O pesquisador James Tooley ficou decepcionado ao ser enviado, pela Universidade de Newcastle, a Haiderabade, na Índia, para estudar as escolas privadas da elite local. Sua paixão fora sempre a educação da base da pirâmide social, e lá estava ele para produzir relatórios sobre os colégios mais caros da cidade. Aproveitando, contudo, a estadia em um país subdesenvolvido, resolveu explorar uma das favelas da cidade e as escolas públicas que a atendiam. Conversando com os moradores, descobriu algo inusitado: além da escola pública local, havia dezenas de pequenas escolas privadas operando na comunidade e cobrando mensalidade.
E não se tratavam de grandes redes de ensino que abriram filiais nas comunidades. O modelo era o de uma iniciativa vinda de dentro: um morador local, com um pouco mais de conhecimento que a média, dava aulas em sua própria casa. Com o sucesso, contratava mais professores, alugava ou comprava o casebre anexo e expandia suas operações progressivamente.
Tooley então visitou países da Ásia e da África e, em praticamente todos, encontrou a mesma coisa. Em cada favela, escolas privadas cheias de alunos pagantes. Com mensalidades baixíssimas (algumas chegavam a U$ 1), professores motivados davam aulas para salas abarrotadas de alunos interessados.
Por que tantos pais preferem a escola privada? O principal motivo é que os professores faltam menos e as crianças vão com mais interesse. Além disso, são escolas atentas ao que os pais têm a dizer. Assim, tem-se, de um lado, escolas públicas caras aos cofres estatais e com funcionários desmotivados; de outro, escolas 100% informais, com professores engajados e que, mesmo vivendo estritamente de mensalidades baixíssimas, dão lucro.
O grande teste, contudo, ainda estava por ser feito: será que as escolas privadas ensinam melhor que as estatais? A única maneira de testar é aplicando um teste padronizado, e foi justamente isso que Tooley fez. Não é surpresa descobrir que os alunos das escolas privadas se saíram sempre igual ou melhor que os das públicas.
Assim, o livro derruba platitudes do senso comum. A primeira e mais óbvia a cair é a de que, por conta própria, os pais são menos interessados na formação de seus filhos do que burocratas do governo ou professores desestimulados no sistema público.
Mostra também que ser pobre é muito diferente de ser “pobre coitado”. Os moradores das grandes favelas do mundo não são uma massa passiva e indefesa, aguardando a ajuda que vem do Céu ou do governo. São pessoas ativamente engajadas na própria ascensão social e econômica, e que não raro encontram os meios mais eficazes para isso. O primeiro é ter já deixado a miséria rural e se mudado para o mundo das possibilidades urbanas; e o segundo é poupar o pouco que ganham para investir em seus filhos.
Tooley mostra muito bem como o desejo de lucrar e o de servir à comunidade não são contraditórios; pelo contrário, reforçam-se mutuamente. Na escola privada, os professores dão aula bem e raramente faltam, mesmo ganhando salários muito inferiores aos da escola pública. Não raro, as escolas privadas oferecem bolsa para os alunos muito pobres; prova de que o desejo do lucro não extinguiu o desejo de servir ao próximo.
É uma surpresa que as escolas privadas consigam desempenho melhor com menos dinheiro? Não exatamente. Uma diferença está em que, na escola privada, a remuneração do empreendimento depende da qualidade do serviço prestado, que é avaliada pelos próprios pais; quem falta ou ensina mal é punido com menor remuneração. Na escola pública, o dinheiro vem dos impostos (e de doações bilionárias de países ricos) e nada muda se o serviço for péssimo. Para que se esforçar?
Ironicamente, é a relativa ausência do governo que permite que os sistemas privados funcionem. As escolas desses locais são todas informais. Só continuam a operar porque os fiscais do Estado nunca passam por lá e, quando passam, são facilmente subornáveis. Se o governo não atrapalhasse, já faria um grande favor.
Tooley não prega uma postura de indiferença dos países ricos. A educação no mundo subdesenvolvido precisa, sim, de ajuda e investimentos. O que ele faz é um alerta sobre como essa ajuda tem de se dar para obter os melhores resultados. Ao invés de doar dinheiro para um sistema estatal, burocrático, centralizado e ineficiente na hora de transformar dólares em impacto social, é mais interessante patrocinar o ecossistema educacional que emerge das próprias comunidades, seja com investimentos diretos ou com uma política de vouchers – dar às famílias a liberdade de escolher onde seus filhos estudarão e deixar que o Estado pague a mensalidade.
Lições que podem ser trazidas para o Brasil, onde – até onde se sabe – a educação privada nas favelas não tem a mesma dimensão que na Índia, mas cuja vocação empreendedora tem cada vez mais sido levada também à educação.
The Beautiful Tree é um livro para todos que se interessam pelo tema da educação e do progresso social. Um pequeno estudo sobre um processo mundial de ascensão social dos mais pobres que ocorre de baixo para cima, sem planejamento e, não raro, apesar dos esforços daquelas instituições formais que supostamente os servem.