O que me falta é a edição de número 44 da Amarello. Com a psicanalista Helena Cunha Di Ciero como editora convidada e capa de Nino Cais, refletimos sobre o vazio como parte inevitável da vida a partir de diferentes perspectivas.
Garanta a sua
Há doze anos eu larguei o cigarro, quando fumava compulsivamente mais de um maço por dia. Desde então, vim transferindo essa compulsão para trabalho, relacionamentos, esporte, sexo, comida, compras, bebida alcoólica e, por último, o mais complicado, tecnologia. Vários prazeres fugazes que eu usava como subterfúgio para não me deparar com as dores inerentes à minha existência.
O mundo em que vivemos é projetado para ocupar o lugar das nossas faltas e das nossas ausências. O consumo desenfreado, o uso exacerbado e viciante da tecnologia, a indústria alimentícia que se associa aos sentimentos, a cultura da hiperprodutividade, que nos obriga a estarmos ocupados o tempo todo. Tudo é arquitetado para estarmos “completos”, “plenos”, “preenchidos”, para que não sobre tempo para a reflexão, o acaso, a espontaneidade e as relações pessoais. Tudo é sobreposição, esgotamento, empilhamento, e se tudo é preenchido, não sobra espaço para a falta. Se tudo é planejado, não sobra espaço para aquilo que é prazeroso, inesperado, fortuito e, portanto, incompleto.
Quando tudo é planejado para que não haja perda, falta espaço para se perder e se redescobrir.
Como se reencontrar sem se perder?
Tentei tapar os meus buracos por muito tempo, mas, com distanciamento, começo a conseguir enxergar que o que me falta, ou me faltou, nunca será preenchido. Passo a olhar para essas lacunas com delicadeza e carinho, transformando minhas dores em ausência e, assim, dando um pouco mais de sentido aos buracos deixados por esses vazios. Ao assimilar o que me falta, me aproprio da incompletude para sair da escuridão.
Não que elas estejam resolvidas, muito pelo contrário. Mas o que me falta, me molda. E isso é bom.