muito rápida. Pintei uma sala duas vezes, porque não gostei da cor, depois pintei a sala inteira de amarelo e pensei “não estou conseguindo viver com essa parede tão colorida, com esses quadros”. Fiz uma casa feminina, com cortinas e cores claras. Como sou eu e a Liz aqui, fiz uma casa pra ela.

O que é uma casa feminina pra você?

A casa tem muito rosa, tem muito amarelo, acho que tem essa suavidade em tudo. As peças, as cores, os móveis são mais orgânicos. Criei também uma sala mais divertida, mais preto e branco.

O que você acha que essa casa te oferece, em termos de conforto e bem-estar?

Acho que ela tem passarinhos, natureza. Por mais que seja no meio de São Paulo, ela tem uma combinação de introspecção e alegria. Pra onde você olha, tem alguma bagunça. Morei em casas mais zen, essa tem mais vida.

Como você acha que seu gosto mudou com o tempo?

Tudo na vida é acumulativo. Às vezes, você está muito focado em uma coisa, depois “nossa, olha isso, que legal, deixa eu explorar”. É um olhar curioso para as coisas. Eu, por exemplo, prefiro não ver Pinterest de jeito nenhum. Tento manter meu olhar livre de tendências, mais intuitivo do que informativo. Parto muito de compreender, dentro daquela casa, o que funciona para determinada pessoa. O tempo inteiro, eu vou num lugar, eu olho, eu vejo, eu pego amostra, eu testo. Estou o tempo inteiro colocando muito a mão na massa. E viajar, eu amo viajar, a minha alma é viajante, não abro mão de viajar. Eu falo muito pra minha equipe que a gente não tá criando uma imagem, um projeto pra uma foto. A gente tem que pensar na experiência que o cliente vai ter dentro daquele espaço, como é que eu quero que as coisas pareçam, que tipo de materiais, etc.

Qual você acha que é o papel da arte numa casa?

A arte é uma coisa muito pessoal. Ao longo do tempo, fui conhecendo e me educando, com uma relação zero colecionista. Algumas coisas me tocaram, outras foram curiosidade. Quando vim pra esta casa, que montei de uma forma mais experimental, criei uma parede “dos estranhos”, como Da Silva, Leonilson, Marepe. Fui brincando com essas ligações invisíveis que eu achava entre os artistas. Mas é algo que eu amo. Hoje, inclusive, onde eu pesquiso e estudo muito, é nas artes. É exatamente dessa liberdade do pensar que eu gosto, porque, para o artista, ter um papel em branco pode ser uma coisa super assustadora. Acho esse processo muito inspirador e acabo me inspirando até pra minha vida, pro meu trabalho e pra como encaro certas questões. Uma parede toda forrada de quadros é muito divertida, e cria uma troca muito legal com a casa. A Liz é muito observadora, ela vai e fala dos quadros, eu explico quem é o artista, o porquê, do que é feito, o que gera curiosidade nela. Às vezes ela faz uns comentários super pertinentes, ela observa e depois muda de opinião. Então ela mesma já tem essa troca, que é muito bacana.

O que você acha que torna uma casa única?

Acho que o arquiteto, o designer de interiores ou o decorador cria um espaço para que as pessoas que moram naquela casa criem suas memórias, sua identidade. O que traz a personalidade da pessoa é a dinâmica de cada família, a ideia de como cada um quer viver. Não fazemos o projeto para nós, mas para quem vai ocupar e viver nesse espaço. Acredito muito nessa colaboração com os moradores, em personalizar a experiência desse viver.

O que torna uma casa brasileira?

A gente vive num país com um clima maravilhoso, que é generoso, tem a temperatura certa. Então acho que a casa brasileira é uma casa que tem essa oportunidade de estar muito mais integrada com o seu ambiente, seja natureza, seja um jardim ou uma vista. São casas mais extrovertidas, voltadas para fora. Temos a vantagem de ter, por exemplo, beirais longos para proteger do sol, de criar varandas. Podemos viver muito fora de casa. O brasileiro tem esse lado muito despojado de viver e de receber. É óbvio, cada região acaba ditando certas soluções e maneiras de vivência. Mas definiria como sendo generosidade e integração com o externo.

Vindo de uma mistura cultural rica, argentina, japonesa e norte-americana, qual é o papel da comida e da alimentação dentro da sua casa?

Eu vejo a comida muito como uma oportunidade de você estar fazendo bem pra você mesmo. Comida também é um posicionamento de como você quer impactar o meio ambiente. Eu consumo pouca carne vermelha, como mais peixe. Enfim, eu tento ser consciente não somente quanto à saúde, mas à procedência do alimento que eu estou ingerindo.

O que significa a casa pra você?

A casa é seu abrigo, seu espaço, sua referência, seu templo. A casa é o meu local de encontro, de descanso, de ver a minha história ao redor de mim. Gosto muito também de trazer gente, de receber, de estar com os amigos em casa.

Que tipo de projeto ainda não realizou?

Nossa, tantos que eu ainda nem sei. Mas espero realizar projetos cada vez mais diversos e diferentes. Estamos fazendo um museu agora. Era um grande sonho pessoal, preparar uma instituição cultural. Estamos fazendo três, o IMS, uma fundação em Portugal, um para o [Instituto] Burle Marx.

E o que significa falar pra você passar pra tomar um cafezinho com alguém?

É um momento de encontro. O café, o ritual, é o momento que simboliza a pausa no dia pra você simplesmente se conectar com alguém. Às vezes até se conectar com si mesmo. Às vezes paro em meio à correria e tomo meu cafezinho sozinha. Também é gostoso.

Objeto de carinho

Esses objetos ficam na salinha de brinquedos da Lis. Uma escultura do Véio [Cícero Alves dos Santos]; um vaso da Minco Y Turola e uma figura “a alma” (representando o bem nos festejos de Reisado), comprados na loja da Amarello e que eu amo; uma pombinha de artesanato brasileiro; um bowl do Gaetano Pesce; e um Talking Stick, da Tanzânia. As tribos utilizam esse objeto de madeira, todo feito de miçanga, durante as rodas de conversa, para indicar quem tem a vez da fala.

Por mais que vivamos numa espécie de ditadura de “o passado nunca mais” o que, sim, tem sua beleza, especialmente quando na voz de Belchior , a verdade é que nem sempre devemos ignorar ou apagar as marcas deixadas pelo tempo. Lembrar é, numa só, um ato de coragem e afeto: coragem para reconhecer o valor e o poder de transformação que as lembranças têm; e afeto para enaltecer personagens e cenários, a ponto de, com eles, conseguir aprender. Em linhas gerais, é nisso que acredita o belga Axel Vervoordt, conceituado designer de interiores e criterioso colecionador de arte.

Wabi-Sabi é uma antiga filosofia japonesa que tem a imperfeição como paradigma do que é belo. Por “imperfeição”, entende-se: assimetrias, irregularidades, acanhamento, um punhado de características sucateadas nas sociedades modernas. “Wabi” vem da simplicidade, da elegância e do rústico, enquanto “Sabi” nos leva à galhardia da idade, do desgaste e das rugas do tempo. Isto é, o Wabi-Sabi enxerga a beleza de tudo “falhas” e rachaduras inclusas.

Como alguém que está à cata desses encantos que de algum modo se escondem mesmo estando na frente dos nossos olhos, passando despercebidos e residindo nos detalhes, Axel Vervoordt vive e respira o Wabi-Sabi. É da sensibilidade atinada, portanto, que germina o seu maior talento: daqui do presente, notar e dar nova vida à graciosidade do passado.

Se o século passado foi de produção, consumo e descarte, a história agora é outra. A sensação atual predominante, literal e metafórica, é a de que tudo está se esvaindo – nossos recursos naturais, nossos lugares para despejar lixo, nossas relações pessoais. O século XXI, se tomado como um ensejo de mudança, caracteriza-se pela necessidade de recuperação. Com o resgate, o antigo torna-se atual novamente, e a verdade, como acredita Vervoordt, pode estar contida no paradoxo e na ambiguidade. Não à toa, os seus designs investigam os conceitos de tempo-espaço e a natureza do ser, duas instâncias que latejam contradições.

Para atribuir coesão e harmonia à tal complexidade, a humildade é imprescindível. Pensemos em alguém cuja percepção é sempre respeitosa e que não faz questão de se evidenciar no que produz, preferindo escutar os sussurros de um espaço para então compreender como amplificá-los ao máximo e transformá-los em uma voz própria. Com essa abordagem orgânica, até os elementos da natureza se fundem aos ambientes, combinando a austeridade do design moderno com uma aceitação humana dos efeitos do tempo.

“A simplicidade é a sofisticação máxima.”

Vervoordt, o designer, e Vervoordt, o colecionador, se amalgamam. O olhar apurado para identificar essências que emanam complementaridade é o que faz com que sua coleção priorize peças com espírito, descartando superficialidades e modismos. No fim, é a lógica dos seus designs aplicada ao próprio inventário: coleciona não para possuir, mas para fornecer um pedestal digno dos artigos em questão. Um desses pedestais é sua casa, onde a justaposição de obras e objetos formam um diálogo precioso. O designer-colecionador, que, aliás, projetou os interiores das residências de diversas celebridades de Kanye West a Calvin Klein ,passa seus dias morando no campo em um castelo do século XII e, assim, a interlocução de épocas faz parte das minúcias do seu cotidiano. 

“Gosto de ser fascinado por algo antigo que parece muito contemporâneo e algo contemporâneo que parece muito antigo.” 

Falando em contemporâneo e antigo, agora jogamos o holofote sobre o projeto Kanaal, um complexo cultural e residencial em Antuérpia,charmosacidade belga. Originalmente construído em 1857, Kanaal funcionava como uma destilaria. Em 2017, porém, os armazéns industriais de tijolos e os silos de grãos de concreto viraram apartamentos de alto padrão e um hub de escritórios moderníssimo. 

A antiga destilaria foi restaurada e complementada com uma ou outra adição, de modo que os períodos se encontram de forma natural. Respeitando a história e dando um abraço caloroso nas características originais do edifício, todo o terreno recebeu uma nova perspectiva para o futuro. É assim que Vervoordt, já há algum tempo, é referência máxima.

Por que deveriam arranhões na madeira desvalorizar uma mobília? Abraçar imperfeições é uma maneira criativa de se reinventar. A filosofia por trás do Wabi-Sabi talvez não vá de encontro com os fundamentos de “o passado nunca mais”, nem mesmo se cantado por Belchior. Mas, partindo da sabedoria japonesa e de sua paixão pela contradição harmoniosa, Axel Vervoordt sabe que é no passado que está o futuro. E, como diria Belchior ajudado pelo coro do designer, “precisamos todos rejuvenescer”