As batalhas travadas no espaço sideral, na trilogia original de Guerra nas Estrelas, formaram a trilha sonora de minha infância. Quando fecho os olhos, nitidamente vejo – e ouço – a nave Millennium Falcon entrando em hyperdrive, com um apito de chaleira escaldante, transformando as estrelas num borrão distante. Perturba-me, então, acreditar que o espaço é um silêncio absoluto, pois o som é produzido pela vibração de átomos no ar e – essa é a chave fundamental da coisa – não há ar no espaço.
Ok, ok, você pode estar pensando. Não há ar, mas o espaço não é vazio; está cheio de coisas, gases, líquidos e sólidos. Por que as ondas sonoras não podem passar por esses materiais e vibrar seus átomos, produzindo som no espaço?
A verdade é que até poderiam, mas nós, meros humanos, jamais iríamos escutá-los, pois as nuvens de gás no espaço são bem menos densas que a atmosfera do planeta Terra. Ou seja, têm menos átomos por metro cúbico – e mais espaço entre os átomos. Imagine-se no espaço, tentando ouvir uma onda sonora que se aproxima. A onda afetaria poucos átomos a cada segundo, e nossos ouvidos não teriam a sensibilidade para captar algo tão disperso.
Se o gás está fora de cogitação, o que dizer dos sólidos? Há muitos sólidos no espaço: luas, asteroides, meteoroides, e assim por diante. Mas, veja bem, o som até poderia se propagar por dentro destes sólidos, mas não entre um sólido e outro, porque não há matéria suficiente entre eles. Existe, em outras palavras, apenas um vácuo, e, infelizmente, as ondas sonoras não podem se propagar no vácuo. Por isso, nós, meros humanos, não conseguimos ouvir nada no espaço. Aos nossos ouvidos, o espaço representa o silêncio absoluto. Um pensamento que me deixa levemente inquieta. Afinal, o som é a nossa ferramenta primária de comunicação. Se não posso expressar meus pensamentos através de sons para os outros, perco o sentido da minha existência como animal social. Eu anseio – preciso – ser ouvida para saber quem sou. Como disse Jean-Jacques Rousseau, “O silêncio absoluto conduz à tristeza. É a imagem da morte.”
Mas não nos desesperemos. Se olharmos mais atentos para o espaço sideral, veremos que existem fenômenos que oferecem densidade de matéria suficiente para comportar ondas sonoras. Um bom exemplo: uma nebulosa – uma imensa nuvem composta de poeira, hidrogênio, hélio e outros gases. Esse conjunto oferece, frequentemente, condições ideais para formação de massas pesadas capazes de atrair mais massa. Eventualmente, essas serão pesadas o suficiente para formar estrelas. Como o processo de formação estrelar é muito violento, os restos de materiais lançados ao espaço por sua ocasião formarão planetas e outros sistemas planetários.
Mas mesmo com tanta atividade dentro de uma nebulosa, suas partículas de gás ou poeira ainda se encontram no vácuo do espaço. Nossos ouvidos ainda não detectariam ondas sonoras. Porém, cientistas intrépidos descobriram que, mesmo que ondas sonoras não possam se propagar no espaço, as eletromagnéticas podem, e nós podemos “ouvi-las”.
Os telescópios mais poderosos do planeta contêm aparelhos chamados espectrógrafos, que registram as ondas eletromagnéticas. O astrônomo Paul Francis, da Universidade Nacional da Austrália, converteu alguns destes registros em som, reduzindo sua frequência em 1,75 trilhões de vezes, e assim os tornando audíveis aos humanos. Deste modo, o Dr. Francis gravou uma sinfonia de nebulosas, cometas, quasares, e até o nosso sol. Suas gravações estão disponíveis no site da universidade.
Em nada se parecem com os efeitos especiais de Guerra nas Estrelas. Parecem mais uma cruza de meditação tibetana com um carro viajando a toda velocidade, com suas janelas entreabertas. Mas pouco me importa o tipo de som que produzem. Fico radiante com o fato de conseguirmos “ouvir” um som qualquer. Somos gerados no útero, onde, durante nove meses, ouvimos a batida do coração materno, a pulsação do sangue no cordão umbilical.
Nosso primeiro contato, ainda no útero, com o mundo externo é através do som.
Para a humanidade não pode haver silêncio absoluto. Pode haver apenas diferentes maneiras de “ouvir” o som.