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#29ArquivoArteCinema

Tacita Dean: O esmaecer das coisas

por Tamara Klink

“Todas as coisas pelas quais me sinto atraída estão prestes a desaparecer”, afirmou certa vez Tacita Dean. A artista tem, de fato, um fascínio pelo limiar da ruína, notável tanto no mote de suas obras quanto nos próprios suportes de que ela se utiliza. Estes servem como forma de resistir e, ao mesmo tempo, refletir sobre a essência por trás da construção de toda e qualquer memória: o desejo de combater a própria ameaça do tempo, do esquecimento. Dele surge a criação de arquivos, a consagração de lugares e as efemérides. Não à toa, o uso do filme, por seu caráter documental e ao mesmo tempo ilusionista, tornou-se uma das maiores ferramentas de Dean.

Essa escolha fez com que a britânica nascida em Canterbury (1965) venha sendo enquadrada por críticos como nostálgica diante de uma inevitável supremacia digital. Dean, que é considerada uma das artistas mais importantes de seu país e que só este ano ganhou mostras no Pompidou (Paris, França) e no Shrem Museum of Art (Califórnia, EUA) e atualmente possui duas exposições individuais em importantes instituições (Still Life, que ocupa a National Gallery e a National Portrait Gallery até 28 de maio, e Landscape, na Royal Academy of Arts até 22 de agosto, em Londres), rebate a crítica dizendo que nostalgia é uma saudade de um tempo passado, quando seu trabalho trata do presente.

Ela considera tanto os filmes 16 e 35 mm quanto a pintura e o giz — presentes na grande maioria de suas exposições — meios que, se bem “seguidos” pelo artista, podem trazer algo totalmente inesperado, “um cachorro que cruza um campo seguindo seu próprio nariz”, como ela definiu ao The Guardian em março deste ano. Uma troca que não ocorre com a mídia digital, na qual “nada pode realmente acontecer que não seja planejado”, ela completou na mesma entrevista. Seu trabalho se efetua de maneira intuitiva, exatamente como ela descreve. Observá-la trabalhando concentrada em seu laboratório, em meio às milhares de fitas de negativo as quais ela corta, cola e pinta, um a um, confere uma coerente imagem a essa afirmação.

Sob a premissa de seguir o próprio meio até seu fim, a artista encena verdadeiros “réquiens” em loopings contínuos de quadros longos e lentos realizados com a câmera estática, conferindo uma atmosfera contemplativa aos seus filmes, que hoje já somam mais de quarenta, todos produzidos em 16 mm. Ela assume que a lentidão recorrente é, em parte, determinada pela evolução de sua artrite crônica, mas também deixa claro que, de longe, essa condição agrega qualquer significado a eles.

Em meados dos anos 1990, a britânica lançou uma série de filmes que traziam como pano de fundo a paisagem marítima — influência natural do mestre conterrâneo J. M. W. Turner, cujas pinturas eram dominadas pelo mesmo gênero —, sendo os mais notáveis aqueles que aludem à trágica desventura do velejador amador Donal Crowhurst, como Delft Hydraulics (que registra as últimas ondas produzidas num laboratório marítimo na Holanda) e Disappearance at Sea, ambos de 1996. Este segundo, que registra os últimos faróis da Inglaterra e da Escócia, foi o que fez a artista ser indicada, em 1998, ao Turner Prize, um dos mais importantes da arte contemporânea mundial.

De sua produção nos anos 2000, destaca-se Kodak, filmado em 2006 na fábrica da marca, a última a produzir filme 16 mm na Europa, em Chalon-sur-Saône, na França. Dean precisava de rolos para sua câmera e foi informada por um vendedor em Nova York que aquela era a única que ainda os produzia. Munida de seus cinco últimos rolos, ela decidiu gastá-los para registrar a fábrica, partindo da ideia de um filme que representaria “seu próprio estoque obsoleto em si mesmo (…), um meio que está prestes a ser exaurido”, como definiu para a revista Kultureflash. Em 44 minutos, Dean se vale tanto do preto e branco quanto da cor para apresentar close-ups do maquinário, sequências de seus já conhecidos quadros estáticos de espaços misteriosos, alternados com vistas abertas que capturam a rotina dos operadores, encerrando com uma imagem da área, já desértica, destinada à embalagem do produto.

Mais adiante, ela definiria a produção de Kodak como uma homenagem ao filme analógico e um lamento por seu desaparecimento, além de ser a captura de uma bela jornada que, se não estivesse em incipiente obsolescência, ela jamais teria o interesse em registrar. Sua paixão pelo esmaecer das coisas sempre a leva a criar essas belas despedidas. Esta acabou sendo uma ação premonitória da artista, que não tinha conhecimento de que a a fábrica anunciaria o fim da produção do filme 16 mm poucas semanas depois de sua visita. No ano seguinte, ela seria finalmente demolida. Kodak traz a mesma melancolia do limiar do desaparecimento presente em produções anteriores, mas acaba se sobressaindo por trazer como protagonista algo muito caro à artista.

Essa sensação de luto que envolve o prelúdio da perda pode ter sido também o que a motivou a examinar, nos últimos quinze anos, a terceira idade de artistas como o radical italiano Mario Merz — ao qual a artista atribui certa semelhança com seu próprio pai, falecido em 2010, aos 88 anos —, o coreógrafo norte-americano Merce Cunningham, bem como Julie Mehretu, Claes Oldenburg, Cy Twombly, entre outros. Uma série de nove deles estará na mostra Still Life, na National Gallery. Com eles, a artista parece completar sua mensagem ao mostrar que o filme pode servir como metáfora da vida: mesmo que por um breve momento possa se criar a ilusão de um tempo suspenso, todas as coisas ligadas a ele terão um começo, um meio e um fim. Quando um jornalista a questionou com qual frequência a “narrativa da jornada” levava à morte em seu trabalho, ela respondeu: “Bem, sempre. E esta é a parte mais aterrorizante.”

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O futuro dos museus está dentro de nossas casas

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Existe uma história a se contar toda vez que acontece um encontro. Há rastros desse encontro. Memória. Arquivo. Fetiche. Notícias humanas.

Em O Museu da Inocência, o escritor turco Orhan Pamuk, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 2006, narra uma história de amor impossível entre dois primos que acaba se transformando em uma adoração fetichista dos objetos relacionados a essa paixão. Na história, o protagonista coleciona obsessivamente coisas que foram tocadas por sua amada. Em paralelo, o escritor colecionou esses objetos, advindos de mercados de pulgas e casas de amigos. Objetos estes que estão abrigados no “Museu da Inocência”, em Istambul, em um espaço dedicado à memória dos personagens do livro.

Escondido perto da Avenida Istiklal, pulmão da moderna Istambul na costa europeia, um prédio vermelho abriga um museu curioso. No museu, não há paredes brancas, obras de arte famosas, tampouco objetos raros. Há uma coleção de objetos ordinários, comuns, rastros físicos de uma cena de amor – como, por exemplo, uma parede dedicada a abrigar mais de três mil cigarros dispostos em ordem com uma etiqueta de identificação. São pistas da angústia de um amor mal resolvido. O valor não está na natureza de cada objeto em si, mas sim em sua capacidade de despertar e trazer à tona todos os sentimentos e sensações ali colocados.

A criação do “Museu da Inocência” nos propõe uma reflexão profunda sobre o potencial dos museus em contar histórias nessa escala, de seres humanos individuais. Construções monumentais, que acabam distanciando o público, dariam lugar a cenários da vida real com objetos ordinários que lhe dão cor de vida – assim como nossas casas, a exteriorização do nosso universo particular, o lugar onde colecionamos aquilo que escolhemos, que colocamos a nossa energia e usamos de abrigo e proteção. Seriam nossos próprios lares os futuros museus?

Em seus estudos de Análise da Imagem, Walter Benjamin estabeleceu uma relação em que a imagem, como obra de arte, depende de sua aura, do seu valor de culto, da sua autenticidade e unicidade para existir. Relacionando esse conceito com o valor afetivo que colocamos em objetos tão próximos e presentes no nosso dia a dia, podemos considerar que tais objetos são dotados de aura e valor de culto. Uma releitura contemporânea do “ready-made” de Marcel Duchamp.

Se os museus são territórios de experiência e reflexão onde podemos repensar histórias e memórias, espaços que nos conectam com mundo, é urgente usar esses espaços para se aprofundar em universos particulares.

Os grandes museus sempre trataram de observar as civilizações, os Estados, a sociedade e os conglomerados, mas nunca o indivíduo em particular. Observamos as passagens históricas sem nos ater aos seus personagens, estudamos as guerras sem nos aprofundarmos a respeito da vida dos soldados que ali estiveram. O que sabemos sobre suas famílias, seus amores, seus desejos e medos?

Entrar no profundo do ser humano é compartilhar sentimentos e emoções em comum. É nos aproximarmos. Dar lugar ao íntimo em vez de abrigar a impessoalidade do coletivo é extremamente necessário para compreender o mundo de maneira mais humana. Assim, podemos mergulhar naquilo que há de mais singelo: nossas histórias pessoais, nossas memórias, coleções de uma vida dotadas de significado. Se há vida, há arte.

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Cartas para o Edil

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Comecei com as cartas logo que me alfabetizei, aos sete anos, em 1969. Mamãe me ditava o que ela precisava dizer para o José Maria e, depois, colocava no correio. Suas cartas eram curtas, eu me lembro. E falavam, em primeiro lugar, de saudade. Diziam que, desde que ela o vira pela última vez… – e, aí, eu escrevia como escutava, em maiúscula: “Deus que te vi pela última vez…”

Em janeiro deste ano, comecei a fazer apresentações de minhas músicas nas casas dos amigos. Eu ofereço o show em suas salas e, depois, passo o chapéu. Nós chamamos essa série de shows de De Casa em Casa. Quando fizemos o De Casa em Casa no Márcio, na hora em que estávamos saindo, Edil disse que tinha uma surpresa. No caminho, acabei descobrindo-a: entre uma música e outra, ele iria ler as cartas que lhe mandei no fim dos anos 80 e início de 90. Eu não tinha ideia do que elas eram, mas, pelo entusiasmo dele em trazê-las para as músicas, pedi que já abrisse o show com uma.

Fiquei com um pouco de vergonha, achando uma bobagem todo aquele assunto que eu criava nelas – ocos, só pelo prazer de escrever e, então, perder um pouco de minha tristeza jovem. Mas o Edil disse que eram cartas de poeta e leu de um modo muito emocionado, bonito, porque ele é um poeta, e leu poeticamente, e chorou, porque não há outro modo de um poeta ler uma carta. Todos os amigos que escutaram a leitura acharam minhas cartas muito bonitas. E eu, mesmo assim, continuei não conseguindo ter ideia do que elas eram, mas também as achei bonitas, assim, com eles, no fluxo, na vibe.

Depois, em mais outros dois De Casa em Casa, Edil levou as cartas para ler, e comecei a perder aquela primeira impressão de que eram muito bobas, muito nada a ver. Comecei a sentir o quanto de verdade tinha em toda a fantasia que eu desenvolvia nelas. E entendi melhor por que a Vilma, naquele dia, na sala do Márcio, depois do show, depois da primeira leitura delas pelo Edil, veio me dizer que eu era um cara de fronteira e que eu só não enlouquecia porque escrevia cartas, fazia músicas e era artista.

Eu escrevo cartas desde menino, com os assuntos de mamãe, mas, quando fiquei adolescente e nos mudamos para Niterói, seus assuntos, além do que escrevia para seus irmãos, começaram a ser também os meus assuntos, para uma amiga de ginásio que tinha ficado em Cachoeiro. Depois, quando a nossa amizade acabou por conta da distância, eu escrevia para os amigos adolescentes daqui mesmo de Niterói. Quando me mudei para uma cidade do interior do estado do Rio de Janeiro, já um rapaz adulto, elas se intensificaram. As do Edil são dessa época, enquanto ele vagava por cidades do interior de Minas Gerais.

Escrevi para outros amigos, porque nós gostávamos desse negócio de manuscrever no papel, colocar no correio, esperar pelas respostas que vinham pelo carteiro. Era um entusiasmo isso. E o Edil ter levado suas-minhas cartas para ler nos shows me fez ver que elas foram, algumas vezes, o embrião de alguma música, um tema que, depois, virou música, como o tema de “Poltrona”, por exemplo, do meu disco Antigo (2013). Também me fez ver que, dentro dos limites do que me aconteceu na vida, elas também são o embrião dos livros que escrevi. No fim, os livros são como elas. Vou inventando o que dizer sobre mim e, aí, eles vão tomando esse aspecto meio ficção, meio verdade, por conta da fantasia com que me deixo envolver para contar uma coisa que é minha.

Penso que eu tenha herdado isso de mamãe. Ela, nas cartas para o Edil, está quase sempre presente, assim como nos livros e músicas. Eu adorei saber de uma carta que fala dos bolinhos que ela fazia e que comíamos na cozinha, fritos na hora. Nela, falo do meu desejo de que comer aqueles bolinhos continuasse como aquela lembrança que eu tinha, de olhar para as rolinhas ciscando a palha de arroz, quando eu não era nem mesmo menino, ainda bebê, e o sol era um sol branco, azul e dourado, inclinado sobre elas, as rolinhas. Só que o desejo não se realizou, não fosse a carta. As rolinhas estão até hoje pastando sob o sol branco, azul e dourado. Os bolinhos só estão na carta.

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Dois e dois são dois: Jorge Caldeira e Alexandre Villares

Jorge Caldeira, escritor, doutor em Ciência Política, mestre em Sociologia e bacharel em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, se encontrou, na Rua Líbero Badaró, no centro de São Paulo, com Alexandre Villares para conversar. Alexandre é arquiteto e urbanista por formação, pesquisa o ensino de programação em um contexto visual e trabalha como professor e educador de tecnologias e artes em diversas instituições. Ele é integrante de arteprog – arte e programação e foi editor convidado da Revista Amarello #27.

Alexandre Villares: Essas questões de arquivar as coisas estão cada vez mais interessantes. Tenho um amigo programador que foi estudar Biblioteconomia depois de mais velho, e ele fala que tem um problema, por exemplo, imaginem que o pessoal da saúde tivesse um funcionário chamado hospitalecário. Isso não funciona, porque teria o hospitalecário da administração, o hospitalecário… Mas a Biblioteconomia ficou com esse nome. O cara é um bibliotecário. Mas dentro da Biblioteconomia você tem todo um universo de especialidades e de discussões, como na saúde você tem as especialidades e tal…

JC: E arquivo tem também: se chama Arquivologia e o cara se chama arquivista. A diferença da biblioteca e de um arquivo é que na biblioteca você sabe o que tem em cada unidade, cada livro é uma unidade; no arquivo, não necessariamente. Às vezes, tem um monte de caixas e você cria as unidades do que está guardado, dependendo do tipo de material, de onde veio, etc. E existe toda uma ciência para fazer isso. E os arquivos existentes, eu uso muito – comecei a usar, como historiador, estudando em arquivos. Era basicamente papel, mapa e coisas do gênero. Então as classificações básicas tinham sido criadas para isso. Quando veio a imagem em movimento, o cinema, você quer arquivar um filme, mas o filme tem um timetable, que é descrito minuto a minuto. Já é uma coisa bem mais complicada de fazer. Para você saber o que foi guardado num vídeo, no arquivo de uma emissora de TV, a cada minuto, era complicado há vinte anos. Ainda assim, tudo tinha uma base física. A internet e a programação eletrônica criaram uma coisa difícil, porque não existe um original como havia o máster da fita que faz o disco, o negativo da foto, quando se usava negativo, e até mesmo o papel. E você não tem um testemunho confiável que liga aquele documento a alguma coisa, um fato. Isso quer dizer que, quando você pega uma certidão de nascimento, um papel, ela foi escrita para dizer que fulano nasceu naquele dia, então o papel liga um evento a uma pessoa de uma determinada maneira. Na eletrônica, é difícil, porque você até consegue guardar um e-mail, mas ele pode sumir facilmente na nuvem; a linguagem de programação muda, e começa a complicar. Mesmo as citações acadêmicas online que dizem “visto no dia tal em tal site”, você imprime aquilo para certificar, mas é uma certidão que não certifica nada.

Então você tem uma desmemória na eletrônica, ou uma desclassificação – no sentido de classificado, de arquivado, que não existe no eletrônico. Pelo menos não se sabe ainda como que isso vai ser feito.

AV: O pessoal está tateando. Eu vejo os bibliotecários com o problema de guardar obras de arte digitais e os suportes mudarem, quer dizer, o equipamento que rodava aquele programa que fazia funcionar a obra não tem mais manutenção. Então vários programas que sabiam ler aqueles arquivos não existem mais. Como é que você faz? Você consegue emular o programa, existe o archive.org, que fizeram um trabalho incrível. Um emulador de hardware que você pode emular computadores antigos que rodam os softwares que eles guardaram. Já é uma tentativa.

E eles tentam também guardar páginas de internet antigas, então, se um site sai do ar, você tem o que se chama wayback machine. Se eles guardaram aquela página, você consegue consultar mesmo que ela não exista mais. Muitos jornalistas usam isso em certas investigações. Você vai lá e vê como era a página do cara naquela época na data tal ou num período próximo. E quanto ao que você estava falando, dessa questão da ligação do fato a um documento, existe a ideia da assinatura criptográfica hoje em dia, que talvez, com o avanço dos documentos assinados digitalmente, você consiga pelo menos estabelecer que, em certo momento, alguém assinou aquele documento. Foi assim que resolveram, por exemplo, a questão da nota fiscal eletrônica. Todas as notas fiscais eletrônicas são assinadas criptograficamente, o que garante a integridade de cada uma, que ninguém vai forjar, mudar o valor da nota e as informações contidas nela. Então, talvez, para o futuro, se tivermos mais assinaturas criptográficas, ou pelo menos em algumas classes de documento, vamos conseguir ter alguma noção melhor da integridade documental digital.

JC: Lentamente, está se tentando criar um arquivo. O equivalente do arquivo físico. O arquivo físico é uma invenção do século XVII, XVIII. O primeiro arquivo foi o arquivo das Índias – o primeiro grande arquivo que guardou toda a documentação de toda a América espanhola. Ele fica em Sevilha. Eu não sei nem se ainda está aberto. Eu cheguei a pesquisar nele ainda no papel, nos originais. E eles fizeram algo que era uma criptografia simplérrima: cada sala tinha um nome, Buenos Aires 1, Buenos Aires 2, que é a documentação vinda de lá, e o armário, a prateleira e a caixa.

AV: Codificação da localização.

JC: Dessa maneira, eles guardaram bilhões de documentos, com uma chave de classificação muito simples. E a ideia era o quê? Era ter isso que você falou: alguma coisa que comprovasse uma coisa única, por exemplo, o juiz da cidade de Buenos Aires condenou aquele cara naquele dia tal, e aquele atestado ficava lá e era usado para os fins que o governo quisesse, vamos dizer assim, e depois virava um arquivo público, que todos podiam ver. Agora está tudo digitalizado, mas tinha o original que garantia autenticidade. Ao se recriar isso na internet, se repõe a possibilidade de fazer um arquivo. Quer dizer, na verdade, o que está na eletrônica não tem memória e, além disso, o dado eletrônico é perecível – uma folha de papel ruim dura 500, 300 anos, papel jornal dura 150, 200 anos.

AV: Arquivista gosta de papel. Papel dura.

JC: Sim, por exemplo, meus arquivos eletrônicos, para manter vivos eletronicamente, eu tenho que trocar o software regularmente, a cada dois anos.

AV: O CD, que a gente achou que ia ser uma mídia ótima de arquivística, é um lixo. Dez anos passam, e dá mil problemas.

JC: Mas é um rolo esse negócio. Porque, além de você ter essa coisa de criar a originalidade do documento e comprovar que aquilo é o original, ele tem que ser mantido íntegro, e manter íntegro na rede é um trabalho de Sísifo. Todo dia está morrendo uma linguagem de programação, algum formato, e os programas não abrem mais aquilo que antes abriam. Existiam programas extraordinários, mas, se o computador não roda mais o programa, você perde seus documentos.

AV: Nesse sentido, o software livre tem um pouco de vantagem. Por exemplo, eu usava o Freehand para ilustração editorial. A Adobe comprou a Macromedia por causa do Flash e matou o Freehand, porque queria vender o Illustrator. Os materiais que eu tinha do tempo de faculdade não abrem mais, porque o programa não roda nos computadores de hoje. Então, agora, a chance de resgatá-los é rodar um emulador de um Mac antigo para tentar rodar um Freehand velho e tentar abrir, para salvar em EPS. É importante pensar nessa questão dos formatos abertos. O software livre e os formatos abertos dão uma sobrevida a isso, porque o código que gerou o formato pode ser inspecionado, pode ser traduzido por alguém.

JC: Sim, mas ainda está muito longe de ser parecido com o que era o tratamento com documentação histórica num arquivo clássico. Falta mais ou menos tudo. É muito aquém. Como tenho muita documentação histórica arquivada, que usei para minhas pesquisas, tive que criar um programa de arquivologia que simula a ficha de um arquivo para linkar a esse programa.

AV: Você trabalhou com vocabulário controlado, com thesaurus? Como você faz a organização no seu arquivo?

JC: Não. Na verdade, vocabulário controlado e thesaurus são muito complicados de fazer, mesmo em arquivo. Porque você só pode fazer vocabulário controlado depois que você tem tudo classificado de alguma forma, não antes. O vocabulário controlado é o que você está fazendo em processo, enquanto você está entendendo o material já organizado.

Eu tenho praticamente toda a História do Brasil arquivada em documentos. Sei lá, umas 3 milhões de páginas de documentos históricos. A Biblioteca Nacional, por exemplo, tem 9 milhões na sessão de manuscritos. É bastante documentação. Cobre tudo. Desde as primeiras notícias do Brasil até coisas recentes, tiradas de vários lugares, vindas de várias fontes. Por isso, pesquisar nesse arquivo é algo complicado. Na verdade, acho que só eu mesmo hoje em dia consigo pesquisar nele, porque eu sei mais ou menos a história de tudo que está lá.

AV: Qual é o seu próximo projeto? O que vai envolver de pesquisa?

JC: Eu gostei do mundo digital muito cedo. Fiz um CD-ROM de História do Brasil em 1995, que era CD-ROM associado a site. A World Wide Web é de 1993. Mas, naquela época, eu já percebi que aquilo não era estável. Agora, acho que está começando a estabilizar. Está começando a deixar de ser, como eu dizia, empresas eviscerando, pedaços de coisas. E, enfim, não tem muito mais passado, vamos dizer assim, para eviscerar. Agora, eles vão ter que reconstruir. Por exemplo, o streaming já é a principal fonte de receita da indústria fonográfica. As pessoas agora estão começando a pagar pelo conteúdo – o que antes não faziam, porque pirateavam tudo. A Netflix está começando a produzir, quer dizer, está virando um estúdio. Antes, o cara da internet só passava para frente o conteúdo dos outros. Não produzia seu próprio, nem pagava para produzir.

Falei tudo isso porque, se isso se estabilizar, eu vou fazer tudo na internet, não mais em papel. Embora eu goste muito de escrever livro em papel, a rede estando mais estável torna-se um ambiente interessante para fazer as coisas diretamente dentro dela.

AV: Ah, tem uma noção que as pessoas têm da nuvem, que nada mais é que você colocar suas coisas no computador dos outros. É um jeito meio bobo de falar do computador dos outros, e aí o grau de confiança que você tem depende do grau de confiança que você tem nessas empresas e instituições. Quer dizer, quando colocamos um material na internet, precisamos pensar um pouco sobre a permanência dessas instituições. Não se sabe se daqui cem anos o Google vai existir, se a Amazon, que vende muito espaço de armazenagem, vai existir. Eu espero que, por exemplo, o pessoal do archive.org tenha permanência, porque eles fazem um trabalho importante.

JC: Ao mesmo tempo, o que orginalmente era aberto e colaborativo na rede ainda é o que anda, é o que sustenta ela, a base. As grandes empresas que estão sendo montadas flutuam em cima dessa base. Elas conseguiram achar nichos que dão muito dinheiro e conseguem vender informação classificada por um bom preço, quer dizer, o Google vende a informação de quem faz pesquisa para quem não sabe e está do outro lado querendo anunciar. Essa é a mercadoria dele. Então alguns conseguem fazer isso como mercadoria. Mas a rede ainda está pouco organizada como mercado, ainda é muito faroeste, selvagem.

AV: Agora, um ponto muito legal que você levantou é essa questão da colaboração, do crowdsourcing, que é essa capacidade que a rede traz para as pessoas colaborarem para criar recursos.

JC: Mas, na verdade, se o cara tem capacidade técnica, ele deveria receber. Uma das razões pelas quais eu não faço coisas na rede é que eu não sou rico para trabalhar de graça. Preciso ganhar a vida [risos].

AV: Mas existem mecanismos. Por exemplo, o pessoal do software livre encontrou mecanismos de remunerar o trabalho. O produto final é compartilhado livremente, mas você garante o ganha-pão de quem está produzindo.

Isso acontece de muitas maneiras. Tem pessoas que trabalham em empresas que se beneficiam de software livre, aí elas locam aquele funcionário para integrar ou parcialmente contribuir para a comunidade de software livre. Então o cara ganha para fazer o trabalho dele, mas o trabalho dele tem um impacto num software livre que, por sua vez, beneficia a empresa. A própria fundação Mozilla, que faz o Firefox, consegue doações e tem funcionários pagos fazendo o serviço deles. Então tem vários jeitos de se organizar. Uma ferramenta de programação que eu uso muito, voltada para as artes visuais, chamada Processing, é tocada hoje por uma fundação. E aí as pessoas que usam fazem doações – eu mesmo ponho muito pouco lá de doação, mas, como é uma ferramenta que eu uso, eu colaboro. E eles também conseguem doações de instituições que veem sentido nessa ferramenta. Então existem maneiras. Eu não sou muito especialista na questão de financiamento de software livre, mas eu posso dizer que é um ecossistema que tem crescido, então economicamente é possível.

JC: Meu primeiro trabalho foi fazendo enciclopédia físicas… Abacaxi, ábaco, abacate… até Z. Fazer isso profissionalmente é um negócio muito complicado. Porque uma enciclopédia é um conjunto de especialistas e um conjunto de pessoas com capacidade de divulgar o que os especialistas conhecem. Então eu escrevia o verbete de Física, e existia um físico que dizia “isso aqui é bom”, “isso aqui não é”, “isso aqui está certo”… Eu não entendia de Física e escrevia sobre Física, e isso só era possível porque tinha um físico que avalizava tudo. Iniciativas abertas como Wikipédia supõem que você, só porque tem a boa vontade de escrever, faz sem o físico. Não faz.

AV: Mas você pressupõe também que o físico vai olhar e falar “ah, isso aqui está errado” e vai corrigir.

JC: Supõe. Não aparece. Nenhum físico vai fazer isso.

AV: O Wikipédia é polêmico. Algumas validações foram feitas com especialistas, e dizem que a taxa de erros não é tão alta assim.

JC: Se você pegar um verbete “Coca-Cola”, não vai ter crítica à Coca-Cola.

AV: Alguns verbetes são polêmicos. Existe uma guerra de edição. Eles tentam evitar muito as polêmicas através de uma política do ponto de vista neutro.

JC: A certificação é baixa, porque acaba sendo um consenso meio sem pé nem cabeça. Se você pega um país como a França e lê o verbete de História da França, você não entende. Alguém escreve, outro edita, e vira uma maçaroca, e não uma coisa simples, sintética.

AV: Não tem um crivo, mas existem algumas regras – por exemplo, para estar na Wikipédia, precisa ter uma relação com um documento fora da Wikipédia. Você só pode mencionar uma coisa que foi citada numa outra obra publicada.

JC: Por isso que a enciclopédia antiga funcionava, porque era um cara que fazia isso. Na famosa enciclopédia Britannica de 1911, deram a filosofia para o Wittgenstein, e tudo que era relacionado. Aí a coisa toma rumo. Esse tipo de coisa ainda é muito difícil de conseguir dentro da rede. A rede tem muita opinião e pouca autoridade, ou nenhuma autoridade – o que é bom para a diversidade, mas não é bom para guiar.

AV: Agora está tendo outra guerra complicada, que é a guerra dos publishers das revistas científicas. Está vindo um movimento de open science e da publicação de artigos revisados por pares fora dos sistemas dos grandes publishers. Várias universidades na Alemanha resolveram parar de pagar a Elsevier (a maior editora de literatura médica e científica do mundo) e mudar a negociação de certos journals. Podem contar que nos próximos dez anos vai ter uma grande mudança a respeito disso.

JC: É, vai, mas isso, enfim, é rearrumar a autoridade na área. A autoridade de curador.

AV: E os fluxos de dinheiro e de funcionamento também.

JC: Sim, mas os fluxos seguem o que tem autoridade. Ninguém faz fluxo de dinheiro para onde não há autoridade.

AV: Mas eu acho que o Elsevier, no fundo, não tem autoridade. É aí que está. A autoridade está nos autores, não nesses intermediários. Eu acho que é por isso que eles vão morrer.

JC: Não é assim. Um dos problemas centrais da rede é o seguinte. Quando eu comecei a trabalhar em mídia, quarenta anos atrás, a autoridade da mídia vinha do fato de que muito pouca coisa passava pela máquina de imprimir. Para você fazer a revista Veja, existia uma máquina gigantesca que imprimia 400 mil vezes em três horas e ninguém mais conseguia fazer uma coisa naquela velocidade e espalhar tão depressa. Então, o cara que aparecia noticiado lá, aparecia como notícia para muita gente, e era o único que emitia opinião a respeito de um assunto qualquer – um médico, um artista, um político, o que fosse, dependendo da seção da revista. Aí o entrevistado falava umas frases e ficava famoso no Brasil inteiro. Na internet, todo mundo é emissor e todo mundo é leitor. No Facebook, qualquer pessoa emite sua “honesta opinião” a respeito de qualquer assunto, em geral sem se saber se é verdadeiro ou falso, e as pessoas leem. A sensação de virar emissor é universal. OK. E fica a questão de que aquele grupo, que era um conjunto de grandes autoridades –

AV: O gatekeeper, né?

JC: Isso está desaparecendo na internet – ou melhor, virou o Google ou o algoritmo, que é uma autoridade fake. Qual era a função do cara que tinha o juízo de autoridade? Era apontar o dedo, dizer “esta ópera é boa”, aí todo mundo ia na ópera, ou “essa ópera é ruim”, e ninguém ia naquela ópera. Esse cara era um representante, não eleito, de uma opinião média. Esse poder de fazer isso está desaparecendo na internet. É um poder que está sub judice na internet. E se ele desaparecer, aí não vamos mais saber o que é besteira e o que não é.

AV: Mas você ainda tem os grandes influenciadores. Eles são escolhidos de uma maneira diferente.

JC: O grande influenciador não tem autoridade. O maior influenciador na internet se chama Whindersson Nunes. Essa é a grande autoridade que diz o que é bom e o que não é no Brasil hoje. Ele tem 15 milhões de seguidores, que é muito mais do que qualquer emissora de televisão tem, e ele é um ser humano comum, que não diz nada, e comprou um avião. Essa é a nova autoridade. O cara que morreu da Academia vai ser substituído não por uma coisa melhor, mas por alguém que representa a massa de gente que o país tem, a opinião média, e isso não quer dizer que essa pessoa tenha efetivamente autoridade em qualquer área – afora, no caso, a da comunicabilidade. Isso vem no bolo da internet, onde todo mundo emite e todo mundo consome. A internet é como se fosse todo mundo entrando na máquina da Veja e publicando suas palavras. O problema é: quem diz qual palavra presta? Esse problema não vai ser resolvido por consenso.

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Névoas densas envolvem o que às vezes supomos claro. Dois equívocos e um enigma intitulam o presente artigo. O primeiro equívoco é imaginar que o termo tupi-guarani “Pindorama” seja o nome que precedeu o terceiro escolhido pelos portugueses para a terra cuja descoberta os lusitanos reivindicam apesar das evidências de que navegadores de outras nacionalidades estiveram aqui antes de Cabral.

O equívoco consiste na suposição de que todos os habitantes desnudos que os portugueses aqui encontraram em 1500 falavam tupi-guarani. Chestimir Loukotka, em Línguas indígenas do Brasil (Revista do Arquivo Municipal, v. 54, 1939, São Paulo), reconhece 237 línguas nas terras descobertas por Cabral, enquanto Aryon Dall’Igna Rodrigues, em Línguas brasileiras (Loyola, São Paulo, 1986), estima que fossem mais de trezentas, das quais 170 ainda estão vivas. Considerando as distâncias que separavam as tribos do Oiapoque ao Chui, as guerras frequentes e as animosidades ancestrais, é fácil concluir que, afora os falantes de tupi-guarani, centenas de outras etnias provavelmente ignoravam o termo Pindorama e chamavam a sua terra por nomes em suas próprias línguas.

O segundo equívoco é um desdobramento do primeiro e consiste em se referir aos índios supondo uma unidade étnica e/ou cultural. Estima-se em mais de duas centenas as etnias que aqui viviam em 1500. Quando se fala em cultura indígena, é preciso primeiro perguntar a qual delas se está referindo e, em seguida, é preciso indagar como se demonstra a unidade que o singular na expressão supõe, pois evidente é a diversidade que havia então e ainda hoje remanesce.

Sobre os dois equívocos impera uma suposição igualmente equivocada quando se atribui aos índios em 1500 a posse do território que hoje chamamos de Brasil. Em suas cartas, Américo Vespúcio menciona a inexistência do sentimento de posse da terra entre os aborígenes. Além disso, as tribos deslocavam-se em virtude do esgotamento do solo, devido à coivara, e também em decorrência das guerras.

Outro equívoco espantoso é a fantasia edênica que vicejou no imaginário Europeu desde os relatos dos primeiros viajantes e que persiste ainda hoje, apesar dos fatos evidenciarem a falácia da projeção. Antes da chegada de Cabral, em torno de um milhão de ferozes Tupinambá espalharam terror desde a foz do Amazonas até a Lagoa dos Patos, matando e expulsando para o interior os índios das tribos que antes viviam na costa. Consolidada a sua supremacia, deram início a guerras entre eles próprios. “A prática da antropofagia ou canibalismo entre os Tupinambá estava associada diretamente com a intensificação da guerra intestina e fratricida”. (Os índios e o Brasil, Mércio Pereira Gomes, ed. Contexto, São Paulo, 2012).

Quando Américo Vespúcio indagou a razão de estarem constantemente em guerra, descobriu que os índios não sabiam explicar e respondiam dizendo “os índios das outras tribos devem ter feito alguma coisa ruim para os nossos pais”. Cabral não imaginava a sorte que teve ao aportar em Porto Seguro, onde viviam Tupiniquins pacíficos e amistosos. Iludido pelo relato de Caminha, Vespúcio, em 1501, deixou alguns tripulantes em Cabo Frio enquanto navegava mapeando a região sul. Ao voltar encontrou somente as ossadas churrasqueadas. Portugueses, franceses e holandeses sempre se valeram dos ódios intertribais para estabelecer alianças que assegurassem apoio para se fixarem aqui.

Quem pacificou o convívio entre as diferentes tribos (um esforço de séculos) foram os portugueses, com decisiva contribuição dos padres. No século XVIII, os Mundurucus, caçadores de cabeças que, após a degola, as miniaturizavam retirando o crânio e fervendo a pele, aterrorizavam as tribos do baixo Amazonas, e muitos índios fugiam para Belém buscando proteção. Ali, portugueses salvaram índios ameaçados por índios. O termo então usado pelos Mundurucus para designar outros índios era a mesma palavra que designava “caça”. Só a persistente catequese dos padres durante gerações conseguiu convencer os Mundurucus a abandonar o hábito de caçar cabeças. O convívio entre as diferentes tribos nessas plagas abaixo do Equador não diferia muito das guerras e morticínios que incendiavam a Europa, a África e a Ásia. O idílico paraíso tropical povoado por “bons selvagens” só existia na cabeça de alguns intelectuais europeus cuja quimera idealizada persiste crível para alguns intelectuais contemporâneos que rápido “esqueceram” a capa da revista Veja que estampou a ferocidade na face de um estuprador. Para salvar a idealização, o “politicamente correto” apagou da memória nacional a barbárie do crime cobrindo-o com um manto pétreo de silêncio. O estuprador era índio e a vítima, uma professora brasileira.

De seres humanos são constituídos todos os povos. Em lugar de idealizar ou demonizar (erros equivalentes), melhor lembrar um velho ensinamento budista: “Na natureza não há o melhor nem o pior. Os ramos primaveris crescem, uns longos outros curtos”. Em todas as culturas e comunidades humanas há pessoas admiráveis e criminosos perigosos. Entre os indígenas não é diferente.

Vamos agora ao enigma que acompanha os dois equívocos no título do presente artigo. Brasileiros. O que significa isso? Santo Agostinho dizia que, se não lhe perguntassem o que era o tempo, ele sabia. Quando perguntavam, ele já não sabia. Algo semelhante acontece com o brasileiro. Se não nos perguntam, julgamos saber o que é. Quando nos indagam como é o brasileiro, descobrimos que estamos diante de um território nebuloso. No presente artigo vamos nos ater ao enigma apenas no que diz respeito ao segundo equívoco, isto é, índios e o brasileiro.

Todo brasileiro traz em si um pouco de índio. Em caso de dúvida basta ler a narrativa a seguir. “Ao entrar numa biboca em Ipanema, ele ouviu ‘Oi’. Pensou, será uma arapuca? Quem o chamava fedia como gambá, mas ele riu ao ver que era o xará que andava capenga. Pediram abacaxi, caju e pipoca. Conversaram só lengalenga, mas não ficaram de nhenhenhém”. Todos os substantivos, adjetivos e a interjeição “oi” são termos tupi-guarani, do que talvez nem suspeitassem a estonteante garota que passava e o poeta embevecido que lhe cantarolou um samba que ainda hoje encanta onde o cantem mundo afora. Quem entendeu a breve narrativa, seja brasileiro filho de alemão, italiano, japonês, espanhol, português, polonês ou zulu, também tem um pouco de índio, pois “a linguagem é a casa do Ser. Em sua habitação mora o homem”. (Sobre o Humanismo, Martin Heidegger, Tempo Brasileiro, 1967). Palavras não apenas designam coisas, elas constituem o mundo atribuindo-lhe sentido.

Observemos a toponímia brasileira e veremos que os índios batizaram nossos rios, vales e montanhas, nossas praias, frutas, peixes, árvores, pássaros. O poeta que no exílio cantou a saudade de sua terra escolheu o sabiá para cantar a sua dor. Há mais de índio no brasileiro do que ele o sabe. As jovens que nas nossas praias prodigalizam aos olhos embevecidos a majestade de sua anatomia são herdeiras esquecidas de quem as precedeu.

“Ali andavam entre eles, três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas espáduas abaixo; e suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as olharmos muito bem não tínhamos nenhuma vergonha”. (Carta de Pero Vaz de Caminha, O Brasil de Américo Vespúcio, Ricardo Fontana, UNB, 1994, pág. 202.)

O erotismo que marca a cultura brasileira não veio de além-mar; ao contrário, cativou quem de lá veio. Por que dois grumetes de madrugada fugiram da caravela cabralina para se esconder na mata e ficar no Brasil? O ferro em brasa da paixão até hoje converte neófitos gringos à suave e doce malemolência das redes onde a sobrevivência da raça mestiçada é assegurada entre risos e cochichos, seja dia ou seja noite. Os índios do lado de baixo do Equador desconheciam o “pecado”, essa criação das religiões abraâmicas. Desde os portugueses temerosos da Inquisição, quem não vem do Oriente sempre traz na bagagem da alma os seus pecados. Quando escolhem ficar, é porque aqui se descobrem liberados. Assim foi desde 1500, assim será enquanto ainda viver em nós o índio que também somos.

“São pouco ciumentos mas sumamente libidinosos, mais as mulheres que os homens: julgamos que devemos aqui calar, por pudor, os artifícios delas para satisfazer sua libido insaciável.” (Américo Vespúcio, in Novo mundo, Eduardo Bueno, Ed. Planeta, São Paulo, 2003, pag.74.)

Nós, brasileiros, ainda não sabemos quem somos. Quando o enigma for resolvido, no prato cozido em fogo baixo rescenderá um sabor que vem de ocas ancestrais nas quais ainda hoje crepita o lume em torno do qual famílias se reúnem. A fumaça atravessa a palha que recobre a morada e sobe ao céu, livre de chaminés. Isolados, arredios, ou mesmo nas reservas indígenas, ainda há muitos que não falam português, não sabem o que é Brasil, nem imaginam que ajudaram a formar os brasileiros.

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A palavra que designa atualmente o país é de origem ocidental. A versão mais antiga que se conhece de “Brasil” aparece num mapa de 1367.  Eram os tempos em que os vikings tinham bases em várias áreas celtas (Irlanda, por exemplo) e dali se aventuravam para o Ocidente pelo mar incógnito. Por isso, não é de se estranhar que o vocábulo “O’Brazil”, que em celta significa “Ilha Afortunada”, aparecesse no mapa para nomear uma das várias ilhas que existiriam a oeste do continente europeu, em pleno Atlântico. Eram tempos nos quais a vida dos deuses e dos homens se misturavam, de modo que os mapas também registravam ilhas como Atlântida.

A separação entre deuses e homens nos mundos material e espiritual, que conhecemos hoje como apanágio da civilização ocidental, começou a ser construída em Portugal. Para possibilitar a navegação oceânica regular foi preciso separar a astronomia da astrologia, a química da alquimia, a física da metafísica – o relato de viagens da narrativa fantástica, a religião da ciência.

Como o objetivo era navegar, o conhecimento livresco era revisto a partir do resultado de cada viagem. Dessa forma, o “Tratado da Esfera”, obra do século 14, de João de Sacrobosco, foi sendo atualizado  a cada navegação. Começou como guia das projeções astrológicas da esfera terrestre sobre a terra plana e acabou como a representação de globo terrestre. Não à toa, Adam Smith considerava a criação da navegação oceânica “a maior descoberta da humanidade”.

A projeção da palavra celta sobre um território incerto seguiu o mesmo processo – tendo como contraponto a própria Bíblia. Os europeus que vieram a bater no Brasil viviam um momento delicado. Haviam saído  de um continente onde a fome e as pestes eram constantes, a morte, um fantasma permanente — e os sonhos da mitologia bíblica do paraíso, a maior esperança para um futuro numa outra vida.

Para gente tão amarga, a chegada a um lugar onde a luz era exuberante o verde das matas permanente, a comida farta e o clima ameno lembrava uma descrição: a do paraíso no livro bíblico do Gênesis. Ali se falava que Deus, ao criar Adão, o tinha colocado num horto “da banda do Oriente”; que ali, por toda parte, havia plantas agradáveis à vista e boas para comida; que neste horto havia um lago, do qual saíam quatro grandes rios; que ali havia ouro e pedras preciosas em abundância.

A visão da natureza tropical, somada à de índios que pareciam viver no mais perfeito estado de inocência, coincidia perfeitamente com as muitas discussões escolásticas medievais, nas quais padres e ocultistas debatiam os trechos da Bíblia, procurando situar o lugar do paraíso na Terra. O próprio Cristóvão Colombo, grande leitor desses textos, foi um dos que acreditou piamente ter chegado ao Paraíso: 

“Creio que, se passando pela linha equinocial, e ali chegando, lá está o Paraíso Terrestre”.

Como ele, muitos dos primeiros aventureiros que andaram pela América correram atrás desse lugar mítico. Dois eram os maiores objetos de buscas: a árvore da vida, que daria todo o conhecimento e vida eterna a quem colhesse seus frutos, e uma cidade inteiramente feita de palácios cravejados com pedras preciosas. Na primeira vertente, mais espiritual, andou o espanhol Juan Ponce de Léon; na segunda, mais terrena, Francisco de Orellana.

Descrita numa série de textos medievais, a árvore deveria estar plantada bem no meio do Jardim das Delícias. Os anjos, tendo à frente os querubins, a defenderiam do acesso dos mortais. Para se chegar até ela, era preciso guiar-se pelo clima: nem frio nem quente, ameno o ano inteiro. E, se os homens não conseguissem vê-la, não importava. Ao menos poderiam tomar a água da fonte que nascia a seu pé e que garantiria a eterna juventude. Ponce de Léon procurou essa árvore onde hoje está a Flórida, mas morreu antes de encontrá-la.

A segunda versão do Paraíso terrestre falava de um lugar mágico logo atrás de uma região de terras fertilíssimas e árvores sempre cheias de frutos, rios de ouro, palácios de ouro e prata cimentados por pedras preciosas: jaspe, safiras, esmeraldas, jacintos, topázios… Nos muros desses palácios, resplandecentes como o sol, havia doze portas, cada uma de uma gema. Torres de cristal, com laços de ouro puríssimo, completariam a visão. E, para se chegar até lá, caminhava-se por ruas também revestidas de ouro.

Tal cidade deveria estar num lago chamado Eldorado, no centro do continente do Paraíso. Francisco de Orellana não conseguiu encontrar o lago quando desceu o Amazonas, mas o relato de sua viagem deu a muitos a certeza de que estaria no interior do Brasil — e dele nasceriam o Prata e o Amazonas. Até o século 17 foram feitos centenas de mapas nos quais este lago e a cidade de Eldorado aparecem na região hoje chamada Pantanal, que fica exatamente no centro do continente e em torno da qual partem rios da bacia do Prata e Amazonas.

A passagem do registro mítico para o realista foi complexa — e durante esse tempo a cultura portuguesa foi perdendo sua característica única de pioneira do processo de separação. O primeiro livro intitulado “História do Brasil”, publicado em 1627 pelo Frei Vicente do Salvador, começa descrevendo um confronto entre uma designação metafísica, “Terra de Santa Cruz”, e outra, “Brasil” — esta já não mais empregada no sentido mítico celta, mas em sua materialidade comercial corrente na terra, da seguinte forma:

“O capitão Pedro Álvares Cabral pôs nome à descoberta de Terra de Santa Cruz e por esse nome foi conhecida por muitos. Porém, como o demônio com o sinal da cruz perdeu todo o domínio que tinha sobre os homens, receando perder o muito que tinha sobre os desta terra, trabalhou para que se esquecesse o primeiro nome e lhe ficasse o de Brasil, por causa de um pau de mesmo nome de cor abrasada, e vermelha, com o qual se tingem panos, do qual há muitos nesta terra, com o que importava mais um pau que tingem panos que o daquele pau que deu tinta e virtude a todos os sacramentos.”

O processo de pensamento já era o inverso daquele que permitiu as navegações: em vez de afirmar a física e separá-la da metafísica, afirmava a verdade do livro divino contra a realidade humana da qual fazia a história — e contava como pecado ou derivação para além do mundo religioso a vida e a obra real dos que por aquela terra passavam.

Paradoxalmente, o modo original português de privilegiar a observação real, mesmo quando isso significava contrariar crenças metafísicas, foi inaugurada como representação de “Brasil” pouco mais de uma década depois do livro de Frei Vicente do Salvador — por um holandês, o pintor Albert Eckhout, que desembarcou no Brasil em setembro de 1637, na comitiva do príncipe Maurício de Nassau.

Eckhout era apenas um dos vários pintores, inicialmente de menor importância. Começou como auxiliar dos naturalistas Piso e Marcgraf, desenhando em pequenos cadernos os animais e espécimes vegetais que os dois descreviam. Mas aproveitou os intervalos para ir registrando também as pessoas, dos índios aos nobres. Sua habilidade acabou sendo reconhecida e ele ganhou do príncipe encomendas de maior escala.

Embora não haja total certeza a respeito, existe boa possibilidade de que ele tenha recebido de Nassau a incumbência de pintar telas monumentais para a decoração de um salão no palácio que o príncipe construía em Recife, por volta de 1643.

As pinturas foram terminadas na Europa e organizadas como uma tetrarquia: quatro casais de pessoas em quatro estágios de civilização, indo dos povos mais brutos aos mestiços mais civilizados. Assim, fez mais que os primeiros grandes retratos de pessoas vivendo no Brasil: criou uma chave de interpretação para ilustrar uma civilização — que nasceria do casamento entre pessoas de origem étnica diversa.

Um dos casais é formado pelo par intitulado “Homem Brasileiro” e “Mulher Brasileira”. Este é um dos mais antigos registros que se conhece do gentílico “brasileiro”, cuidadosamente evitado pelos portugueses para impedir a disseminação de uma consciência própria na colônia. Ele mostra um casal de índios de aldeamento, talvez miscigenado. Está um ponto abaixo do casal mais ocidentalizado, composto pelas telas “Mulato” e “Mameluca” — filhos do cruzamento de raças que seria próprio do Brasil.

Estavam formados assim os dois grandes paradigmas analíticos a partir dos quais até hoje se constroem as interpretações da vida no território. De um lado, um intérprete que, mesmo na terra, se identifica com o europeu exilado em território estranho e fala como alguém que tenta impor essa civilização a bárbaros. Do outro, alguém que interpreta os fenômenos locais a partir de sua especificidade, empregando a diferença em relação ao caso geral europeu para entender aquilo que há de próprio nela.

A primeira forma marcará o pensamento de uma elite que se define por contraste da massa que seria incivilizada, cujo protótipo arquetípico é a imagem do ocidental como “caranguejo que arranha o litoral”, criada pelo Frei Vicente do Salvador. No período colonial, o discurso característico era aquele da autoridade metropolitana em sua luta para se impor ao barbarismo dos coloniais. No Império, aquele do homem próximo à coroa civilizadora e distante do súdito não europeu, interesseiro e mercantil. Na República, aquele do detentor de conhecimento técnico que se distingue do cidadão ignorante.

A segunda forma de entendimento marcará entrada nos textos de intelectuais apenas muito mais tarde, pela altura da independência. Seu arquétipo é a frase de José Bonifácio de Andrada e Silva, que define a missão nacional brasileira da seguinte forma, em 1823:

“É tempo também que vamos acabando gradualmente com todos os vestígios da escravidão entre nós, para que venhamos a formar uma nação homogênea, sem o que nunca seremos verdadeiramente livres, respeitáveis e felizes. É da maior importância ir acabando com tanta heterogeneidade física e civil. Cuidemos, desde já, em combinar sabiamente tantos elementos discordes, em amalgamar tantos metais diversos, para que saia um todo homogêneo e compacto.”

Esta atitude interpretativa de “Brasil”, em vez de separar o autor do narrado em planos que não se tocam, exige colocar num mesmo plano o sujeito que analisa e o objeto que está sendo analisado — que já teria algo próprio de ambos numa unidade nova que seria a nação. Essa nação não seria mais parte do mundo ocidental metafísico, mas variante real na qual se constrói um todo capaz de lhe dar substância. Do ponto de vista intelectual, traz um grande desafio. Ao contrário do caranguejo, que é simples, fechado em si, o vira-lata é complexo, pois a unidade no termo vem do múltiplo autor/objeto.

Jorge Caldeira é o editor convidado da edição Delírio Tropical

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Há alguns anos Gabriela Machado encontrou um novo espaço criativo em sua vida. Ao lado da pintura — ofício que vive intensamente na beleza bucólica de seu ateliê — ela elegeu a música como outro cerne de sua relação com a arte. Mas não é qualquer música. É o samba, e mais especificamente o samba que emana da batida do pandeiro, que, assim como as tintas nas telas em branco, espalha sua vida rumo ao mar do prazer estético. É nas rodas de samba, na sua prática comunitária, democrática, sem hierarquias e organizada apenas pelo intuito da alegria sonora, que Gabriela passa seus dias quando não está pintando ou vivendo o lado cotidiano de sua vida

Lembremos que o samba e as artes visuais sempre foram parceiros felizes no Brasil. De Heitor dos Prazeres e Di Cavalcanti a Hélio Oiticica e Carlos Vergara, esse diálogo criativo resultou em belos momentos. No caso de Gabriela, o samba impregnou seu olhar para o mundo, batizou suas telas com nomes de cabrochas, lhe mostrou as gingas e as filosofias de vida que só os sambistas atingem em formato sublime e, ao mesmo tempo, popular. A beleza de Cartola ou Guilherme de Brito, a crueza de Nelson Cavaquinho ou a assertividade de Candeia entraram em sua vida e vazaram, em todos os sentidos, nas suas tintas.

A relação estreita entre música e pintura se torna óbvia quando evocamos uma palavra em comum para ambas: ritmo. O ritmo da música e o ritmo da pintura são elementos fundamentais em qualquer composição. Ambos nos remetem a jogos temporais e espaciais em que a dinâmica ou a cor regem contrastes entre cheios e vazios, entre lento e veloz, entre claro e escuro, entre dobras e recuos. Músicas e pinturas são arranjos cuidadosos de ocupação de espaços — sejam sonoros, sejam pictóricos.

Uma das primeiras apropriações que podemos fazer da pintura abstrata de Gabriela diz respeito ao seu ritmo de cores e à sutil observação do caminho que elas seguem, esparramadas em telas de tamanhos variados. Em seus amplos fundos brancos, as cores ditam o ritmo do olhar como partituras dessa música silenciosa e, contraditoriamente, explosiva.

Essa explosão sincopada e essa abundância de cor em um espaço limpo e equilibrado são movimentos que fornecem a base para sua Força Bruta. E aqui esqueçamos todos os sentidos negativos ligados à derivação de uma brutalidade. No trabalho de Gabriela, Bruta é a matéria cor em sua plena potência física e poética. Bruta é a força que nos move quase inconscientemente para um mundo onírico, de puro prazer das formas, em detrimento do circuito opressor diário do real ou do documento. Como na roda de samba, entramos na pintura de Gabriela sem saber a que horas vamos sair, pois são espaços cujos regimes são os do prazer. É esse o Bruto que toma os sentidos e nos arremessa para uma zona em que cada um de nós pode se desarmar dos lugares comuns e inventar novas narrativas sobre a vida e as cores.

Espalhada, orgânica, em movimento, a ocupação do espaço em suas telas pode, quem sabe, parecer gratuita na sua sinuosidade sensual. Não atravessemos o samba. Essa ocupação é, ao contrário, fruto de uma relação íntima e delicada de Gabriela com o seu ofício. Suas pinturas nos apresentam os meandros do embate diário do pintor com cores, pigmentos, óleos, resinas e texturas. Na composição aberta, espontânea, em progresso, suas cores não competem, se abraçam. Aos poucos as formas dão as mãos e se reinventam no lento caminho da mistura.

Em um trabalho paciente, a pintora aplica camadas de cor em suas telas e as deixa repousar em pleno processo de entrosamento. Assim, as grandes manchas de cor ganham intensidades diferentes a cada operação. Aquilo que parece ser traços velozes é, na verdade, caminhos da cor maturados com a calma de um fim de tarde.

No atual contexto da pintura brasileira, Gabriela Machado traz em seu trabalho uma afirmação da abstração em contraponto a realismos e perspectivas fotográficas do mundo. Sua abstração, porém, não se fecha em diálogos internos da forma ou silêncios monocromáticos. Suas telas de pura cor em movimento oferecem o frescor de uma narrativa encapsulada, prestes a eclodir em frente aos nossos olhos. Há nos trabalhos e na obra de Gabriela Machado uma alegria incontida de braços dados a uma fruição contemplativa. Alegria e contemplação que nos remetem ao prazer da pintura, ao vitalismo da arte. Talvez resida aí essa força bruta que nos leva a suspender alguns momentos da vida prática para mergulhar em uma exposição de arte. Ou em uma roda de samba.

Frederico Coelho é professor de Literatura na PUC-Rio, escreve ensaios, artigos e textos sobre música, literatura, artes visuais e história cultural brasileira, entre eles o livro Pintura Brasileira Séc. XXI (Cobogó, 2011).

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Alguns registros ancestrais falam sobre a existência de um povo muito antigo no norte europeu que tinha o costume de fazer desenhos definitivos no corpo e que, devido a esse hábito, foi denominado Pictus.

Os Pictus não se tatuavam por vaidade. Acreditavam que aquelas inscrições lhes davam poder e força, e que os desenhos, além de representarem a interconexão de todas as coisas sobre a terra, ficavam impressos na alma para que pudessem ser identificados por seus antepassados após a morte.

A tatuagem sempre existiu como forma de expressão da personalidade ou como marca de pertencimento a um grupo. Os primitivos se tatuavam para marcar os fatos da vida biológica: nascimento, puberdade, reprodução e morte.

Depois, para relatar os acontecimentos sociais: virar guerreiro, sacerdote ou rei, casar-se, celebrar a vida, identificar os prisioneiros, pedir proteção ao imponderável, garantir a vida do espírito durante e depois da existência física.


***
Esta matéria é ilustrada com o estudo The Special Signs (os símbolos especiais), da polonesa Katarzyna Mirczak — trabalho composto por pedaços de pele humana tatuados encontrados pelo Departamento de Medicina Legal da Universidade Jagiellonian em Cracóvia, na Polônia.

Mirczak afirma que é muito difícil resistir ao vazio que se sente ao perceber o quão aparente é a realidade. Quando se sai da zona de conforto, é difícil regressar e fingir que nada aconteceu.

Katarzyna Mirczak recorreu a ambas, arqueologia e fotografia, para criar o estudo. Camada por camada, o projeto despe nossa percepção, colocando-nos frente a um objeto fechado, preservado, muitas vezes de maneira rudimentar, mas sempre com um impacto cínico e inegável. Propositalmente, Mirczak deu uma estética adocicada ao trabalho, cujas cores cativam e seduzem o espectador até que este perceba do que se trata realmente. Jogando com o contraste entre o que é visto e o que é compreendido, a artista levanta questões emocionais, provoca uma sensação de impotência e, depois, abandona o espectador — para que lide, sozinho, com as emoções.

As peças não são acompanhadas de explicações ou descrições. Não há o histórico da coleção, tampouco meios de decifrar o inevitável significado das tatuagens. Mirczak introduz um novo espaço e nos deixa lá.

Henrique Fogaça, chefe e proprietário do Sal Gastronomia, vocalista da banda de hardcore Oitão, pai de Olivia e João.

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Aos sete anos de idade, lembro de ter tido uma briga muito séria com a freira que me dava aula de religião. Eu havia questionado como ela podia me dizer que Deus existia sem me apresentar provas. Dizia ela que era um dogma e que eu tinha que acreditar, mas isso não era suficiente para mim. Vejo que minha inquietude veio de muito pequena. Como uma eterna estudante, me achava apaixonada pelo conhecimento. Hoje sei que sou apaixonada pela liberdade. Porque é o conhecimento que nos dá a liberdade. Eu me considero agnóstica, cada vez mais, e com certeza minha busca, como pesquisadora e professora, é entender como funcionamos.

A neurociência hoje nos comprova, em pleno século XXI, uma série de conhecimentos que a filosofia já sabia, ou já dizia centenas de anos antes a respeito de como funcionamos. Platão já sabia que nossa percepção não acessava a realidade. Aristóteles já sabia que nossa memória era falível, como impressões na cera, maleáveis. Ambos estavam corretos: não percebemos o mundo como ele é, e nossa memória é formatável e reformatável. Nosso cérebro é plástico e, de alguma maneira, se adapta às coisas, se transforma de acordo com o que fazemos, alterando também o mundo.

Um exemplo de como nosso comportamento vem se transformando é a tecnologia. Tecnologia é uma palavra que pode ser aplicada tanto a uma ferramenta (a roda, por exemplo) como aos óculos de realidade virtual. A escrita é uma tecnologia. Quando ela foi inventada nos vingamos da morte, pois, diferentemente da comunicação oral, passada de geração a geração linearmente, a escrita nos deu a possibilidade de deixar nosso registro no mundo. Toda a nossa produção — nosso conhecimento, nossa cultura — passou a não ser necessariamente transmitida de geração a geração, e, embora possa ser esquecida por muitas gerações, também pode ser reencontrada centenas ou milhares de anos depois.

Quando a escrita surgiu, muitas pessoas se revoltaram dizendo que aquilo não era bom, que íamos deixar a fala, que a oralidade iria se perder — mas não a perdemos. Na verdade, a escrita é como uma variação da fala e envolve circuito neural similar. Usamos a memória em ambas, e nosso cérebro hoje é muito pouco diferente dos cérebros anteriores à escrita. Não acontecem grandes modificações cerebrais quando ocorrem essas mudanças e, biologicamente, nossa essência muda muito pouco — nossos impulsos e desejos sexuais são iguais há 200 mil anos. Quando surgiu, por exemplo, a agenda do celular, as pessoas também começaram a falar que seria péssimo, que atrapalharia nossa memória, que não saberíamos mais os números das pessoas, mas, na verdade, ao gravarmos os números, simplesmente não precisamos usar nossa memória para isso, podendo usá-la para outras coisas.

Assim, a tecnologia não veio para atrapalhar, embora tenhamos uma dificuldade muito grande de aceitar essas mudanças quando elas surgem. Precisamos passar por todos esses processos, agora, com a internet, assim como passamos com a escrita, com o cinema, com a TV, com o celular. Num futuro muito próximo, passaremos com as realidades virtuais e aumentadas. O que influencia nosso comportamento é o ambiente. Quando existe uma adaptação a esse ambiente, agimos de acordo com ele. Precisamos adaptar, saber incorporar beneficamente e, por isso, não é uma bobagem discutir se a realidade virtual irá enfraquecer nosso cérebro ou não, e é a filosofia — de novo — que nos diz isso.

Existe um problema ético muito grande com todas essas invenções, porque elas trazem benefícios enormes, mas também podem causar problemas. Tanto a realidade virtual como a realidade aumentada nos trazem a possibilidade de tratamentos clínicos que são de grande valor e que podem melhorar a vida de muita gente. Transtorno do stress pós-traumático e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) são dois tipos de transtornos que podem ser tratados com seu auxílio, diminuindo o sofrimento do paciente. Outro exemplo são os óculos de realidade aumentada que vêm sendo desenvolvidos para auxiliar no tratamento de autismo, a fim de permitir que os pacientes treinem sua sociabilidade. Com a realidade aumentada, é possível se preparar para a situação real. Assim, de alguma forma, o cérebro do paciente pode até mudar.

As realidades aumentadas também podem ser usadas para treinamento de habilidades emocionais, o que, na verdade, todos nós precisamos, dado que nosso cérebro se encontra quase igual ao que era há milhares de anos, quando nos relacionávamos em grupos de 50, 70, no máximo 150 pessoas. Hoje, em ambientes urbanos, nos relacionamos com centenas de pessoas, fora os relacionamentos virtuais.

Junto com todas essas benesses, no entanto, podem existir problemas — que, na verdade, são sempre os mesmos, só mudam de plataforma. Quando vamos a uma festa, podemos invariavelmente encontrar uma pessoa de quem não gostamos e, se não nos controlarmos, podemos ter uma atitude impulsiva ou agressiva. Nas redes sociais — Facebook, Twitter, entre outras — também precisamos ter esse controle. A empatia é mais fácil quando estamos cara a cara, diante da pessoa, e então nos controlamos. Quando estamos separados por uma tela de celular ou de computador, isso fica mais complicado.

Quando o telefone foi inventado, também existiu uma fase de adaptação muito grande por causa da perda de contato visual. Grande parte do nosso feedback é visual, e quando falamos ao telefone, perdemos parte disso, mesmo ainda tendo a voz. Em uma plataforma onde só existe a escrita, perde-se muito mais. É mais difícil sermos mediados pela escrita. É só observar como as pessoas se agridem no ambiente virtual. É uma questão psicológica e fisiológica, e é por isso que hoje se fala muito de treinamento empático, comunicação não violenta, treinamento de habilidades socioemocionais. O cuidado que devemos ter reside na consciência de que não temos o feedback do olhar nem da escuta e, portanto, precisamos nos adaptar, controlar nossos impulsos agressivos, pois esse tipo de comunicação veio para ficar.

Creio que, com o excesso de informação vindo da internet, o maior desafio do nosso tempo é educar nossos filhos. É difícil chegar a um meio-termo: não podemos deixar que eles fiquem no mundo virtual por muito tempo, mas também não podemos proibir que tenham contato com esse mundo. E aí existe um outro problema. A tecnologia é muito mais sedutora, e as crianças podem aprender muito mais com ela do que nas escolas, que estão muito distantes disso tudo. Os métodos educacionais que existem hoje ainda são iguais aos do século XIX. As escolas precisam se adaptar a essa nova realidade e, inclusive, rever todo o sistema educacional, porque ele simplesmente não funciona mais.

Com a internet, pelo menos no jornalismo, deveríamos ser muito menos manipulados ao receber informações do que éramos pela TV, quando existiam poucos canais e éramos controlados muito mais facilmente. Isso é muito mais difícil com a internet, pois o acesso à informação é infinitamente maior, mas ao mesmo tempo é preciso conhecimento para saber como buscar e filtrar esse mundo de informações. No final, sempre caímos na educação.

A nossa cultura evolui no sentido positivo, e muito mais rapidamente que a nossa evolução biológica. Já melhoramos bastante — eu, por exemplo, não gostaria de ter nascido na Idade Média —, mas precisamos tomar cuidado para continuar fazendo essas adaptações com qualidade e consciência. Precisamos, cada vez mais, nos preocupar com o todo, porque a nossa espécie é perigosa: já destruímos muita vida no planeta. Talvez agora seja o momento de perceber — e a internet pode ajudar muito — que precisamos nos preocupar com quem está do nosso lado, e com a sociedade como um todo. É uma busca por tentar entender e respeitar o outro, mesmo que você não compreenda ou não compartilhe do seu pensamento. É, enfim, uma busca pela ética. A internet é muito nova, as redes sociais são muito novas. Talvez estejamos só passando por um movimento de “novidade”, onde muitas coisas aparecem e tomam forma, e precisamos nos adaptar a elas.

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No dia 9 de novembro de 2016, algo impensável até pouco tempo antes aconteceu. Donald Trump foi eleito o 45º presidente dos Estados Unidos. Este 9/11 foi considerado por muitos a maior tragédia americana desde o 11/9, quinze anos antes. Choque. Como uma nação tão “desenvolvida” pôde ter escolhido como seu líder alguém com valores tão ultrapassados? Com uma campanha marcada por extremos de xenofobia, nacionalismo, racismo e misoginia? Para muita gente, a eleição de Trump simboliza que o mundo está andando para trás. Que há uma guinada conservadora vindo com força total. Ou que chegamos ao fundo do poço. Será mesmo? Será que o fenômeno Trump não pode ser visto como o canto do cisne de uma minoria da população americana que não quer se adaptar à realidade do século XXI?

A expressão “o canto do cisne” é uma metáfora que se refere geralmente à última tentativa de fazer algo grandioso por parte de uma pessoa antes de sua morte. Dizia uma antiga lenda que o cisne branco passava a vida emitindo barulhos sem graça e só quando percebia a morte chegando cantava algo digno de nota. Não terá sido a eleição de Trump uma última chance de fazer barulho — antes de morrer — de uma minoria xenófoba, nacionalista, racista e misógina?

Mas, espera um pouco, como assim minoria? Ele não foi eleito pela maioria da população americana? Bem, Trump teve 63 milhões de votos. Hillary teve 66 milhões, o mesmo que Obama em 2012. Mas Trump ganhou nos estados decisivos para o colégio eleitoral americano, por isso foi eleito. Só esse dado já mostra que ele não foi escolhido pela maioria. Mas dá para ir além. Os Estados Unidos têm uma população de 320 milhões de pessoas. Portanto, Trump recebeu apoio de 20% dos americanos. Vinte por cento!

Ou seja, apenas um em cada cinco americanos demonstrou apoio a Trump com seu voto, mas eles tinham muito mais motivação para ir às urnas do que os 90 milhões de eleitores que decidiram ficar em casa. E o que os motivou tanto? Medo. Insegurança. Desespero. Preconceito. Os eleitores de Trump se iludiram com a ideia do “Make America great again”. Xô, muçulmanos! Vade retro, mexicanos! Lugar de preto é na cadeia, não na presidência, e de mulher é na cozinha, não na Casa Branca.

Ó, Senhor, dai de volta a América para os americanos! Infelizmente, para os trumpistas, a humanidade só anda para frente, apesar dos solavancos pelo caminho.

Não, as mulheres não vão voltar para a cozinha. As mulheres não só estão presentes em massa em todas as universidades, mas agora estão exigindo ser tratadas com o respeito devido — homens que adotam o “grab them by the pussy” não passarão. Em 2016, uma mulher teve um total de votos para presidente maior do que qualquer candidato branco na história, só perdendo para Obama em 2008. Outra é presidente do FMI. São mulheres as CEOs de ícones empresariais como HP, IBM, Yahoo. O abuso contra mulheres no meio empresarial é cada vez menos aceito. A empresa-sensação Uber tem colhido sérios danos à sua imagem pelo modo como trata as mulheres nos seus quadros. Exemplos de abuso no Vale do Silício têm levado a uma contínua reflexão e a ações para minimizar esse tipo de violência. Roger Ailes, fundador da Fox News — a TV americana em grande parte responsável por difundir o pensamento retrógrado por trás da eleição de Trump — foi afastado da empresa após um escândalo de assédio sexual com uma apresentadora. Grandes estrelas da TV estão percebendo que não têm licença para abusar só porque são famosos — Bill Cosby está prestes a ser julgado e provavelmente condenado à prisão.

Outra coisa que faz o cisne cantar: o mundo dos negócios não está colaborando para que as coisas importantes da “América” estejam nas mãos de americanos (de bem). Das três maiores empresas americanas, Google e Microsoft são conduzidas por executivos imigrantes da Índia. E a maior delas, a Apple, tem um CEO assumidamente gay. Oh, Lord! Pior do que isso só mesmo outro ícone do capitalismo americano, a Pepsi, que é comandada por uma mulher indiana…

Falando em ícones, dois dos mais famosos prédios de Nova York, Chrysler Building e The Plaza, estão em mãos estrangeiras. O primeiro é de um fundo de Abu Dhabi. O segundo, que foi comprado por Donald Trump em 1988, já foi repassado por ele para investidores árabes e agora é propriedade de um grupo indiano. Shame on you, Trump, por não ter achado um comprador local! E o que dizer de marcas que são a quintessência do American way of life, como Budweiser, Burger King e Heinz? Estão todas nas mãos atrevidas de um grupo comandado por (argh) brasileiros… O mundo está mesmo de cabeça para baixo. Alguém nos acorde desse pesadelo de ter um negro que nem americano é como presidente? In Trump we Trust.

Mas, afinal, quem é que confia(va) no Trump para ser o leader of the free world? Nem os próprios líderes do partido republicano queriam sua candidatura — e esses mesmos políticos com um mínimo de bom-senso já estão fazendo fortes críticas a Trump nesse início de mandato. As principais cidades americanas, como Nova York, Chicago e San Francisco, estão desafiando as ações de Trump contra os imigrantes e reforçando seu papel de cidades-santuário onde os infiéis estão a salvo das garras da Inquisição Federal.

Quem botou fé e assinou embaixo dos planos sectários de Donald Trump foram as pessoas brancas, mais velhas, menos educadas, das cidades pequenas e áreas rurais dos EUA. E elas precisavam aproveitar essa chance. Era agora ou nunca. Já em 2020, com ou sem muro, a proporção de latinos entre os eleitores crescerá, os mais velhos morrerão, um novo contingente de jovens votará pela primeira vez. Trump dificilmente seria eleito com a população americana de 2020, e dificilmente será reeleito — se chegar até lá. O canto do cisne tem prazo de validade. Então é bom tuitar, digo, cantar bem alto, quanto mais ofensivo melhor.

Ao comentar os inúmeros absurdos ditos por Trump durante a campanha, o republicano de carteirinha Clint Eastwood minimizou seu conteúdo, dizendo algo como “quando eu cresci, falar essas coisas não era considerado racista”. Claro, Clint. Quando você cresceu, existiam escolas, banheiros e ônibus SEPARADOS para brancos e negros. O casamento entre pessoas de “raças” diferentes era PROIBIDO por lei. Se você não evoluiu, Clint, azar o seu. Isso não se chama ditadura do politicamente correto, como você pensa; isso se chama progresso. Olhando the big picture, como dizem por aí, nós estamos evoluindo como raça — a raça humana.

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Sempre me vi como um artista trágico, mas esse é um lugar-comum para quem procura coisas numa cidade que não nega variados níveis de violência. No entanto, conforme avanço nas minhas pesquisas urbanas, me pego desenhando florzinhas.



Essa atividade aparentemente pacata se dá por estudar a cidade do ponto de vista de um naturalista, explorando a paisagem e plantas, que, todos sabem, não têm voz nem olhos, mas se comunicam de forma lenta e sutil com quem tem a disposição de desacelerar-se das rotinas cotidianas.

Engana-se quem imagina uma busca pela harmonia e pelo murmúrio apaziguador. As plantas urbanas, em geral, costumam gritar alto.

Faz dois anos que estou à frente do projeto Cerrado Infinito, um trabalho de arte que consiste em descolonizar a paisagem vegetal da cidade por meio da construção de uma trilha de terra, onde planto, nas suas margens, espécies dos Campos de Piratininga, a paisagem de cerrado onde São Paulo se desenvolveu.

As plantas sobrevivem esparsas pela cidade, encontradas em condições de alta vulnerabilidade, e são coletadas e agrupadas para recriar essa paisagem esquecida. O processo é semanal, contínuo e aberto, feito com a colaboração de uma comunidade de pessoas que se formou ao redor, disposta a ajudar a plantar, semear e pensar por que substituímos 95% da nossa vegetação por espécies estrangeiras.

A descolonização sugerida vai além da dimensão material. Ao criar o local, desenvolvemos relações de intimidade com essas plantas, ressignificando e tomando conhecimento do chão onde vivemos e do processo de desenvolvimento que escolhemos ter.

É uma mudança de percepção que ocorre lentamente e que se torna explícita ao promover piqueniques aleatórios chamados de Descolonization!, onde fazemos associações artísticas, compartilhamos memórias, histórias e culturas mortas, pensando junto a importância do cerrado.

O Cerrado Infinito se torna, então, um processo de subversão do urbanismo que devolve ao território o estado de terreno baldio de onde as plantas vieram, zelando pela sua inutilidade, para que nada mais seja construído ali. Na cidade que não para de acelerar, comandada pela especulação imobiliária, o assunto tem um papel central se quisermos repensar o país.

Exagero? Poderíamos começar pelo básico: sem cerrado não teremos água, mas, como o nome do projeto diz, são assuntos infinitos que não cabem aqui e que são melhor entendidos visitando as plantas, ajudando na terra, tomando sol e batendo papo. Ou simplesmente desenhando flores.

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Desde o início da computação nos anos 1950 e 1960, diversos artistas vêm realizando experimentos com computadores. Foi nessa época que surgiram as primeiras obras de arte computacional pelas mãos de pioneiros como Frieder Nake, Michael Noll e o brasileiro Waldemar Cordeiro.

Recentemente, a arte computacional vem tomando novas formas nas obras de artistas como Casey Reas, Golan Levin, Aaron Koblin e dos brasileiros Jarbas Jácome e Fabrizio Poltronieri, dentre outros. Esses artistas usam o software como material artístico e as linguagens de programação são seu instrumento de trabalho. Enquanto um pintor cria com tela, pincel e tinta, por exemplo, esses artistas produzem arte com software.

A computação e, consequentemente, o software se expandiram, desde seu surgimento, de maneira a permear diversos aspectos das nossas vidas. Até aqueles que não estão incluídos no mundo digital (por diferentes motivos) são influenciados pelo software, mesmo que de maneira indireta, pois ele está presente no funcionamento da sociedade — no governo, na logística da circulação de produtos, nos mercados de ações, no entretenimento, na comunicação e em tantos outros setores. Vivemos no que Lev Manovich chama de Sociedade do Software. Todavia, nossa interação com o software se dá, na maior parte do tempo, nos smartphones e nos computadores por meio de interfaces que escondem o código-fonte. Assim, nos tornamos apertadores de botões dos diversos dispositivos que alguns poucos sabem como programar.

Contudo, diversos pesquisadores têm procurado, desde o início da computação, criar interfaces, ferramentas e linguagens para tornar a programação mais simples e levá-la para além dos limites da engenharia, facilitando o uso e o aprendizado para pessoas de idades e formações diversas, inclusive artistas. Algumas dessas iniciativas são o Max, o Pure Data, o Processing e o Arduino. Na década de 1980, surgiu o Max, muito usado para composição musical e, principalmente, para performances ao vivo. Na década de 1990, foi lançado o Pure Data, uma versão open source do Max. Em 2001, surgiu a linguagem Processing, destinada às artes visuais. Em 2005, foi lançado o Arduino, um microcontrolador projetado para a programação de interação física entre o ambiente e o computador e muito utilizado em instalações artísticas.

Apesar de o software ser inerente a toda arte produzida ou reproduzida digitalmente, ele é comumente esquecido como um material artístico e um fator na estética da obra. Segundo Cramer e Gabriel, isso acontece devido à progressão do uso dos computadores, que passaram de máquinas acessíveis apenas aos programadores a interfaces gráficas onde se camufla o código que está realmente operando o computador.

Há, no entanto, artistas que trabalham diretamente com linguagens de programação, utilizando o código-fonte como material artístico. E as linguagens que surgiram com o objetivo de facilitar a programação nas artes são muito usadas por esses artistas e por estudantes de arte e tecnologia. Esse tipo de artista que não utiliza somente ferramentas prontas, mas que trabalha diretamente no algoritmo da arte computacional, pode ser chamado de artista-programador. Pensar que um artista é capaz de ser também programador pode, por vezes, causar um estranhamento ou soar como um conceito inusitado. Por que a necessidade de denominá-lo artista-programador e não somente artista, colocando ênfase na técnica utilizada? Uma chave para essa questão pode estar nos conceitos de técnica e tecnologia.

A palavra técnica tem sua raiz na palavra grega téchne, que significa técnica, arte ou ofício. Os gregos não faziam distinção entre arte e técnica. Um escultor ou um sapateiro tinham uma téchne. Já a palavra tecnologia surgiu na combinação dos conceitos de téchne e lógos, que significa racionalidade. Pode ser compreendida, então, como a sistematização de um ofício ou de uma técnica. Esse conceito tem relação com a Revolução Industrial e a produção capitalista, quando técnicas começaram a ser aplicadas com o objetivo de gerar resultados em larga escala.

Sabemos, portanto, com base no conceito de téchne, que nem sempre arte e técnica foram tratadas como conceitos apartados. A separação entre elas está muito atrelada ao surgimento da visão romântica do artista no final do século 18. No romantismo, a arte passou a se referir à subjetividade e à vida interior, enquanto que a técnica passou a ser percebida como mecânica e objetiva. Com uma visão de mundo centrada no indivíduo, nas emoções subjetivas, no sonho e na fantasia, o conceito romântico da arte se opunha à racionalidade e à objetividade. Essa dicotomia tem reflexos até hoje. Não é raro o pensamento de que um engenheiro não tem habilidade para a arte ou de que um artista não sabe matemática. De acordo com Cramer, a separação entre o que é técnico e o que é a inteligência humana subjetiva, ou entre o “gênio” e o “engenheiro”, abriu caminho para as controvérsias que ainda persistem sobre a arte e até que ponto ela pode ser formalizada e automatizada. Daí o estranhamento que pode ocorrer em relação ao conceito de artista-programador, esse artista que domina tanto a estética quanto a técnica computacional.

Um exemplo interessante do século 16 para pensar sobre como a criação de arte e o domínio de técnicas que atualmente pertenceriam ao campo das Ciências Exatas podem estar conectados são os perspectógrafos de Albrecht Dürer, máquinas para facilitar a percepção da perspectiva. Dürer começou a estudar pintura artística aos quinze anos e interessado pelos fundamentos teóricos da arte, dedicou-se também a pesquisar ótica e matemática. Após dominar esses conhecimentos, criou os perspectógrafos com o objetivo de facilitar o aprendizado da perspectiva por artesãos e artistas na Alemanha.

Outro artista que pode nos ajudar a compreender esse universo é o poeta brasileiro Erthos Albino de Souza. Erthos era engenheiro da Petrobrás quando os computadores chegaram ao Brasil e logo se especializou em operar as novas máquinas. Parte do movimento da poesia concreta, na década de 1970, editor da revista Código, Erthos foi um poeta experimentador e para isso utilizava o seu instrumento de trabalho: o computador.

Harold Cohen foi outro artista-programador que trabalhou com computação desde a década de 1970. Cohen criou no início da sua carreira o programa AARON, que utiliza princípios de inteligência artificial para pintar. Cohen programou o AARON para desenhar diferentes formas, desde abstrações até formas figurativas, como elementos naturais e humanos. Foi a parceria entre AARON e Cohen, por quatro décadas, que deu origem à obra do artista.

A arte feita em software levanta questões importantes sobre a automatização da criação artística. Esse tipo de produção traz à tona a tensão gerada por essa relação criativa entre homem e máquina. Uma parte do processo o artista domina, mas outra parte a máquina realiza “independentemente”. A automatização do processo artístico acaba despertando questionamentos sobre a validade da obra de arte e também sobre a sua autoria.

Em 2015, o Google lançou o Deep Dream, um software que utiliza redes neurais para gerar imagens a partir de outras imagens e que acabou provocando uma discussão sobre automatização computacional e arte. Alguns artistas utilizaram a nova técnica na sua produção, como é o caso de Alexander Mordvintsev, que expôs seu trabalho na exposição Deep Dream: the art of neural networks, que aconteceu em 2016 em São Francisco. Na medida em que a computação avança na direção da automatização, com machine learning e inteligência artificial, essa discussão tende a ficar mais acirrada. Se o computador produz a arte, quem a criou? Pode o computador se tornar o artista? Pode a criatividade ser automatizada? Ficamos por agora somente com as perguntas. E produzindo arte.

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“Por mais distância que corras,
por mais dias que passem,
do teu coração não conseguirás
escapar.”


Tabu, Miguel Gomes

Estamos no futuro. A Los Angeles de 2019 nasceu do livro Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? (1968), mas tornou-se popular a partir da adaptação de Ridley Scott para o cinema, em 1982. Blade Runner se cristalizou no imaginário do público ao dar contornos para um medo abafado durante o século XX. E se a aposta cega em tecnologia não nos guiar para um futuro melhor? E se perdermos o controle, como sugeriu Mary Shelley em Frankenstein, e nos tornarmos reféns das próprias criações? E se, quem sabe, o progresso irrestrito nos impuser uma realidade da qual seja impossível retornar?

A ficção científica é a arte de perguntar “e se” e nos entregar respostas improváveis. Neste campo, Philip K. Dick foi a mente mais pródiga por trás das especulações do que a realidade poderia ser. Dick nasceu em Chicago, em 1928. Aos quatro anos, os pais se separaram e ele foi morar com a mãe, em Berkeley. Estimulado pelo ambiente intelectual, o menino passava tardes inteiras ao som de música clássica, trilha perfeita para acompanhar os enredos de Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft. Tímido e pouco sociável, nas raras vezes em que era visto fora de casa se poderia apostar que estava a caminho do trabalho, em uma loja de discos, ou da Faculdade de Filosofia. Suportaria a vaidade acadêmica por um semestre, fato que lhe renderia a imagem de figura peculiar. Digamos que os EUA dos anos 40, com toda a paranoia comunista, não era o país mais adequado para quem se distanciasse do sonho americano. Criado em um lar não tradicional, Dick ficou conhecido como o jovem excêntrico que largou os estudos para vender discos e passar as noites escrevendo. Havia boatos de que escrevia ficção científica.

Depois de anos como escritor lado B, sobrevivendo às custas da esposa, Androides se tornou o principal título de uma fase fértil e vigorosa. Ainda que não tenha lhe rendido fama, a publicação lhe propiciou alguma dignidade. O livro arquiteta uma distopia muito bem transposta em Blade Runner. Na trama, Los Angeles deixara de ser a cidade ensolarada para se transformar em um lugar soturno, em que a chuva e a noite são as únicas certezas. Os carros ocupam o céu e letreiros de neon gigantes guiam habitantes desnorteados por ruas sujas e apertadas. Todos os idiomas são aceitos na Babel pós-bíblica e pré-apocalíptica. Neste urbanismo opressor, conheceremos Rick Deckard, um policial que volta à ativa para ganhar dinheiro a fim de trocar a sua ovelha elétrica por um animal de estimação de verdade. Para isso, precisa eliminar os androides que fugiram do novo planeta habitado pelos humanos.

A literatura de Dick chama atenção porque suas elucubrações não são meros rompantes de engenhosidade. Por trás de temas que abordam governos autoritários, o monopólio das corporações, universos paralelos e alterações de consciência, reside o interesse pela sociedade e a preocupação genuína pela natureza humana. Escrever sobre mundos semirreais foi a maneira de denunciar que operamos em uma realidade pré-programada, que vivemos em um mundo falso. Teoria menos acessível, porém similar à ideia platônica das sombras. O que era luz, no mito da caverna, assume para Dick a configuração de uma realidade paralela, a qual somente acessamos a partir de um ação que rompa o automatismo diário. Se Walter Benjamin denunciava a perda da experiência nas sociedades de massa, Philip irá além. A convicção do caráter invasivo da tecnologia lhe permitiu hipóteses nas quais o progresso não apenas artificializaria a experiência como também turvaria as características que nos identificam como seres humanos — inteligência, sentimentos e empatia.

Dick costumava repetir uma fábula que lhe fora contada na infância. A história trata de um casal de camponeses que recebe de um gênio três desejos. A aparição inusitada desorienta o casal, tornando o primeiro pedido um desastre. Como reparo, utilizam o segundo desejo, que corrige o primeiro mas causa novo problema. E assim sucessivamente. Dick contava a passagem com empolgação, pois no centro dela encontra-se a sua visão sobre o progresso. Assim como o casal, também parecemos despreparados.

Ex-Machina. de Alex Garland (2014)

Adentrada a carcaça futurista, Blade Runner apresenta uma reflexão antecipada por Dick 50 anos antes de filmes como Ela (2014) e Ex Machina (2015). Os debates sobre o que é ser humano e os limites entre homem e máquina circundam o protagonista, um sujeito perdido que tem de aniquilar robôs tão ou mais humanos do que ele. Avançamos convictos, sem considerar o paradoxo de que os homens são desnecessários em um mundo pós-humano. Diferentemente dos heróis de outrora, Deckard precisa salvar a humanidade dela mesma. O que se destaca na missão é a capacidade do policial de duvidar dos próprios méritos. Afinal, a paixão do protagonista de Ela por um robô é falha dele ou defeito da máquina?

Philip K. Dick nos revela um futuro no qual não se fala em avanço. Avançar é o destino dos que sabem para onde vão, e esse não parece o nosso caso. Progredir é pensar uma tecnologia que antes de nos prometer um mundo melhor, um lugar perfeito e correto, nos permita acesso a uma realidade não automatizada. E será nesse instante, nesse futuro, que nos depararemos com os nossos medos e limitações pela primeira vez — e os aceitaremos.

Ela, de Spike Jonze (2013)

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As milhares de partidas de tênis profissional jogadas entre 2009 e 2015, dos challengers aos quatro Grand Slam anuais, seguiram a cobertura tradicional da imprensa: entrevistas pré-jogo, transmissões ao vivo, compactos dos melhores momentos e coletiva com ganhadores e perdedores. Esse método de cobertura destacou histórias que seguiam mais ou menos os scripts padrão de narrativa de qualquer esporte: a vitória que levava ao título, a derrota no momento errado, um renascimento após anos de dificuldades…

Havia, porém, outro ponto de vista jornalístico que só foi explorado anos depois, quando os troféus acumulavam poeira e alguns atletas já tinham se aposentado. Uma análise dos dados sobre as apostas em mais de 26 mil partidas, feito em conjunto pelo BuzzFeed e pela BBC, mostrou que 15 tenistas profissionais, todos classificados entre os 50 melhores do mundo, perderam partidas nas quais eram apontados como amplos favoritos à vitória nas casas de apostas com uma frequência suspeita.

No lugar de microfones, gravadores e máquinas fotográficas, a equipe por trás da descoberta fez jornalismo usando a linguagem de programação Python e estatística. O levantamento, publicado em janeiro de 2016, coletou dados de sete casas de apostas e criou um banco de dados cruzando as chances de cada tenista ganhar o jogo segundo as apostas e o resultado final da partida.

O que se buscava eram partidas onde o volume de apostas no provável perdedor crescia espantosamente nas horas anteriores à bolinha quicar e o amplo favorito acabava derrotado. Perder um ou outro jogo quando as apostas são altas a seu favor acontece. Derrotas regulares, porém, fazem as autoridades farejarem a ação da máfia das apostas. Os grupos, concentrados na Rússia e na Itália, oferecem uma quantia na casa das dezenas de milhares de dólares para que um jogador perca sua partida para, depois, embolsarem muito mais nas casas de apostas.

O material desengatilhou respostas raivosas de figuronas do tênis, como atletas aposentados e cartolas incomodados, e governantes prometeram investigações.

Entre centenas de outras reportagens baseadas em dados, o que chama atenção sobre a investigação envolvendo o tênis é que o furo jornalístico estava ali há anos na cara de todos, enterrado debaixo de uma montanha de números. Há também uma mudança de método. Além da reportagem, os veículos publicaram os dados brutos e o algoritmo criado para chegar à lista dos suspeitos. Você vê jornais e revistas publicando a íntegra da entrevista?

Interpretar dados para obter um entendimento mais profundo de algum assunto não é um conceito novo. Em 1854, o médico John Snow inaugurou, sem saber, o que chamamos hoje de visualização de dados, ao mapear os casos de cólera de um bairro e descobrir que todos se concentravam ao redor de bombas de água. No jornalismo, o norte-americano Bill Dedman já usava computadores em 1988 para descobrir como bancos não emprestavam dinheiro para negros na premiada série Color of money.

Hoje, filtrar, visualizar e processar dados se tornou uma tarefa rotineira em redações pelo mundo. O Brasil ainda está atrás dos Estados Unidos e da Inglaterra, por exemplo, mas tem alguns bons exemplos, como o Estadão Dados, responsável por descobrir no banco de dados do IPTU de São Paulo que o presidente Michel Temer repassou ao nome do filho de 7 anos um conjunto de escritórios avaliado em R$ 2 milhões. O arquivo do IPTU, divulgado pela gestão Fernando Haddad, tem 1 GB. Boa sorte ao tentar abri-lo com um editor de planilhas gráfico, como o Excel. Para manipulá-lo, é preciso escrever um algoritmo. O mesmo se aplica aos dados com os gastos do Governo Federal publicados mensalmente no Portal da Transparência. Cada ano de informações ocupa cerca de 3 GB. Imagine quantos furos não estão enterrados ali.

Com o aumento no número de bancos de dados públicos disponíveis para acesso da sociedade civil (com alguns problemas, a Lei de Acesso à Informação completou 5 anos em maio), a habilidade de “mergulhar” nos dados e trazer à tona informações jornalisticamente relevantes tende a se tornar ainda mais relevante. Isso exigirá um grande número de jornalistas com conhecimentos técnicos muito específicos, como criar algoritmos. Nos EUA, já existem cursos dedicados a ensinar jornalismo a programadores e vice-versa. No Brasil, os interessados ainda são obrigados a fazer uma espécie de autoeducação com livros, vídeo-aulas e a generosidade de programadores.

Há quem defenda que o jornalismo de dados abrirá espaço para um novo perfil de jornalista, ocupado em vasculhar gigabytes atrás de furos. O argumento, porém, tem suas falhas, e a investigação sobre o tênis é um ótimo exemplo. A inteligência por trás dos dados corroborou uma apuração feita pelos métodos “tradicionais” de jornalismo, como entrevistas e levantamento de documentos. É algo que Paul Steiger, fundador do ProPublica, definiu muito bem: “os dados são só o começo. Você precisa gastar a sola do sapato apurando para encontrar a história humana por trás das estatísticas”.

No fim das contas, o jornalismo de dados não se propõe a substituir o jornalismo de letras. É, na verdade, uma ferramenta a mais na caixa que todo jornalista carrega para apurar seus fatos, contradizer as histórias e descrever o que encontrou para o leitor. O objetivo do jornalista continua o mesmo.

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O que faz de nós humanos? Serão os sentimentos e as emoções a expressão máxima de humanidade? Para além da racionalidade, somos capazes de sentir. Vivemos as primaveras, desejamos tomar banho de mar no verão, ou um chocolate quente no inverno. Estabelecemos relações com aqueles que queremos por perto, e também com aqueles que não queremos. Somos marcados pelos sinais do tempo, guardamos memórias (sejam elas quais forem) e experimentamos a solidão, o ápice do sentimentalismo humano que jamais poderá ser experimentado por qualquer inteligência artificial.

Muitas são as reflexões acerca da vida moderna — o que explica o grande número de espectadores das séries britânicas Black Mirror e Humans, assim como do sensível e premiado filme Ela, de Spike Jonze. Queremos saber até onde somos capazes de chegar no modo como nos relacionamos com a tecnologia e seus desdobramentos em nossa vida. O que diria Freud, a partir de seus estudos sobre a eterna “incompletude do Eu”, diante dos decorrentes avanços tecnológicos? Os robôs se tornarão nossos companheiros de metrô? Sistemas operacionais serão bons conselheiros de madrugada? Em 2015, a loja de departamento Mitsukoshi, em Tóquio, recebeu uma funcionária extremamente eficiente, mas com uma peculiaridade incomum. Seu nome era Aiko Chihira, recém-chegada de Kawasaki, uma cidade ao sul da capital japonesa.

Três dias após sua chegada à loja, em uma quinta-feira chuvosa, muitos curiosos pararam por alguns minutos para observar Chihira exercendo sua função. A maioria pareceu silenciosamente instigada e impressionada com seus traços e seus detalhes, com a coloração de seu rosto e seus finos contornos naturais, além da textura de sua pele, que mais parecia um pêssego. Mas em pouco tempo o interesse se tornava uma repulsa e os clientes viravam-se para trás e procuravam se afastar de Chihira.

O que distinguia Chihira de seus outros companheiros de serviço, além de sua inaptidão interpessoal e de seu hall de habilidades meramente curriculares, era sua aparência humanoide. Vestida em um quimono com tradicionais sandálias japonesas, Chihira foi criada para se assemelhar a uma mulher japonesa de 30 anos.

Os detalhes em seu rosto e nas mãos eram impecáveis. De longe, certamente seria possível confundi-la com um humano. Mas, assim que começava a se mover, ela era rapidamente identificada como uma máquina. Suas poucas dezenas de motores tornavam seus movimentos distintamente mecânicos. Sua cabeça e seu tronco giravam para a direita e a esquerda (ela também podia se curvar) e seus braços pareciam deslizar em movimentos pontuais e definidos.

Funcionária incansável, Chihira recitava um discurso preciso e bastante informativo sobre Mitsukoshi, a imensa loja de departamento. No entanto, de acordo com os outros funcionários, ela tinha um grande defeito: era incapaz de escutar.

De fato, Chihira era fluente em japonês, dominava inclusive a linguagem de libras nesse idioma, e ainda assim as perguntas dos clientes eram ignoradas. Na realidade, seus ouvidos, habilidosamente esculpidos como os de humanos, não respondiam. Ainda que soubesse falar e cantar em mais de uma língua, Aiko Chihira era um robô humanoide de tamanho humano real, mas incapaz de conversar — o que ocasionou sua mudança de departamento pouco tempo depois.

Chihira foi transferida para uma vitrine no sétimo andar da loja. Só os clientes que tinham paciência de passear até o último andar paravam para escutar Chihira tagarelar lá em cima.

A funcionária ainda não estava pronta para assumir os empregos das bio-unidades ao redor dela. Pelo contrário, ela e seus congêneres ainda geram muitos empregos para programadores, engenheiros, designers e guias ou acompanhantes humanos.

Robôs trabalhando ao lado de pessoas não são exatamente uma novidade. Em nossa realidade paralela/virtual, conversamos diariamente com máquinas, já estamos familiarizados com isso. Sabemos da importância dos avanços tecnológicos e rapidamente absorvemos tais avanços, que sempre nos confortam com algum tipo de facilidade. Como não ser grato a Siri, fiel escudeira e sempre disposta a nos atender?

Ocorre que a inquietude humana, tão presente em nossa essência, desafia cientistas do campo da robótica a buscarem a perfeição na reprodução (tecnológica) do ser humano. Os robôs contemporâneos ganharam aparências realistas e articulações corporais muito parecidas às do homem mortal.

Certamente o caminho ainda parece longo até que os primos de “carne e osso” do C-3PO (icônico personagem androide de Star Wars) sejam confundidos com um humano vivo em ação. No meio desse caminho existe um vale, muito observado e discutido por cientistas, que é o chamado Uncanny Valley (Vale da Estranheza).

Em 1970, o cientista japonês Masahiro Mori propôs uma teoria que identificava um aumento da nossa repulsa por robôs à medida que eles se tornam mais semelhantes aos humanos. Qualquer coisa com uma aparência altamente humana pode estar sujeita ao efeito do “Vale da estranheza”, mas os exemplos mais comuns são androides, personagens de jogos de computador e bonecos de vida.

Embora o efeito seja fácil de descrever, é muito difícil pesquisar um conceito tão circular e subjetivo. Cientistas e sociólogos estão envolvidos em um debate constante sobre as causas do Vale da Estranheza. Três conclusões sobre o efeito são perceptíveis ao entrarmos em contato com pesquisas sobre o assunto:

1. O efeito do Vale da Estranheza pode ocorrer no limite em que algo se move de uma categoria para outra — neste caso, entre robôs e humanos. As pesquisadoras Christine Looser e Thalia Wheatley olharam rostos de manequins que se transformavam em rostos humanos e encontraram o efeito de repulsa no momento em que o rosto inanimado começava a parecer vivo.

2. A sensação de repulsa está relacionada à nossa crença de que criaturas quase humanas possuem uma mente, como nós. Um estudo dos cientistas Kurt Gray e Daniel Wegner descobriu que os robôs causavam estranheza apenas quando as pessoas pensavam que eles tinham, assim como nós, a capacidade de sentir e experimentar as coisas.

3. O fenômeno do Vale da Estranheza ocorre devido a um desajuste em aspectos da aparência e/ou comportamento do robô, como a sincronização e a velocidade da fala e das expressões faciais. Ao reagir a surpresas, os humanoides mostram reação somente na parte inferior do rosto (não na parte superior), o que lembra o padrão de comportamento expressivo exibido por humanos com traços psicopáticos.

Segundo o cientista Andrew Olney, o contato com robôs pode parecer natural em um primeiro momento, mas os instintos básicos nos afastarão deles. Um androide pode ser quase idêntico a uma pessoa, porém um simples aperto de mão é suficiente para que alguém perceba que o “suposto humano” tem mão de borracha.

Refletir sobre a vida moderna se torna um exercício perturbador quando percebemos nossos próprios comportamentos robóticos e alarmantes, que cabem muito bem no universo ficcional mas, ao mesmo tempo, são muito próximos da realidade em que vivemos: passamos horas usufruindo de redes sociais, entramos em desespero toda vez que nos sentimos desconectados quando acaba a bateria de nossos celulares ou qualquer outro gadget tecnológico, construímos relações virtuais. Criamos máquinas e, às vezes, sem perceber, reproduzimos seus mecanismos. Somos vítimas das nossas próprias invenções.

Enquanto cientistas dedicam seu tempo à missão de recriar a vida humana, alguns humanos exercem condutas de máquinas e, assim, nos encontramos diante de um enorme paradoxo. “Pensamos muito e sentimos pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura”, alertava Charles Chaplin em O Grande Ditador (1940).

Dentro do Vale da Estranheza habitam os nossos mais profundos sentimentos de inconformismo em relação à reprodução da existência humana pela tecnologia. Gostamos do que é de verdade. Chamemos, então, tal fenômeno de Vale da Esperança.

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por Márcio Bulk

“Construir outras paisagens,
outros cenários imaginários,
não somente para encontrar lugares
mas sobretudo para localizar-se.“

Ricardo Basbaum

Tramundo teve início no Natal de 2014. Era para ser apenas uma canção. Meu presente para Jorge. Naquele ano, nós decidimos criar presentes imateriais, guardados apenas pela memória, pelo afeto. A canção, que mais tarde viria a se chamar Desterro, falava sobre a incapacidade de lidar com a saudade da terra natal — a querência — e sobre Nanã, a orixá da lama, da vida e da morte. A música acabou não ficando pronta a tempo. Entretanto, trabalhar com esses temas despertou em mim um desejo imenso de pesquisa e aprofundamento. E o que, a princípio, era uma lembrança, se tornou um longo projeto cujas proporções só agora pude assimilar.

No começo, pensei em criar uma cidade fictícia do interior, localizada no Sul do Brasil e povoada, em sua maioria, por negros de descendência iorubá. Uma terra onde eu pudesse desenvolver narrativas que envolvessem tanto a cultura de matriz africana quanto os arquétipos e fábulas relacionados ao inverno e ao frio. Jorge era do Sul e vivia me contando da importância da comunidade negra em sua terra, Porto Alegre. Entretanto, senti um pouco de desconforto em lidar apenas com o imaginário gaúcho. Por suas especificidades e pelo meu distanciamento, tanto geográfico quanto cultural, decidi que deveria buscar uma nova abordagem. Dessa ideia inicial, trouxe comigo a questão negra e uma vontade um tanto vaga de trabalhar com cenários ermos e frios. Estes últimos me aproximaram dos filmes de Bergman e de seus diretores de fotografia. Desloquei o Rio Grande do Sul para a ilha de Fårö. Suas paisagens foram certamente a principal referência para o tratamento das fotos da Chapada Diamantina que utilizei nas colagens que fiz posteriormente.

Na tentativa de estabelecer um arcabouço para Tramundo, desenvolvi uma cartografia íntima. Na literatura, fui para Manoel de Barros e dele para Hilda Hilst. Dois poetas que, em maior ou menor grau, sempre estiveram presentes em minhas leituras. Foram eles que me permitiram elaborar, nas letras das canções, um atrito constante entre o ordinário e o sublime. Essa dicotomia, esse embate, permeou todo o projeto. Por conta de Barros, cheguei a Guimarães Rosa. Foi um achado. Nunca havia lido seus livros e foi bem difícil entrar em sua escrita. Comecei com Tutameia e me apaixonei por Miguilim e Grande sertão: veredas. Rosa dialogava muito intimamente com as minhas origens: minha família é natural de Itaperuna, interior do Rio de Janeiro, fronteira com Minas Gerais. Além disso, me fazia recordar constantemente de minha avó, Elza, de quem guardo muitas e boas lembranças (mais tarde, escrevi duas canções a seu respeito: Sete-Estrelo e Nazaré das Almas).

Rosa se configurou como uma das maiores referências de Tramundo, se mostrando o guia mais constante e generoso que eu poderia encontrar em meu trajeto. A partir dele, tive a ideia de que a cidadezinha fictícia que havia imaginado inicialmente se tornaria uma síntese de diversos sertões, de um Brasil não litorâneo e, predominantemente, cafuzo.

Iniciei a leitura de autores que pudessem contribuir com minha narrativa negra e caipira, caso de Aires da Mata Machado Filho, Alceu Maynard Araújo, Cléo Martins, José Ramos Tinhorão, Luís da Câmara Cascudo, Reginaldo Prandi, entre outros. Nesse momento, aprofundei mais ainda os meus vínculos com as religiões de matriz africana, voltando a frequentar terreiros e me relacionando mais intimamente com o candomblé. Dessa pesquisa surgiram as letras de Quibungo, Brejo dos Caboclinhos, Tapera do Besouro Menino, Chapada das Cantadeiras, Sumidouro, Estrada do Cabresto, Galo Tucado e Morro do Cafundão.

O Sul, que parecia ter ficado distante de meu imaginário, ressurgiu quando decidi ler Jorge Luis Borges. Inspirado em seus contos e nos pampas argentinos, escrevi Nuestra Señora de La Cochilla. Também foi da literatura hispânica que tirei a ideia do título do projeto: Tramundo, uma corruptela para Trasmundo, seção de poemas de Canciones, de Federico García Lorca.

A ideia de desenvolver uma narrativa alegórica, que já vinha se fazendo presente desde as primeiras escritas, se tornou irrefutável com a leitura de Esopo e Chamisso. Tendo animais, plantas e fenômenos da natureza como personagens principais, escrevi Rocinha dos Gotejos, Choça das Cigarras e Espinheiro Sabiá.

Ao criar uma geografia própria, também optei por um tempo ficcional, amalgamando os anos 1930, 1940 e 1950. Isso fica claro em duas canções: Boca do Mofo e General Euzébio Corriola. Esta última fala sobre a prisão e a tortura de um intelectual mineiro durante o Estado Novo (1937–1945). A temática surgiu por conta do livro Primo Levi, a escrita do trauma, de Lucíola Freitas de Macêdo. Foram os campos de concentração da Segunda Guerra que me conduziram aos presídios de Vargas e à Era de Ouro do Rádio.

Paralelo a leitura e escrita, fui em busca de uma identidade sonora para o disco. Cheguei a ouvir um pouco de música caipira, mas não consegui me identificar completamente, exceto por Pena Branca e Xavantinho, duas figuras monumentais que, desde a minha infância, me causavam encantamento. Meu sertão só começou a ganhar forma quando me debrucei sobre os discos de Elomar, Naná Vasconcelos e, mais adiante, Joni Mitchell e Nick Drake.

Ainda na dúvida se me apropriaria ou não da estética do frio, optei por ouvir Sibelius. Foi durante uma de suas sinfonias que o YouTube se encarregou de me apresentar ao compositor novaiorquino Morton Feldman. Sua música se converteu na mais constante trilha sonora de minha pesquisa: enquanto, na literatura, era arrebatado por Rosa e seu Grande sertão: veredas; na música, ficava aturdido com as peças de piano de Feldman e sua parceria com Joan La Barbara. A procura por uma instrumentação econômica, mas rica em timbres, me levou ao guitarrista Derek Bayley. Tanto ele quanto Feldman foram essenciais para que eu apurasse minha escuta e desse corpo à Tramundo. Foi neste momento que percebi mais claramente que o disco deveria ser um entrecruzamento do cancioneiro popular com a música folclórica, a música erudita e a de improviso.

Em janeiro de 2016, havia finalmente terminado de escrever as 17 letras. Elas foram, então, enviadas para diversos compositores, entre eles alguns amigos e colegas. Assim, surgiram as parcerias com Antonio Loureiro, Bruno Cosentino, Diogo Sili, Fabio Negroni, Filipe Massumi, Joana Queiroz, Luiza Brina, Mario Ferraro, Ná Ozzetti, Pedro Carneiro, Renato Frazão, Thiago Amud e Zé Manoel. Enquanto estes desenvolviam as canções, comecei a dialogar com artistas que viriam a constituir o núcleo duro do projeto, formado por Claudia Castelo Branco, Fred Ferreira, Lívia Nestrovski, Marcos Campello, Mario Ferraro e Zé Manoel.

A partir daí, tratei de desenvolver o material gráfico de Tramundo. Ainda em sua primeira fase, discuti algumas vezes com Jorge a respeito de como me apropriar de paisagens que só tive contato em minha infância. A ideia inicial era fazer uma espécie de deriva pelos sertões do país e registrar essa jornada. Entretanto, a falta de recursos e o meu pânico em viajar com um equipamento fotográfico tão caro me fez desistir dessa ideia. Obrigado a desenvolver um plano B, dei conta que todo o meu trabalho partia de apropriações e de uma sobreposição de narrativas. Jorge havia recém-chegado de uma residência na Chapada Diamantina e, pouco tempo depois, o local foi tomado por uma série de incêndios, se transformando em assunto constante nos telejornais. Fui à procura de registros de turistas que, tendo visitado a região, publicavam suas fotos em sites pessoais ou de turismo. Após seleção e tratamento, iniciei as colagens. Nesse processo, me inspirei em Lewis Baltz e, principalmente, Bergman e Richard Long. Por essa época, reencontrei Daniela e Ricardo, dois amigos que não via há algum tempo. Ricardo estava com um trabalho na Caixa Cultural. Fiquei muito interessado e decidi ler alguns de seus textos. Foi o que me levou a aprofundar a ideia de cartografia, paisagens e mapas. Um outro amigo, Luis, ao vir em minha casa e observar a parede repleta de colagens e anotações, me apresentou ao Atlas Mnemosyne de Warburg. A semelhança com o que eu vinha fazendo me motivou a olhar com mais atenção para dois projetos gráficos que havia desenvolvido anteriormente e que foram recusados: o primeiro, uma série de colagens de negros (em fotos de Augusto Stahl e Alberto Henschel) sobrepostos a mapas; o segundo, um díptico composto por figuras geométricas criadas a partir de cálculos renais e cujo resultado remetia às pinturas de Rubem Valentim. Os dois trabalhos dialogavam bastante com as colagens da Chapada Diamantina e foram incorporados a Tramundo.

Ao agrupar o material gráfico, percebi que o projeto ganhara uma nova dimensão, ou melhor, uma nova narrativa, tão importante quanto a musical. Entendi que, juntamente com o disco, se fazia necessário a publicação de um livro onde fossem incluídos todos esses trabalhos, como uma espécie de arquivo ou atlas que revelaria um outro percurso para Tramundo.

No final de janeiro de 2016, eu e Jorge nos separamos. Faltava uma semana para o Carnaval. As letras já estavam prontas e comecei a enviá-las aos compositores.

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O presente ensaio foi feito a partir de um recorte dos trabalhos de Laura Gorski da exposição Geografias — nosso lugar é caminho, realizada no Sesc Santos. A mostra contou com a curadoria e o texto de Bernardo Mosqueira e envolveu a participação de 7 artistas — Cristina Ataíde, Daniel Caballero, Flavia Mielnik, Helen Faganello, Laura Gorski, Renata Cruz e Renato Leal.

(ao meu amor)

Geografia é a área do conhecimento que estuda a paisagem formada pela relação entre os sistemas de ações ou práticas sociais do humano e o sistema de dispersão de objetos no mundo. Muito além de um conjunto de características morfológicas, a geografia deve ser entendida como a atividade constante de criação de encadeamento lógico sobre a ordem espacial das coisas. É por meio da pesquisa geográfica (na relação entre espaço, sentido e valor, por exemplo) que podemos produzir conceitos para uma teoria social sobre contemporaneidade, de forma a construir, também, a própria transformação do mundo que habitamos.

Tudo o que o humano realiza na superfície da Terra, ou seja, toda expressão da técnica que transforma fisicamente a paisagem a partir da própria paisagem, acontece para atender às necessidades humanas mais fundamentais, como nutrir-se, abrigar-se, relacionar-se, reproduzir-se, movimentar-se, ter consigo objetos úteis, dar sentido a si e às coisas etc. O que podemos encontrar quando examinamos atenciosamente o espaço que o humano construiu ao seu redor? De que forma aquilo que nos cerca está para nos ensinar sobre nós mesmos? A paisagem complexa em que vivemos é resultado de muitas camadas de história sobre o mesmo lugar, de sequências de diferentes relações entre atividade humana e estrutura física do mundo. A geografia escuta as perguntas feitas pela paisagem, composta por suas tantas marcas enigmáticas.

Da perspectiva cultural, a paisagem é justamente onde acontece a mediação entre o mundo das coisas e o da subjetividade humana, é uma “forma de ver”, é o objeto do processo ativo de criação e significação, de “perceber” o mundo.

A presente exposição reúne frutos muito diversos dos encontros entre os sussurros das paisagens de Santos e as pesquisas de um grupo de artistas. Geografias — nosso lugar é caminho é a segunda mostra de uma trilogia iniciada no Sesc Jundiaí em 2016 e que se encerrará em São Paulo em 2018. A palavra “Geografia” (que, sobretudo, é uma ciência moderna, constituída e constituinte da epistemologia hegemônica), em sua presença nos títulos das mostras, serve como metáfora à site-specificity das pesquisas realizadas.

Esse projeto resulta da articulação coletiva entre sete artistas que são atuais membros ou antigos participantes do grupo de estudos do Ateliê Fidalga, conduzido pelos artistas Sandra Cinto e Albano Afonso na capital paulista. O subtítulo da mostra faz referência ao fato de que, entre os meses de dezembro de 2016 e fevereiro de 2017, os artistas organizaram, em parceria com o Sesc e com a participação do público, uma série de caminhadas por diversas regiões da cidade, nas quais puderam praticar formas alternativas (não científicas, não hegemônicas) de criar paisagens e de examinar o espaço urbano.

O caminhar é um processo especial de reconhecer territórios e de construir conhecimento sobre um lugar. Na deriva ambulatória não vemos o mundo com o distanciamento de quem observa um mapa, como se sobrevoasse a cidade com olhos universais. Caminhando ao rés do chão, podemos ver as marcas do tempo e da história, não contornamos os sinais da desigualdade social e da exploração do Homem pelo Homem, carregamos dentro de nós nossa cultura, sentimos os cheiros das esquinas, estamos igualitariamente com objetos, animais e plantas, somos menores que os muros, maiores que quase nada.

Foi por meio do caminhar em Santos que os artistas Cristina Ataíde, Daniel Caballero, Flavia Mielnik, Helen Faganello, Laura Gorski, Renata Cruz e Renato Leal investigaram essa cidade, cujo desenvolvimento é entrelaçado à História do Brasil, com um fluxo de formação social e cultural complexo e cheio de dobras, que é parte insular e parte continental, diretamente ligada ao fundo do Oceano Atlântico e ao topo de Serra do Mar, que contém o maior porto da América Latina e uma enorme Área de Proteção Ambiental. Os diferentes aspectos da geografia de Santos ecoaram vacantes em cada um dos artistas, de maneira que essa exposição oferece ao público paisagens que são fragmentos costurados de paisagem. Essa mostra, uma reunião de olhares simultâneos e alternativos sobre o mesmo lugar, nos inspira a noção de que há muitas maneiras de perceber, aprender e se envolver afetivamente com um mesmo entorno. Pois, afinal, o que será que responderemos às paisagens quando passarmos a nos permitir ouvir as perguntas que nos fazem?

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