Rudy Ricciotti vê a arquitetura como um produto do seu contexto, combinando o poder da criação com uma genuína cultura de reconstrução e amplificação dos ecos de outrora. Nascido em 1952, o arquiteto e engenheiro francês já apresentou ao mundo uma série de trabalhos experimentais premiados, que se caracterizam pelo uso inovador de materiais – em especial, o concreto –, aplicados com preciosa imaginação aos mais diversos ambientes.

Ao longo de toda a carreira, Ricciotti nunca quis tomar de refém aquilo que já existe. Distinguindo-se da abordagem arquitetônica praticada amiúde, a destruição não faz parte da sua construção. Sua visão contribui para a fluidez dos espaços, formulando um diálogo entre épocas, sem que uma projete sombras sobre a outra. Como o próprio arquiteto diz, mais do que nunca isso se faz necessário, pois é a partir do discurso e da poesia plural que se faz resistência. Indo contra os ditames da globalização, num só tempo Ricciotti resgata e amplia a beleza, a legibilidade e a funcionalidade da história. Nutrido de uma particular inovação-preservação, prova que é possível agarrar o real com uma mão e, com a outra, reescrevê-lo.

Para citar alguns de seus prêmios e ilustrar a dimensão do impacto de sua obra, só no ano de 2006 ele foi galardoado com o Grand Prix National d’Architecture e com a Médaille d’or de l’Académie d’Architecture. Teve participações marcantes, grifadas pelo pioneirismo, em projetos como: 

Departamento de Artes Islâmicas (Louvre) – Cercado pelas fachadas neoclássicas do pátio Cour Visconti, um véu ondulante de vidro tesselado surge imponente. É o teto da ala dedicada à cultura islâmica, representada pelo tapete, tão presente no ideário do Islã. Com o cuidado de não se sobrepôr às fachadas que a rodeiam, a ala foi elaborada ao lado de Mario Bellini.

Museu Jean Cocteau – Inspirada no clássico de Cocteau, A Bela e a Fera, de 1946, essa concepção cria uma mistura de linhas serpenteantes que, qual o filme, brinca com a luz e a sombra, jogando fumaça sobre o que é sólido e o que é poesia. Ricciotti resgata, assim, um pouco do aspecto sonhador de uma das figuras mais importantes da cultura francesa.

Le 19M, de Rudy Ricciotti para Chanel

Com o 19M, edifício parisiense que reuniu 11 ateliês do Métiers d’Art da Maison Chanel, também pôs em prática suas principais ideias como criador. O número presente no nome representa o dia 19 de agosto de 1883, data de nascimento de Gabrielle Chanel; já o “M” é uma somatória das palavras métiers, mode, mains e maisons – todas relacionadas ao artesanato. Vê-se, portanto, a necessidade latente de abraçar capítulos passados para só então desenvolver o condão de recontá-los, como Ricciotti tanto gosta de fazer.

Evocando visualmente a malha de um tecido de alta costura, o 19M é um edifício triangular de 25 mil metros quadrados e de pura cronologia. Por acolher uma coleção de empresas especializadas, é tido como um manifesto arquitetônico do alardeado savoir-faire francês. Antigo, mas atual; jovem, mas reverente. Mais um típico projeto ricciottesco, em que os microcosmos do agora se adaptam ao macrocosmos de antes – nunca ao contrário.

Em visita ao espaço, vimos de perto o trabalho do arquiteto, além de entrevistar cinco jovens artistas que dividiram com a gente suas concepções sobre moda, alta-costura, modernidade e o relacionamento do setor com a nova geração.

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Apartamento de Chanel no 31 da Rue Cambon, em Paris.

Em 1918, Gabrielle Chanel se instalou no segundo andar da 31 Rue Cambon. Ali criou uma decoração atemporal, barroca e harmoniosa, um convite para uma viagem que reflete as suas amizades artísticas e abre as portas para sua imaginação.

Perfeitamente preservado desde que ela faleceu em 1971 e classificado como monumento histórico pelo Ministério da Cultura em 2013, este lugar inspirador oferece uma visão fascinante da personalidade de Mademoiselle Chanel.

O apartamento, localizado acima de seus Salões de Alta Costura, é um talismã repleto de talismãs. A composição parece ter poderes mágicos ou sobrenaturais, o espaço é delicadamente edificado por detalhes dotados de história, força, memória e intenção. 

Há, ao redor de cada centímetro, uma aura aromática. Uma experiência traduzida por contrastes e sensações. Para além da profundidade narrativa de cada escolha, há uma relação invisível entre os objetos. Como se juntos formassem um alfabeto – signos tridimensionais que até hoje inspiram criações e coleções Chanel.

Entre seus amigos que ali estiveram, um episódio em específico nos mostra o quanto o seu pensamento, tanto em sua vida particular como em seu trabalho, enaltecia as mulheres e o poder do feminino. Durante um jantar, com o seu então marido Richard Burton, Elizabeth Taylor parecia apreensiva. Quando Chanel a perguntou o que estava acontecendo, Taylor respondeu que estava ansiosa pois em alguns dias iria conhecer a rainha da Inglaterra. 

Gabrielle disse para ela não ficar nervosa, explicou os protocolos, como ela deveria se portar e no final disse: “Mas lembre-se que foi a rainha que pediu para conhecer você.”

As paredes absorvem força estética, bem como um longo passado de encontros e segredos. Os espelhos e biombos chineses que as cobrem, parecem resguardar portais. É muito impactante adentrar o apartamento-talismã da 31 Rue Cambon. A imersão afeta o corpo todo e transborda fascínio para os outros andares. É como um amuleto que mantém pulsante o legado e as virtudes valorizadas e cuidadosamente materializadas por Gabrielle Chanel.

Conheça mais sobre o apartamento-talismã de Coco Chanel aqui.