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Aos sete anos de idade, lembro de ter tido uma briga muito séria com a freira que me dava aula de religião. Eu havia questionado como ela podia me dizer que Deus existia sem me apresentar provas. Dizia ela que era um dogma e que eu tinha que acreditar, mas isso não era suficiente para mim. Vejo que minha inquietude veio de muito pequena. Como uma eterna estudante, me achava apaixonada pelo conhecimento. Hoje sei que sou apaixonada pela liberdade. Porque é o conhecimento que nos dá a liberdade. Eu me considero agnóstica, cada vez mais, e com certeza minha busca, como pesquisadora e professora, é entender como funcionamos.

A neurociência hoje nos comprova, em pleno século XXI, uma série de conhecimentos que a filosofia já sabia, ou já dizia centenas de anos antes a respeito de como funcionamos. Platão já sabia que nossa percepção não acessava a realidade. Aristóteles já sabia que nossa memória era falível, como impressões na cera, maleáveis. Ambos estavam corretos: não percebemos o mundo como ele é, e nossa memória é formatável e reformatável. Nosso cérebro é plástico e, de alguma maneira, se adapta às coisas, se transforma de acordo com o que fazemos, alterando também o mundo.

Um exemplo de como nosso comportamento vem se transformando é a tecnologia. Tecnologia é uma palavra que pode ser aplicada tanto a uma ferramenta (a roda, por exemplo) como aos óculos de realidade virtual. A escrita é uma tecnologia. Quando ela foi inventada nos vingamos da morte, pois, diferentemente da comunicação oral, passada de geração a geração linearmente, a escrita nos deu a possibilidade de deixar nosso registro no mundo. Toda a nossa produção — nosso conhecimento, nossa cultura — passou a não ser necessariamente transmitida de geração a geração, e, embora possa ser esquecida por muitas gerações, também pode ser reencontrada centenas ou milhares de anos depois.

Quando a escrita surgiu, muitas pessoas se revoltaram dizendo que aquilo não era bom, que íamos deixar a fala, que a oralidade iria se perder — mas não a perdemos. Na verdade, a escrita é como uma variação da fala e envolve circuito neural similar. Usamos a memória em ambas, e nosso cérebro hoje é muito pouco diferente dos cérebros anteriores à escrita. Não acontecem grandes modificações cerebrais quando ocorrem essas mudanças e, biologicamente, nossa essência muda muito pouco — nossos impulsos e desejos sexuais são iguais há 200 mil anos. Quando surgiu, por exemplo, a agenda do celular, as pessoas também começaram a falar que seria péssimo, que atrapalharia nossa memória, que não saberíamos mais os números das pessoas, mas, na verdade, ao gravarmos os números, simplesmente não precisamos usar nossa memória para isso, podendo usá-la para outras coisas.

Assim, a tecnologia não veio para atrapalhar, embora tenhamos uma dificuldade muito grande de aceitar essas mudanças quando elas surgem. Precisamos passar por todos esses processos, agora, com a internet, assim como passamos com a escrita, com o cinema, com a TV, com o celular. Num futuro muito próximo, passaremos com as realidades virtuais e aumentadas. O que influencia nosso comportamento é o ambiente. Quando existe uma adaptação a esse ambiente, agimos de acordo com ele. Precisamos adaptar, saber incorporar beneficamente e, por isso, não é uma bobagem discutir se a realidade virtual irá enfraquecer nosso cérebro ou não, e é a filosofia — de novo — que nos diz isso.

Existe um problema ético muito grande com todas essas invenções, porque elas trazem benefícios enormes, mas também podem causar problemas. Tanto a realidade virtual como a realidade aumentada nos trazem a possibilidade de tratamentos clínicos que são de grande valor e que podem melhorar a vida de muita gente. Transtorno do stress pós-traumático e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) são dois tipos de transtornos que podem ser tratados com seu auxílio, diminuindo o sofrimento do paciente. Outro exemplo são os óculos de realidade aumentada que vêm sendo desenvolvidos para auxiliar no tratamento de autismo, a fim de permitir que os pacientes treinem sua sociabilidade. Com a realidade aumentada, é possível se preparar para a situação real. Assim, de alguma forma, o cérebro do paciente pode até mudar.

As realidades aumentadas também podem ser usadas para treinamento de habilidades emocionais, o que, na verdade, todos nós precisamos, dado que nosso cérebro se encontra quase igual ao que era há milhares de anos, quando nos relacionávamos em grupos de 50, 70, no máximo 150 pessoas. Hoje, em ambientes urbanos, nos relacionamos com centenas de pessoas, fora os relacionamentos virtuais.

Junto com todas essas benesses, no entanto, podem existir problemas — que, na verdade, são sempre os mesmos, só mudam de plataforma. Quando vamos a uma festa, podemos invariavelmente encontrar uma pessoa de quem não gostamos e, se não nos controlarmos, podemos ter uma atitude impulsiva ou agressiva. Nas redes sociais — Facebook, Twitter, entre outras — também precisamos ter esse controle. A empatia é mais fácil quando estamos cara a cara, diante da pessoa, e então nos controlamos. Quando estamos separados por uma tela de celular ou de computador, isso fica mais complicado.

Quando o telefone foi inventado, também existiu uma fase de adaptação muito grande por causa da perda de contato visual. Grande parte do nosso feedback é visual, e quando falamos ao telefone, perdemos parte disso, mesmo ainda tendo a voz. Em uma plataforma onde só existe a escrita, perde-se muito mais. É mais difícil sermos mediados pela escrita. É só observar como as pessoas se agridem no ambiente virtual. É uma questão psicológica e fisiológica, e é por isso que hoje se fala muito de treinamento empático, comunicação não violenta, treinamento de habilidades socioemocionais. O cuidado que devemos ter reside na consciência de que não temos o feedback do olhar nem da escuta e, portanto, precisamos nos adaptar, controlar nossos impulsos agressivos, pois esse tipo de comunicação veio para ficar.

Creio que, com o excesso de informação vindo da internet, o maior desafio do nosso tempo é educar nossos filhos. É difícil chegar a um meio-termo: não podemos deixar que eles fiquem no mundo virtual por muito tempo, mas também não podemos proibir que tenham contato com esse mundo. E aí existe um outro problema. A tecnologia é muito mais sedutora, e as crianças podem aprender muito mais com ela do que nas escolas, que estão muito distantes disso tudo. Os métodos educacionais que existem hoje ainda são iguais aos do século XIX. As escolas precisam se adaptar a essa nova realidade e, inclusive, rever todo o sistema educacional, porque ele simplesmente não funciona mais.

Com a internet, pelo menos no jornalismo, deveríamos ser muito menos manipulados ao receber informações do que éramos pela TV, quando existiam poucos canais e éramos controlados muito mais facilmente. Isso é muito mais difícil com a internet, pois o acesso à informação é infinitamente maior, mas ao mesmo tempo é preciso conhecimento para saber como buscar e filtrar esse mundo de informações. No final, sempre caímos na educação.

A nossa cultura evolui no sentido positivo, e muito mais rapidamente que a nossa evolução biológica. Já melhoramos bastante — eu, por exemplo, não gostaria de ter nascido na Idade Média —, mas precisamos tomar cuidado para continuar fazendo essas adaptações com qualidade e consciência. Precisamos, cada vez mais, nos preocupar com o todo, porque a nossa espécie é perigosa: já destruímos muita vida no planeta. Talvez agora seja o momento de perceber — e a internet pode ajudar muito — que precisamos nos preocupar com quem está do nosso lado, e com a sociedade como um todo. É uma busca por tentar entender e respeitar o outro, mesmo que você não compreenda ou não compartilhe do seu pensamento. É, enfim, uma busca pela ética. A internet é muito nova, as redes sociais são muito novas. Talvez estejamos só passando por um movimento de “novidade”, onde muitas coisas aparecem e tomam forma, e precisamos nos adaptar a elas.

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No dia 9 de novembro de 2016, algo impensável até pouco tempo antes aconteceu. Donald Trump foi eleito o 45º presidente dos Estados Unidos. Este 9/11 foi considerado por muitos a maior tragédia americana desde o 11/9, quinze anos antes. Choque. Como uma nação tão “desenvolvida” pôde ter escolhido como seu líder alguém com valores tão ultrapassados? Com uma campanha marcada por extremos de xenofobia, nacionalismo, racismo e misoginia? Para muita gente, a eleição de Trump simboliza que o mundo está andando para trás. Que há uma guinada conservadora vindo com força total. Ou que chegamos ao fundo do poço. Será mesmo? Será que o fenômeno Trump não pode ser visto como o canto do cisne de uma minoria da população americana que não quer se adaptar à realidade do século XXI?

A expressão “o canto do cisne” é uma metáfora que se refere geralmente à última tentativa de fazer algo grandioso por parte de uma pessoa antes de sua morte. Dizia uma antiga lenda que o cisne branco passava a vida emitindo barulhos sem graça e só quando percebia a morte chegando cantava algo digno de nota. Não terá sido a eleição de Trump uma última chance de fazer barulho — antes de morrer — de uma minoria xenófoba, nacionalista, racista e misógina?

Mas, espera um pouco, como assim minoria? Ele não foi eleito pela maioria da população americana? Bem, Trump teve 63 milhões de votos. Hillary teve 66 milhões, o mesmo que Obama em 2012. Mas Trump ganhou nos estados decisivos para o colégio eleitoral americano, por isso foi eleito. Só esse dado já mostra que ele não foi escolhido pela maioria. Mas dá para ir além. Os Estados Unidos têm uma população de 320 milhões de pessoas. Portanto, Trump recebeu apoio de 20% dos americanos. Vinte por cento!

Ou seja, apenas um em cada cinco americanos demonstrou apoio a Trump com seu voto, mas eles tinham muito mais motivação para ir às urnas do que os 90 milhões de eleitores que decidiram ficar em casa. E o que os motivou tanto? Medo. Insegurança. Desespero. Preconceito. Os eleitores de Trump se iludiram com a ideia do “Make America great again”. Xô, muçulmanos! Vade retro, mexicanos! Lugar de preto é na cadeia, não na presidência, e de mulher é na cozinha, não na Casa Branca.

Ó, Senhor, dai de volta a América para os americanos! Infelizmente, para os trumpistas, a humanidade só anda para frente, apesar dos solavancos pelo caminho.

Não, as mulheres não vão voltar para a cozinha. As mulheres não só estão presentes em massa em todas as universidades, mas agora estão exigindo ser tratadas com o respeito devido — homens que adotam o “grab them by the pussy” não passarão. Em 2016, uma mulher teve um total de votos para presidente maior do que qualquer candidato branco na história, só perdendo para Obama em 2008. Outra é presidente do FMI. São mulheres as CEOs de ícones empresariais como HP, IBM, Yahoo. O abuso contra mulheres no meio empresarial é cada vez menos aceito. A empresa-sensação Uber tem colhido sérios danos à sua imagem pelo modo como trata as mulheres nos seus quadros. Exemplos de abuso no Vale do Silício têm levado a uma contínua reflexão e a ações para minimizar esse tipo de violência. Roger Ailes, fundador da Fox News — a TV americana em grande parte responsável por difundir o pensamento retrógrado por trás da eleição de Trump — foi afastado da empresa após um escândalo de assédio sexual com uma apresentadora. Grandes estrelas da TV estão percebendo que não têm licença para abusar só porque são famosos — Bill Cosby está prestes a ser julgado e provavelmente condenado à prisão.

Outra coisa que faz o cisne cantar: o mundo dos negócios não está colaborando para que as coisas importantes da “América” estejam nas mãos de americanos (de bem). Das três maiores empresas americanas, Google e Microsoft são conduzidas por executivos imigrantes da Índia. E a maior delas, a Apple, tem um CEO assumidamente gay. Oh, Lord! Pior do que isso só mesmo outro ícone do capitalismo americano, a Pepsi, que é comandada por uma mulher indiana…

Falando em ícones, dois dos mais famosos prédios de Nova York, Chrysler Building e The Plaza, estão em mãos estrangeiras. O primeiro é de um fundo de Abu Dhabi. O segundo, que foi comprado por Donald Trump em 1988, já foi repassado por ele para investidores árabes e agora é propriedade de um grupo indiano. Shame on you, Trump, por não ter achado um comprador local! E o que dizer de marcas que são a quintessência do American way of life, como Budweiser, Burger King e Heinz? Estão todas nas mãos atrevidas de um grupo comandado por (argh) brasileiros… O mundo está mesmo de cabeça para baixo. Alguém nos acorde desse pesadelo de ter um negro que nem americano é como presidente? In Trump we Trust.

Mas, afinal, quem é que confia(va) no Trump para ser o leader of the free world? Nem os próprios líderes do partido republicano queriam sua candidatura — e esses mesmos políticos com um mínimo de bom-senso já estão fazendo fortes críticas a Trump nesse início de mandato. As principais cidades americanas, como Nova York, Chicago e San Francisco, estão desafiando as ações de Trump contra os imigrantes e reforçando seu papel de cidades-santuário onde os infiéis estão a salvo das garras da Inquisição Federal.

Quem botou fé e assinou embaixo dos planos sectários de Donald Trump foram as pessoas brancas, mais velhas, menos educadas, das cidades pequenas e áreas rurais dos EUA. E elas precisavam aproveitar essa chance. Era agora ou nunca. Já em 2020, com ou sem muro, a proporção de latinos entre os eleitores crescerá, os mais velhos morrerão, um novo contingente de jovens votará pela primeira vez. Trump dificilmente seria eleito com a população americana de 2020, e dificilmente será reeleito — se chegar até lá. O canto do cisne tem prazo de validade. Então é bom tuitar, digo, cantar bem alto, quanto mais ofensivo melhor.

Ao comentar os inúmeros absurdos ditos por Trump durante a campanha, o republicano de carteirinha Clint Eastwood minimizou seu conteúdo, dizendo algo como “quando eu cresci, falar essas coisas não era considerado racista”. Claro, Clint. Quando você cresceu, existiam escolas, banheiros e ônibus SEPARADOS para brancos e negros. O casamento entre pessoas de “raças” diferentes era PROIBIDO por lei. Se você não evoluiu, Clint, azar o seu. Isso não se chama ditadura do politicamente correto, como você pensa; isso se chama progresso. Olhando the big picture, como dizem por aí, nós estamos evoluindo como raça — a raça humana.

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Sempre me vi como um artista trágico, mas esse é um lugar-comum para quem procura coisas numa cidade que não nega variados níveis de violência. No entanto, conforme avanço nas minhas pesquisas urbanas, me pego desenhando florzinhas.



Essa atividade aparentemente pacata se dá por estudar a cidade do ponto de vista de um naturalista, explorando a paisagem e plantas, que, todos sabem, não têm voz nem olhos, mas se comunicam de forma lenta e sutil com quem tem a disposição de desacelerar-se das rotinas cotidianas.

Engana-se quem imagina uma busca pela harmonia e pelo murmúrio apaziguador. As plantas urbanas, em geral, costumam gritar alto.

Faz dois anos que estou à frente do projeto Cerrado Infinito, um trabalho de arte que consiste em descolonizar a paisagem vegetal da cidade por meio da construção de uma trilha de terra, onde planto, nas suas margens, espécies dos Campos de Piratininga, a paisagem de cerrado onde São Paulo se desenvolveu.

As plantas sobrevivem esparsas pela cidade, encontradas em condições de alta vulnerabilidade, e são coletadas e agrupadas para recriar essa paisagem esquecida. O processo é semanal, contínuo e aberto, feito com a colaboração de uma comunidade de pessoas que se formou ao redor, disposta a ajudar a plantar, semear e pensar por que substituímos 95% da nossa vegetação por espécies estrangeiras.

A descolonização sugerida vai além da dimensão material. Ao criar o local, desenvolvemos relações de intimidade com essas plantas, ressignificando e tomando conhecimento do chão onde vivemos e do processo de desenvolvimento que escolhemos ter.

É uma mudança de percepção que ocorre lentamente e que se torna explícita ao promover piqueniques aleatórios chamados de Descolonization!, onde fazemos associações artísticas, compartilhamos memórias, histórias e culturas mortas, pensando junto a importância do cerrado.

O Cerrado Infinito se torna, então, um processo de subversão do urbanismo que devolve ao território o estado de terreno baldio de onde as plantas vieram, zelando pela sua inutilidade, para que nada mais seja construído ali. Na cidade que não para de acelerar, comandada pela especulação imobiliária, o assunto tem um papel central se quisermos repensar o país.

Exagero? Poderíamos começar pelo básico: sem cerrado não teremos água, mas, como o nome do projeto diz, são assuntos infinitos que não cabem aqui e que são melhor entendidos visitando as plantas, ajudando na terra, tomando sol e batendo papo. Ou simplesmente desenhando flores.

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Desde o início da computação nos anos 1950 e 1960, diversos artistas vêm realizando experimentos com computadores. Foi nessa época que surgiram as primeiras obras de arte computacional pelas mãos de pioneiros como Frieder Nake, Michael Noll e o brasileiro Waldemar Cordeiro.

Recentemente, a arte computacional vem tomando novas formas nas obras de artistas como Casey Reas, Golan Levin, Aaron Koblin e dos brasileiros Jarbas Jácome e Fabrizio Poltronieri, dentre outros. Esses artistas usam o software como material artístico e as linguagens de programação são seu instrumento de trabalho. Enquanto um pintor cria com tela, pincel e tinta, por exemplo, esses artistas produzem arte com software.

A computação e, consequentemente, o software se expandiram, desde seu surgimento, de maneira a permear diversos aspectos das nossas vidas. Até aqueles que não estão incluídos no mundo digital (por diferentes motivos) são influenciados pelo software, mesmo que de maneira indireta, pois ele está presente no funcionamento da sociedade — no governo, na logística da circulação de produtos, nos mercados de ações, no entretenimento, na comunicação e em tantos outros setores. Vivemos no que Lev Manovich chama de Sociedade do Software. Todavia, nossa interação com o software se dá, na maior parte do tempo, nos smartphones e nos computadores por meio de interfaces que escondem o código-fonte. Assim, nos tornamos apertadores de botões dos diversos dispositivos que alguns poucos sabem como programar.

Contudo, diversos pesquisadores têm procurado, desde o início da computação, criar interfaces, ferramentas e linguagens para tornar a programação mais simples e levá-la para além dos limites da engenharia, facilitando o uso e o aprendizado para pessoas de idades e formações diversas, inclusive artistas. Algumas dessas iniciativas são o Max, o Pure Data, o Processing e o Arduino. Na década de 1980, surgiu o Max, muito usado para composição musical e, principalmente, para performances ao vivo. Na década de 1990, foi lançado o Pure Data, uma versão open source do Max. Em 2001, surgiu a linguagem Processing, destinada às artes visuais. Em 2005, foi lançado o Arduino, um microcontrolador projetado para a programação de interação física entre o ambiente e o computador e muito utilizado em instalações artísticas.

Apesar de o software ser inerente a toda arte produzida ou reproduzida digitalmente, ele é comumente esquecido como um material artístico e um fator na estética da obra. Segundo Cramer e Gabriel, isso acontece devido à progressão do uso dos computadores, que passaram de máquinas acessíveis apenas aos programadores a interfaces gráficas onde se camufla o código que está realmente operando o computador.

Há, no entanto, artistas que trabalham diretamente com linguagens de programação, utilizando o código-fonte como material artístico. E as linguagens que surgiram com o objetivo de facilitar a programação nas artes são muito usadas por esses artistas e por estudantes de arte e tecnologia. Esse tipo de artista que não utiliza somente ferramentas prontas, mas que trabalha diretamente no algoritmo da arte computacional, pode ser chamado de artista-programador. Pensar que um artista é capaz de ser também programador pode, por vezes, causar um estranhamento ou soar como um conceito inusitado. Por que a necessidade de denominá-lo artista-programador e não somente artista, colocando ênfase na técnica utilizada? Uma chave para essa questão pode estar nos conceitos de técnica e tecnologia.

A palavra técnica tem sua raiz na palavra grega téchne, que significa técnica, arte ou ofício. Os gregos não faziam distinção entre arte e técnica. Um escultor ou um sapateiro tinham uma téchne. Já a palavra tecnologia surgiu na combinação dos conceitos de téchne e lógos, que significa racionalidade. Pode ser compreendida, então, como a sistematização de um ofício ou de uma técnica. Esse conceito tem relação com a Revolução Industrial e a produção capitalista, quando técnicas começaram a ser aplicadas com o objetivo de gerar resultados em larga escala.

Sabemos, portanto, com base no conceito de téchne, que nem sempre arte e técnica foram tratadas como conceitos apartados. A separação entre elas está muito atrelada ao surgimento da visão romântica do artista no final do século 18. No romantismo, a arte passou a se referir à subjetividade e à vida interior, enquanto que a técnica passou a ser percebida como mecânica e objetiva. Com uma visão de mundo centrada no indivíduo, nas emoções subjetivas, no sonho e na fantasia, o conceito romântico da arte se opunha à racionalidade e à objetividade. Essa dicotomia tem reflexos até hoje. Não é raro o pensamento de que um engenheiro não tem habilidade para a arte ou de que um artista não sabe matemática. De acordo com Cramer, a separação entre o que é técnico e o que é a inteligência humana subjetiva, ou entre o “gênio” e o “engenheiro”, abriu caminho para as controvérsias que ainda persistem sobre a arte e até que ponto ela pode ser formalizada e automatizada. Daí o estranhamento que pode ocorrer em relação ao conceito de artista-programador, esse artista que domina tanto a estética quanto a técnica computacional.

Um exemplo interessante do século 16 para pensar sobre como a criação de arte e o domínio de técnicas que atualmente pertenceriam ao campo das Ciências Exatas podem estar conectados são os perspectógrafos de Albrecht Dürer, máquinas para facilitar a percepção da perspectiva. Dürer começou a estudar pintura artística aos quinze anos e interessado pelos fundamentos teóricos da arte, dedicou-se também a pesquisar ótica e matemática. Após dominar esses conhecimentos, criou os perspectógrafos com o objetivo de facilitar o aprendizado da perspectiva por artesãos e artistas na Alemanha.

Outro artista que pode nos ajudar a compreender esse universo é o poeta brasileiro Erthos Albino de Souza. Erthos era engenheiro da Petrobrás quando os computadores chegaram ao Brasil e logo se especializou em operar as novas máquinas. Parte do movimento da poesia concreta, na década de 1970, editor da revista Código, Erthos foi um poeta experimentador e para isso utilizava o seu instrumento de trabalho: o computador.

Harold Cohen foi outro artista-programador que trabalhou com computação desde a década de 1970. Cohen criou no início da sua carreira o programa AARON, que utiliza princípios de inteligência artificial para pintar. Cohen programou o AARON para desenhar diferentes formas, desde abstrações até formas figurativas, como elementos naturais e humanos. Foi a parceria entre AARON e Cohen, por quatro décadas, que deu origem à obra do artista.

A arte feita em software levanta questões importantes sobre a automatização da criação artística. Esse tipo de produção traz à tona a tensão gerada por essa relação criativa entre homem e máquina. Uma parte do processo o artista domina, mas outra parte a máquina realiza “independentemente”. A automatização do processo artístico acaba despertando questionamentos sobre a validade da obra de arte e também sobre a sua autoria.

Em 2015, o Google lançou o Deep Dream, um software que utiliza redes neurais para gerar imagens a partir de outras imagens e que acabou provocando uma discussão sobre automatização computacional e arte. Alguns artistas utilizaram a nova técnica na sua produção, como é o caso de Alexander Mordvintsev, que expôs seu trabalho na exposição Deep Dream: the art of neural networks, que aconteceu em 2016 em São Francisco. Na medida em que a computação avança na direção da automatização, com machine learning e inteligência artificial, essa discussão tende a ficar mais acirrada. Se o computador produz a arte, quem a criou? Pode o computador se tornar o artista? Pode a criatividade ser automatizada? Ficamos por agora somente com as perguntas. E produzindo arte.

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O inventor do futuro

por Willian Silveira

“Por mais distância que corras,
por mais dias que passem,
do teu coração não conseguirás
escapar.”


Tabu, Miguel Gomes

Estamos no futuro. A Los Angeles de 2019 nasceu do livro Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? (1968), mas tornou-se popular a partir da adaptação de Ridley Scott para o cinema, em 1982. Blade Runner se cristalizou no imaginário do público ao dar contornos para um medo abafado durante o século XX. E se a aposta cega em tecnologia não nos guiar para um futuro melhor? E se perdermos o controle, como sugeriu Mary Shelley em Frankenstein, e nos tornarmos reféns das próprias criações? E se, quem sabe, o progresso irrestrito nos impuser uma realidade da qual seja impossível retornar?

A ficção científica é a arte de perguntar “e se” e nos entregar respostas improváveis. Neste campo, Philip K. Dick foi a mente mais pródiga por trás das especulações do que a realidade poderia ser. Dick nasceu em Chicago, em 1928. Aos quatro anos, os pais se separaram e ele foi morar com a mãe, em Berkeley. Estimulado pelo ambiente intelectual, o menino passava tardes inteiras ao som de música clássica, trilha perfeita para acompanhar os enredos de Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft. Tímido e pouco sociável, nas raras vezes em que era visto fora de casa se poderia apostar que estava a caminho do trabalho, em uma loja de discos, ou da Faculdade de Filosofia. Suportaria a vaidade acadêmica por um semestre, fato que lhe renderia a imagem de figura peculiar. Digamos que os EUA dos anos 40, com toda a paranoia comunista, não era o país mais adequado para quem se distanciasse do sonho americano. Criado em um lar não tradicional, Dick ficou conhecido como o jovem excêntrico que largou os estudos para vender discos e passar as noites escrevendo. Havia boatos de que escrevia ficção científica.

Depois de anos como escritor lado B, sobrevivendo às custas da esposa, Androides se tornou o principal título de uma fase fértil e vigorosa. Ainda que não tenha lhe rendido fama, a publicação lhe propiciou alguma dignidade. O livro arquiteta uma distopia muito bem transposta em Blade Runner. Na trama, Los Angeles deixara de ser a cidade ensolarada para se transformar em um lugar soturno, em que a chuva e a noite são as únicas certezas. Os carros ocupam o céu e letreiros de neon gigantes guiam habitantes desnorteados por ruas sujas e apertadas. Todos os idiomas são aceitos na Babel pós-bíblica e pré-apocalíptica. Neste urbanismo opressor, conheceremos Rick Deckard, um policial que volta à ativa para ganhar dinheiro a fim de trocar a sua ovelha elétrica por um animal de estimação de verdade. Para isso, precisa eliminar os androides que fugiram do novo planeta habitado pelos humanos.

A literatura de Dick chama atenção porque suas elucubrações não são meros rompantes de engenhosidade. Por trás de temas que abordam governos autoritários, o monopólio das corporações, universos paralelos e alterações de consciência, reside o interesse pela sociedade e a preocupação genuína pela natureza humana. Escrever sobre mundos semirreais foi a maneira de denunciar que operamos em uma realidade pré-programada, que vivemos em um mundo falso. Teoria menos acessível, porém similar à ideia platônica das sombras. O que era luz, no mito da caverna, assume para Dick a configuração de uma realidade paralela, a qual somente acessamos a partir de um ação que rompa o automatismo diário. Se Walter Benjamin denunciava a perda da experiência nas sociedades de massa, Philip irá além. A convicção do caráter invasivo da tecnologia lhe permitiu hipóteses nas quais o progresso não apenas artificializaria a experiência como também turvaria as características que nos identificam como seres humanos — inteligência, sentimentos e empatia.

Dick costumava repetir uma fábula que lhe fora contada na infância. A história trata de um casal de camponeses que recebe de um gênio três desejos. A aparição inusitada desorienta o casal, tornando o primeiro pedido um desastre. Como reparo, utilizam o segundo desejo, que corrige o primeiro mas causa novo problema. E assim sucessivamente. Dick contava a passagem com empolgação, pois no centro dela encontra-se a sua visão sobre o progresso. Assim como o casal, também parecemos despreparados.

Ex-Machina. de Alex Garland (2014)

Adentrada a carcaça futurista, Blade Runner apresenta uma reflexão antecipada por Dick 50 anos antes de filmes como Ela (2014) e Ex Machina (2015). Os debates sobre o que é ser humano e os limites entre homem e máquina circundam o protagonista, um sujeito perdido que tem de aniquilar robôs tão ou mais humanos do que ele. Avançamos convictos, sem considerar o paradoxo de que os homens são desnecessários em um mundo pós-humano. Diferentemente dos heróis de outrora, Deckard precisa salvar a humanidade dela mesma. O que se destaca na missão é a capacidade do policial de duvidar dos próprios méritos. Afinal, a paixão do protagonista de Ela por um robô é falha dele ou defeito da máquina?

Philip K. Dick nos revela um futuro no qual não se fala em avanço. Avançar é o destino dos que sabem para onde vão, e esse não parece o nosso caso. Progredir é pensar uma tecnologia que antes de nos prometer um mundo melhor, um lugar perfeito e correto, nos permita acesso a uma realidade não automatizada. E será nesse instante, nesse futuro, que nos depararemos com os nossos medos e limitações pela primeira vez — e os aceitaremos.

Ela, de Spike Jonze (2013)
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As milhares de partidas de tênis profissional jogadas entre 2009 e 2015, dos challengers aos quatro Grand Slam anuais, seguiram a cobertura tradicional da imprensa: entrevistas pré-jogo, transmissões ao vivo, compactos dos melhores momentos e coletiva com ganhadores e perdedores. Esse método de cobertura destacou histórias que seguiam mais ou menos os scripts padrão de narrativa de qualquer esporte: a vitória que levava ao título, a derrota no momento errado, um renascimento após anos de dificuldades…

Havia, porém, outro ponto de vista jornalístico que só foi explorado anos depois, quando os troféus acumulavam poeira e alguns atletas já tinham se aposentado. Uma análise dos dados sobre as apostas em mais de 26 mil partidas, feito em conjunto pelo BuzzFeed e pela BBC, mostrou que 15 tenistas profissionais, todos classificados entre os 50 melhores do mundo, perderam partidas nas quais eram apontados como amplos favoritos à vitória nas casas de apostas com uma frequência suspeita.

No lugar de microfones, gravadores e máquinas fotográficas, a equipe por trás da descoberta fez jornalismo usando a linguagem de programação Python e estatística. O levantamento, publicado em janeiro de 2016, coletou dados de sete casas de apostas e criou um banco de dados cruzando as chances de cada tenista ganhar o jogo segundo as apostas e o resultado final da partida.

O que se buscava eram partidas onde o volume de apostas no provável perdedor crescia espantosamente nas horas anteriores à bolinha quicar e o amplo favorito acabava derrotado. Perder um ou outro jogo quando as apostas são altas a seu favor acontece. Derrotas regulares, porém, fazem as autoridades farejarem a ação da máfia das apostas. Os grupos, concentrados na Rússia e na Itália, oferecem uma quantia na casa das dezenas de milhares de dólares para que um jogador perca sua partida para, depois, embolsarem muito mais nas casas de apostas.

O material desengatilhou respostas raivosas de figuronas do tênis, como atletas aposentados e cartolas incomodados, e governantes prometeram investigações.

Entre centenas de outras reportagens baseadas em dados, o que chama atenção sobre a investigação envolvendo o tênis é que o furo jornalístico estava ali há anos na cara de todos, enterrado debaixo de uma montanha de números. Há também uma mudança de método. Além da reportagem, os veículos publicaram os dados brutos e o algoritmo criado para chegar à lista dos suspeitos. Você vê jornais e revistas publicando a íntegra da entrevista?

Interpretar dados para obter um entendimento mais profundo de algum assunto não é um conceito novo. Em 1854, o médico John Snow inaugurou, sem saber, o que chamamos hoje de visualização de dados, ao mapear os casos de cólera de um bairro e descobrir que todos se concentravam ao redor de bombas de água. No jornalismo, o norte-americano Bill Dedman já usava computadores em 1988 para descobrir como bancos não emprestavam dinheiro para negros na premiada série Color of money.

Hoje, filtrar, visualizar e processar dados se tornou uma tarefa rotineira em redações pelo mundo. O Brasil ainda está atrás dos Estados Unidos e da Inglaterra, por exemplo, mas tem alguns bons exemplos, como o Estadão Dados, responsável por descobrir no banco de dados do IPTU de São Paulo que o presidente Michel Temer repassou ao nome do filho de 7 anos um conjunto de escritórios avaliado em R$ 2 milhões. O arquivo do IPTU, divulgado pela gestão Fernando Haddad, tem 1 GB. Boa sorte ao tentar abri-lo com um editor de planilhas gráfico, como o Excel. Para manipulá-lo, é preciso escrever um algoritmo. O mesmo se aplica aos dados com os gastos do Governo Federal publicados mensalmente no Portal da Transparência. Cada ano de informações ocupa cerca de 3 GB. Imagine quantos furos não estão enterrados ali.

Com o aumento no número de bancos de dados públicos disponíveis para acesso da sociedade civil (com alguns problemas, a Lei de Acesso à Informação completou 5 anos em maio), a habilidade de “mergulhar” nos dados e trazer à tona informações jornalisticamente relevantes tende a se tornar ainda mais relevante. Isso exigirá um grande número de jornalistas com conhecimentos técnicos muito específicos, como criar algoritmos. Nos EUA, já existem cursos dedicados a ensinar jornalismo a programadores e vice-versa. No Brasil, os interessados ainda são obrigados a fazer uma espécie de autoeducação com livros, vídeo-aulas e a generosidade de programadores.

Há quem defenda que o jornalismo de dados abrirá espaço para um novo perfil de jornalista, ocupado em vasculhar gigabytes atrás de furos. O argumento, porém, tem suas falhas, e a investigação sobre o tênis é um ótimo exemplo. A inteligência por trás dos dados corroborou uma apuração feita pelos métodos “tradicionais” de jornalismo, como entrevistas e levantamento de documentos. É algo que Paul Steiger, fundador do ProPublica, definiu muito bem: “os dados são só o começo. Você precisa gastar a sola do sapato apurando para encontrar a história humana por trás das estatísticas”.

No fim das contas, o jornalismo de dados não se propõe a substituir o jornalismo de letras. É, na verdade, uma ferramenta a mais na caixa que todo jornalista carrega para apurar seus fatos, contradizer as histórias e descrever o que encontrou para o leitor. O objetivo do jornalista continua o mesmo.

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O que faz de nós humanos? Serão os sentimentos e as emoções a expressão máxima de humanidade? Para além da racionalidade, somos capazes de sentir. Vivemos as primaveras, desejamos tomar banho de mar no verão, ou um chocolate quente no inverno. Estabelecemos relações com aqueles que queremos por perto, e também com aqueles que não queremos. Somos marcados pelos sinais do tempo, guardamos memórias (sejam elas quais forem) e experimentamos a solidão, o ápice do sentimentalismo humano que jamais poderá ser experimentado por qualquer inteligência artificial.

Muitas são as reflexões acerca da vida moderna — o que explica o grande número de espectadores das séries britânicas Black Mirror e Humans, assim como do sensível e premiado filme Ela, de Spike Jonze. Queremos saber até onde somos capazes de chegar no modo como nos relacionamos com a tecnologia e seus desdobramentos em nossa vida. O que diria Freud, a partir de seus estudos sobre a eterna “incompletude do Eu”, diante dos decorrentes avanços tecnológicos? Os robôs se tornarão nossos companheiros de metrô? Sistemas operacionais serão bons conselheiros de madrugada? Em 2015, a loja de departamento Mitsukoshi, em Tóquio, recebeu uma funcionária extremamente eficiente, mas com uma peculiaridade incomum. Seu nome era Aiko Chihira, recém-chegada de Kawasaki, uma cidade ao sul da capital japonesa.

Três dias após sua chegada à loja, em uma quinta-feira chuvosa, muitos curiosos pararam por alguns minutos para observar Chihira exercendo sua função. A maioria pareceu silenciosamente instigada e impressionada com seus traços e seus detalhes, com a coloração de seu rosto e seus finos contornos naturais, além da textura de sua pele, que mais parecia um pêssego. Mas em pouco tempo o interesse se tornava uma repulsa e os clientes viravam-se para trás e procuravam se afastar de Chihira.

O que distinguia Chihira de seus outros companheiros de serviço, além de sua inaptidão interpessoal e de seu hall de habilidades meramente curriculares, era sua aparência humanoide. Vestida em um quimono com tradicionais sandálias japonesas, Chihira foi criada para se assemelhar a uma mulher japonesa de 30 anos.

Os detalhes em seu rosto e nas mãos eram impecáveis. De longe, certamente seria possível confundi-la com um humano. Mas, assim que começava a se mover, ela era rapidamente identificada como uma máquina. Suas poucas dezenas de motores tornavam seus movimentos distintamente mecânicos. Sua cabeça e seu tronco giravam para a direita e a esquerda (ela também podia se curvar) e seus braços pareciam deslizar em movimentos pontuais e definidos.

Funcionária incansável, Chihira recitava um discurso preciso e bastante informativo sobre Mitsukoshi, a imensa loja de departamento. No entanto, de acordo com os outros funcionários, ela tinha um grande defeito: era incapaz de escutar.

De fato, Chihira era fluente em japonês, dominava inclusive a linguagem de libras nesse idioma, e ainda assim as perguntas dos clientes eram ignoradas. Na realidade, seus ouvidos, habilidosamente esculpidos como os de humanos, não respondiam. Ainda que soubesse falar e cantar em mais de uma língua, Aiko Chihira era um robô humanoide de tamanho humano real, mas incapaz de conversar — o que ocasionou sua mudança de departamento pouco tempo depois.

Chihira foi transferida para uma vitrine no sétimo andar da loja. Só os clientes que tinham paciência de passear até o último andar paravam para escutar Chihira tagarelar lá em cima.

A funcionária ainda não estava pronta para assumir os empregos das bio-unidades ao redor dela. Pelo contrário, ela e seus congêneres ainda geram muitos empregos para programadores, engenheiros, designers e guias ou acompanhantes humanos.

Robôs trabalhando ao lado de pessoas não são exatamente uma novidade. Em nossa realidade paralela/virtual, conversamos diariamente com máquinas, já estamos familiarizados com isso. Sabemos da importância dos avanços tecnológicos e rapidamente absorvemos tais avanços, que sempre nos confortam com algum tipo de facilidade. Como não ser grato a Siri, fiel escudeira e sempre disposta a nos atender?

Ocorre que a inquietude humana, tão presente em nossa essência, desafia cientistas do campo da robótica a buscarem a perfeição na reprodução (tecnológica) do ser humano. Os robôs contemporâneos ganharam aparências realistas e articulações corporais muito parecidas às do homem mortal.

Certamente o caminho ainda parece longo até que os primos de “carne e osso” do C-3PO (icônico personagem androide de Star Wars) sejam confundidos com um humano vivo em ação. No meio desse caminho existe um vale, muito observado e discutido por cientistas, que é o chamado Uncanny Valley (Vale da Estranheza).

Em 1970, o cientista japonês Masahiro Mori propôs uma teoria que identificava um aumento da nossa repulsa por robôs à medida que eles se tornam mais semelhantes aos humanos. Qualquer coisa com uma aparência altamente humana pode estar sujeita ao efeito do “Vale da estranheza”, mas os exemplos mais comuns são androides, personagens de jogos de computador e bonecos de vida.

Embora o efeito seja fácil de descrever, é muito difícil pesquisar um conceito tão circular e subjetivo. Cientistas e sociólogos estão envolvidos em um debate constante sobre as causas do Vale da Estranheza. Três conclusões sobre o efeito são perceptíveis ao entrarmos em contato com pesquisas sobre o assunto:

1. O efeito do Vale da Estranheza pode ocorrer no limite em que algo se move de uma categoria para outra — neste caso, entre robôs e humanos. As pesquisadoras Christine Looser e Thalia Wheatley olharam rostos de manequins que se transformavam em rostos humanos e encontraram o efeito de repulsa no momento em que o rosto inanimado começava a parecer vivo.

2. A sensação de repulsa está relacionada à nossa crença de que criaturas quase humanas possuem uma mente, como nós. Um estudo dos cientistas Kurt Gray e Daniel Wegner descobriu que os robôs causavam estranheza apenas quando as pessoas pensavam que eles tinham, assim como nós, a capacidade de sentir e experimentar as coisas.

3. O fenômeno do Vale da Estranheza ocorre devido a um desajuste em aspectos da aparência e/ou comportamento do robô, como a sincronização e a velocidade da fala e das expressões faciais. Ao reagir a surpresas, os humanoides mostram reação somente na parte inferior do rosto (não na parte superior), o que lembra o padrão de comportamento expressivo exibido por humanos com traços psicopáticos.

Segundo o cientista Andrew Olney, o contato com robôs pode parecer natural em um primeiro momento, mas os instintos básicos nos afastarão deles. Um androide pode ser quase idêntico a uma pessoa, porém um simples aperto de mão é suficiente para que alguém perceba que o “suposto humano” tem mão de borracha.

Refletir sobre a vida moderna se torna um exercício perturbador quando percebemos nossos próprios comportamentos robóticos e alarmantes, que cabem muito bem no universo ficcional mas, ao mesmo tempo, são muito próximos da realidade em que vivemos: passamos horas usufruindo de redes sociais, entramos em desespero toda vez que nos sentimos desconectados quando acaba a bateria de nossos celulares ou qualquer outro gadget tecnológico, construímos relações virtuais. Criamos máquinas e, às vezes, sem perceber, reproduzimos seus mecanismos. Somos vítimas das nossas próprias invenções.

Enquanto cientistas dedicam seu tempo à missão de recriar a vida humana, alguns humanos exercem condutas de máquinas e, assim, nos encontramos diante de um enorme paradoxo. “Pensamos muito e sentimos pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura”, alertava Charles Chaplin em O Grande Ditador (1940).

Dentro do Vale da Estranheza habitam os nossos mais profundos sentimentos de inconformismo em relação à reprodução da existência humana pela tecnologia. Gostamos do que é de verdade. Chamemos, então, tal fenômeno de Vale da Esperança.

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Tramundo

por Márcio Bulk

“Construir outras paisagens,
outros cenários imaginários,
não somente para encontrar lugares
mas sobretudo para localizar-se.“

Ricardo Basbaum

Tramundo teve início no Natal de 2014. Era para ser apenas uma canção. Meu presente para Jorge. Naquele ano, nós decidimos criar presentes imateriais, guardados apenas pela memória, pelo afeto. A canção, que mais tarde viria a se chamar Desterro, falava sobre a incapacidade de lidar com a saudade da terra natal — a querência — e sobre Nanã, a orixá da lama, da vida e da morte. A música acabou não ficando pronta a tempo. Entretanto, trabalhar com esses temas despertou em mim um desejo imenso de pesquisa e aprofundamento. E o que, a princípio, era uma lembrança, se tornou um longo projeto cujas proporções só agora pude assimilar.

No começo, pensei em criar uma cidade fictícia do interior, localizada no Sul do Brasil e povoada, em sua maioria, por negros de descendência iorubá. Uma terra onde eu pudesse desenvolver narrativas que envolvessem tanto a cultura de matriz africana quanto os arquétipos e fábulas relacionados ao inverno e ao frio. Jorge era do Sul e vivia me contando da importância da comunidade negra em sua terra, Porto Alegre. Entretanto, senti um pouco de desconforto em lidar apenas com o imaginário gaúcho. Por suas especificidades e pelo meu distanciamento, tanto geográfico quanto cultural, decidi que deveria buscar uma nova abordagem. Dessa ideia inicial, trouxe comigo a questão negra e uma vontade um tanto vaga de trabalhar com cenários ermos e frios. Estes últimos me aproximaram dos filmes de Bergman e de seus diretores de fotografia. Desloquei o Rio Grande do Sul para a ilha de Fårö. Suas paisagens foram certamente a principal referência para o tratamento das fotos da Chapada Diamantina que utilizei nas colagens que fiz posteriormente.

Na tentativa de estabelecer um arcabouço para Tramundo, desenvolvi uma cartografia íntima. Na literatura, fui para Manoel de Barros e dele para Hilda Hilst. Dois poetas que, em maior ou menor grau, sempre estiveram presentes em minhas leituras. Foram eles que me permitiram elaborar, nas letras das canções, um atrito constante entre o ordinário e o sublime. Essa dicotomia, esse embate, permeou todo o projeto. Por conta de Barros, cheguei a Guimarães Rosa. Foi um achado. Nunca havia lido seus livros e foi bem difícil entrar em sua escrita. Comecei com Tutameia e me apaixonei por Miguilim e Grande sertão: veredas. Rosa dialogava muito intimamente com as minhas origens: minha família é natural de Itaperuna, interior do Rio de Janeiro, fronteira com Minas Gerais. Além disso, me fazia recordar constantemente de minha avó, Elza, de quem guardo muitas e boas lembranças (mais tarde, escrevi duas canções a seu respeito: Sete-Estrelo e Nazaré das Almas).

Rosa se configurou como uma das maiores referências de Tramundo, se mostrando o guia mais constante e generoso que eu poderia encontrar em meu trajeto. A partir dele, tive a ideia de que a cidadezinha fictícia que havia imaginado inicialmente se tornaria uma síntese de diversos sertões, de um Brasil não litorâneo e, predominantemente, cafuzo.

Iniciei a leitura de autores que pudessem contribuir com minha narrativa negra e caipira, caso de Aires da Mata Machado Filho, Alceu Maynard Araújo, Cléo Martins, José Ramos Tinhorão, Luís da Câmara Cascudo, Reginaldo Prandi, entre outros. Nesse momento, aprofundei mais ainda os meus vínculos com as religiões de matriz africana, voltando a frequentar terreiros e me relacionando mais intimamente com o candomblé. Dessa pesquisa surgiram as letras de Quibungo, Brejo dos Caboclinhos, Tapera do Besouro Menino, Chapada das Cantadeiras, Sumidouro, Estrada do Cabresto, Galo Tucado e Morro do Cafundão.

O Sul, que parecia ter ficado distante de meu imaginário, ressurgiu quando decidi ler Jorge Luis Borges. Inspirado em seus contos e nos pampas argentinos, escrevi Nuestra Señora de La Cochilla. Também foi da literatura hispânica que tirei a ideia do título do projeto: Tramundo, uma corruptela para Trasmundo, seção de poemas de Canciones, de Federico García Lorca.

A ideia de desenvolver uma narrativa alegórica, que já vinha se fazendo presente desde as primeiras escritas, se tornou irrefutável com a leitura de Esopo e Chamisso. Tendo animais, plantas e fenômenos da natureza como personagens principais, escrevi Rocinha dos Gotejos, Choça das Cigarras e Espinheiro Sabiá.

Ao criar uma geografia própria, também optei por um tempo ficcional, amalgamando os anos 1930, 1940 e 1950. Isso fica claro em duas canções: Boca do Mofo e General Euzébio Corriola. Esta última fala sobre a prisão e a tortura de um intelectual mineiro durante o Estado Novo (1937–1945). A temática surgiu por conta do livro Primo Levi, a escrita do trauma, de Lucíola Freitas de Macêdo. Foram os campos de concentração da Segunda Guerra que me conduziram aos presídios de Vargas e à Era de Ouro do Rádio.

Paralelo a leitura e escrita, fui em busca de uma identidade sonora para o disco. Cheguei a ouvir um pouco de música caipira, mas não consegui me identificar completamente, exceto por Pena Branca e Xavantinho, duas figuras monumentais que, desde a minha infância, me causavam encantamento. Meu sertão só começou a ganhar forma quando me debrucei sobre os discos de Elomar, Naná Vasconcelos e, mais adiante, Joni Mitchell e Nick Drake.

Ainda na dúvida se me apropriaria ou não da estética do frio, optei por ouvir Sibelius. Foi durante uma de suas sinfonias que o YouTube se encarregou de me apresentar ao compositor novaiorquino Morton Feldman. Sua música se converteu na mais constante trilha sonora de minha pesquisa: enquanto, na literatura, era arrebatado por Rosa e seu Grande sertão: veredas; na música, ficava aturdido com as peças de piano de Feldman e sua parceria com Joan La Barbara. A procura por uma instrumentação econômica, mas rica em timbres, me levou ao guitarrista Derek Bayley. Tanto ele quanto Feldman foram essenciais para que eu apurasse minha escuta e desse corpo à Tramundo. Foi neste momento que percebi mais claramente que o disco deveria ser um entrecruzamento do cancioneiro popular com a música folclórica, a música erudita e a de improviso.

Em janeiro de 2016, havia finalmente terminado de escrever as 17 letras. Elas foram, então, enviadas para diversos compositores, entre eles alguns amigos e colegas. Assim, surgiram as parcerias com Antonio Loureiro, Bruno Cosentino, Diogo Sili, Fabio Negroni, Filipe Massumi, Joana Queiroz, Luiza Brina, Mario Ferraro, Ná Ozzetti, Pedro Carneiro, Renato Frazão, Thiago Amud e Zé Manoel. Enquanto estes desenvolviam as canções, comecei a dialogar com artistas que viriam a constituir o núcleo duro do projeto, formado por Claudia Castelo Branco, Fred Ferreira, Lívia Nestrovski, Marcos Campello, Mario Ferraro e Zé Manoel.

A partir daí, tratei de desenvolver o material gráfico de Tramundo. Ainda em sua primeira fase, discuti algumas vezes com Jorge a respeito de como me apropriar de paisagens que só tive contato em minha infância. A ideia inicial era fazer uma espécie de deriva pelos sertões do país e registrar essa jornada. Entretanto, a falta de recursos e o meu pânico em viajar com um equipamento fotográfico tão caro me fez desistir dessa ideia. Obrigado a desenvolver um plano B, dei conta que todo o meu trabalho partia de apropriações e de uma sobreposição de narrativas. Jorge havia recém-chegado de uma residência na Chapada Diamantina e, pouco tempo depois, o local foi tomado por uma série de incêndios, se transformando em assunto constante nos telejornais. Fui à procura de registros de turistas que, tendo visitado a região, publicavam suas fotos em sites pessoais ou de turismo. Após seleção e tratamento, iniciei as colagens. Nesse processo, me inspirei em Lewis Baltz e, principalmente, Bergman e Richard Long. Por essa época, reencontrei Daniela e Ricardo, dois amigos que não via há algum tempo. Ricardo estava com um trabalho na Caixa Cultural. Fiquei muito interessado e decidi ler alguns de seus textos. Foi o que me levou a aprofundar a ideia de cartografia, paisagens e mapas. Um outro amigo, Luis, ao vir em minha casa e observar a parede repleta de colagens e anotações, me apresentou ao Atlas Mnemosyne de Warburg. A semelhança com o que eu vinha fazendo me motivou a olhar com mais atenção para dois projetos gráficos que havia desenvolvido anteriormente e que foram recusados: o primeiro, uma série de colagens de negros (em fotos de Augusto Stahl e Alberto Henschel) sobrepostos a mapas; o segundo, um díptico composto por figuras geométricas criadas a partir de cálculos renais e cujo resultado remetia às pinturas de Rubem Valentim. Os dois trabalhos dialogavam bastante com as colagens da Chapada Diamantina e foram incorporados a Tramundo.

Ao agrupar o material gráfico, percebi que o projeto ganhara uma nova dimensão, ou melhor, uma nova narrativa, tão importante quanto a musical. Entendi que, juntamente com o disco, se fazia necessário a publicação de um livro onde fossem incluídos todos esses trabalhos, como uma espécie de arquivo ou atlas que revelaria um outro percurso para Tramundo.

No final de janeiro de 2016, eu e Jorge nos separamos. Faltava uma semana para o Carnaval. As letras já estavam prontas e comecei a enviá-las aos compositores.

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O presente ensaio foi feito a partir de um recorte dos trabalhos de Laura Gorski da exposição Geografias — nosso lugar é caminho, realizada no Sesc Santos. A mostra contou com a curadoria e o texto de Bernardo Mosqueira e envolveu a participação de 7 artistas — Cristina Ataíde, Daniel Caballero, Flavia Mielnik, Helen Faganello, Laura Gorski, Renata Cruz e Renato Leal.

(ao meu amor)

Geografia é a área do conhecimento que estuda a paisagem formada pela relação entre os sistemas de ações ou práticas sociais do humano e o sistema de dispersão de objetos no mundo. Muito além de um conjunto de características morfológicas, a geografia deve ser entendida como a atividade constante de criação de encadeamento lógico sobre a ordem espacial das coisas. É por meio da pesquisa geográfica (na relação entre espaço, sentido e valor, por exemplo) que podemos produzir conceitos para uma teoria social sobre contemporaneidade, de forma a construir, também, a própria transformação do mundo que habitamos.

Tudo o que o humano realiza na superfície da Terra, ou seja, toda expressão da técnica que transforma fisicamente a paisagem a partir da própria paisagem, acontece para atender às necessidades humanas mais fundamentais, como nutrir-se, abrigar-se, relacionar-se, reproduzir-se, movimentar-se, ter consigo objetos úteis, dar sentido a si e às coisas etc. O que podemos encontrar quando examinamos atenciosamente o espaço que o humano construiu ao seu redor? De que forma aquilo que nos cerca está para nos ensinar sobre nós mesmos? A paisagem complexa em que vivemos é resultado de muitas camadas de história sobre o mesmo lugar, de sequências de diferentes relações entre atividade humana e estrutura física do mundo. A geografia escuta as perguntas feitas pela paisagem, composta por suas tantas marcas enigmáticas.

Da perspectiva cultural, a paisagem é justamente onde acontece a mediação entre o mundo das coisas e o da subjetividade humana, é uma “forma de ver”, é o objeto do processo ativo de criação e significação, de “perceber” o mundo.

A presente exposição reúne frutos muito diversos dos encontros entre os sussurros das paisagens de Santos e as pesquisas de um grupo de artistas. Geografias — nosso lugar é caminho é a segunda mostra de uma trilogia iniciada no Sesc Jundiaí em 2016 e que se encerrará em São Paulo em 2018. A palavra “Geografia” (que, sobretudo, é uma ciência moderna, constituída e constituinte da epistemologia hegemônica), em sua presença nos títulos das mostras, serve como metáfora à site-specificity das pesquisas realizadas.

Esse projeto resulta da articulação coletiva entre sete artistas que são atuais membros ou antigos participantes do grupo de estudos do Ateliê Fidalga, conduzido pelos artistas Sandra Cinto e Albano Afonso na capital paulista. O subtítulo da mostra faz referência ao fato de que, entre os meses de dezembro de 2016 e fevereiro de 2017, os artistas organizaram, em parceria com o Sesc e com a participação do público, uma série de caminhadas por diversas regiões da cidade, nas quais puderam praticar formas alternativas (não científicas, não hegemônicas) de criar paisagens e de examinar o espaço urbano.

O caminhar é um processo especial de reconhecer territórios e de construir conhecimento sobre um lugar. Na deriva ambulatória não vemos o mundo com o distanciamento de quem observa um mapa, como se sobrevoasse a cidade com olhos universais. Caminhando ao rés do chão, podemos ver as marcas do tempo e da história, não contornamos os sinais da desigualdade social e da exploração do Homem pelo Homem, carregamos dentro de nós nossa cultura, sentimos os cheiros das esquinas, estamos igualitariamente com objetos, animais e plantas, somos menores que os muros, maiores que quase nada.

Foi por meio do caminhar em Santos que os artistas Cristina Ataíde, Daniel Caballero, Flavia Mielnik, Helen Faganello, Laura Gorski, Renata Cruz e Renato Leal investigaram essa cidade, cujo desenvolvimento é entrelaçado à História do Brasil, com um fluxo de formação social e cultural complexo e cheio de dobras, que é parte insular e parte continental, diretamente ligada ao fundo do Oceano Atlântico e ao topo de Serra do Mar, que contém o maior porto da América Latina e uma enorme Área de Proteção Ambiental. Os diferentes aspectos da geografia de Santos ecoaram vacantes em cada um dos artistas, de maneira que essa exposição oferece ao público paisagens que são fragmentos costurados de paisagem. Essa mostra, uma reunião de olhares simultâneos e alternativos sobre o mesmo lugar, nos inspira a noção de que há muitas maneiras de perceber, aprender e se envolver afetivamente com um mesmo entorno. Pois, afinal, o que será que responderemos às paisagens quando passarmos a nos permitir ouvir as perguntas que nos fazem?

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Editor convidado: Alexandre Villares

por Alexandre Villares

Uma revolução tecnológica e cultural está em curso nas últimas três ou quatro décadas. Você já ouviu falar em Software Livre, Open Source e termos como Copyleft? Quem transita pela chamada economia criativa talvez tenha ouvido falar de Creative Commons, uma ONG que produziu um conjunto de licenças inspiradas no movimento do Software Livre, que utilizam a infraestrutura do direito autoral tradicional visando fomentar a difusão cultural e o compartilhamento do conhecimento.

Todo mundo provavelmente já usou material publicado sob licenças Creative Commons e possivelmente não percebeu. A Wikipédia, o acervo digitalizado da revista Acrópole, ou o material de aula dos cursos do MIT tornado público numa iniciativa conhecida como OpenCourseWare são alguns exemplos.

Muitas pessoas já ouviram falar em Linux, ou no Linus Torvalds. Mas e Richard Stallman, do projeto GNU e da licença GNU Public Licence — GPL, sob a qual o kernel (núcleo) Linux é distribuído? A esmagadora maioria dos computadores que fazem a infraestrutura computacional das grandes empresas e da Internet (nuvem é um nome bobo para o computador dos outros) roda GNU/Linux.

Licenças de software são um assunto técnico pesado, e não sou advogado, mas aguentem firmes! Vamos começar com a definição de Software Livre, as quatro liberdades fundamentais, contando a partir da liberdade 0 (zero), como os programadores gostam.

A liberdade de executar o programa, para qualquer propósito (liberdade 0);
A liberdade de estudar como o programa funciona, e adaptá-lo às suas necessidades (liberdade 1) —
para tanto, acesso ao código-fonte é um pré-requisito;
A liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa ajudar ao próximo (liberdade 2);
A liberdade de distribuir cópias de suas versões modificadas a outros (liberdade 3) —
desta forma, você pode dar a toda comunidade a chance de se beneficiar de suas mudanças. Para tanto, acesso ao código-fonte é um pré-requisito.
(definição de Software Livre da Free Software Foundation)

Tanto esta definição como a definição de Código Aberto, criada por outra vertente de pensamento chamada Open Source Initiative , citam o código-fonte. O que vem a ser isso? O código-fonte é a versão legível por humanos de um programa, que pode ser convertida, compilada ou interpretada, para a execução pelo computador.

As licenças de software livre e aberto, não proprietário, são permissões para execução, modificação e livre compartilhamento de programas. Se dividem em duas principais categorias, com copyleft ou “permissivas”¹ , mas sempre pressupõem o acesso ao código-fonte.

Programas são instruções escritas em uma linguagem de programação para que um computador execute. Todos partem de instruções simples que podem ser combinadas para implementar ações mais complexas e algoritmos.

Um algoritmo nada mais é do que uma lista passo a passo de instruções que, caso executadas, resolvem algum problema em um número finito de passos. Na escola, aprendemos algoritmos para somar, subtrair, multiplicar e dividir números com lápis e papel.

É recorrente para mim um sentimento que remete à famosa palestra As duas culturas² do cientista e escritor inglês C.P. Snow (1905–1980), exasperado com o cisma entre as ciências e as humanidades. Uma nova divisão entre programadores e não programadores seria mais um indício da perda de uma cultura comum?

Rushkoff, no seu provocativo Program or be programmed (programe ou seja programado), promove a ideia de que uma nova “alfabetização em programação” é essencial. Muitos defendem o ensino de programação cedo nas escolas. O currículo nacional britânico de 2014 introduz ciência da computação.

Artistas, designers e arquitetos que se tornaram programadores não são tão incomuns. Alguns se tornam programadores no sentido tradicional, trabalham com programação full-time, outros apenas acrescentaram a programação às suas habilidades e a incorporaram ao seu métier. Yorik van Havre, por exemplo, é um arquiteto-programador que mora em São Paulo e esteve recentemente envolvido no projeto do WikiLab, a ser construído com técnicas de fabricação digital num terreno cedido pela UFABC, e é, ao mesmo tempo, um dos principais desenvolvedores do FreeCAD, software livre para projeto (incluindo arquitetura).

Poderia citar aqui uma dúzia de arquitetos amigos e conhecidos que programam. Talvez minha amostra seja um pouco enviesada, uma vez que promovo, com a artista-programadora responsável pela capa desta edição, um encontro mensal sobre arte e programação intitulado Noite de Processing, cujo nome é homenagem a uma ferramenta de programação, desenvolvida em código aberto/livre.

Assim como outros associados e frequentadores do Garoa Hacker Clube, o local que abriga nossos encontros, temos interesse em “fuçar” e transitar pelos mais diversos assuntos tecnológicos, de fabricação de cerveja a criptografia de chave pública³.

Alguns desses assuntos são mais sérios que outros: criptografia se tornou rapidamente uma das ferramentas fundamentais para preservar a privacidade e segurança das pessoas, ao meu ver essenciais para o funcionamento de uma sociedade aberta (em oposição a um regime totalitário).

A privacidade está sendo erodida por governos e grandes mercadores de dados pessoais (como Google, Facebook ou os bureaus de análise de crédito). Uma complexa questão que se interliga com discussões sobre segurança da informação. Ferramentas baseadas em uma infraestrutura criptográfica permitem formas distribuídas de controle e colaboração. É um assunto vasto.

Ao mesmo tempo, formas de autoria e de acesso à propriedade intelectual estão sendo questionadas na arte, na indústria, na sociedade civil organizada, na pesquisa científica. Monica Rizzolli comenta que “um novo paradigma de arte está sendo gerado, nos fóruns, comunidades e plataformas on-line”.

Na campo da arquitetura, colaboração é possivelmente o aspecto mais central da Modelagem da Informação da Construção (BIM, na sigla em inglês), concordaria comigo, acredito, o arquiteto, especialista em BIM, João Gaspar4.

Arrisco afirmar que os artistas-programadores, designers, jornalistas, neurocientistas e linguistas que também sabem programar (assim como muitas outras pessoas que programam mas não são programadoras profissionais, no sentido tradicional) estão em uma posição privilegiada para integrar formas contemporâneas de conhecimento.

Estender, ampliar e modificar ferramentas digitais existentes (inclusive tirando proveito dos glitches); valer-se de grandes massas de dados, de análises estatísticas e métodos de inteligência artificial; lidar com complexidade; criar modelos e simulações5. Tudo isso é possível num contexto de colaboração, usando bibliotecas de código livremente compartilhadas. Colaboração é a perspectiva que temos.


1 – A GPL que mencionei é provavelmente a mais importante licença com copyleft, a obrigação de distribuir qualquer modificação, ou software que incorpore o código, com permissões iguais. É a licença sob a qual é distribuído o sistema operacional GNU/Linux, por exemplo. As licenças permissivas “estilo BSD”, MIT ou Apache (um dos mais populares softwares para servidores web), não têm essa obrigação, o que permite inclusive que versões modificadas sejam distribuídas como software proprietário. É o que a Apple faz ao empacotar com modificações e acréscimos o sistema operacional Darwin, o transformando no MacOS e no iOS.

2 – “A good many times I have been present at gatherings of people who, by the standards of the traditional culture, are thought highly educated and who have with considerable gusto been expressing their incredulity at the illiteracy of scientists. Once or twice I have been provoked and have asked the company how many of them could describe the Second Law of Thermodynamics. The response was cold: it was also negative. Yet I was asking something which is the scientific equivalent of: Have you read a work of Shakespeare’s?

I now believe that if I had asked an even simpler question — such as, What do you mean by mass, or acceleration, which is the scientific equivalent of saying, Can you read? — not more than one in ten of the highly educated would have felt that I was speaking the same language. So the great edifice of modern physics goes up, and the majority of the cleverest people in the western world have about as much insight into it as their neolithic ancestors would have had.
”

Snow, C. P. The Two Cultures 14–15 (Cambridge Univ. Press, 1998)

3 – Criptografia de chave pública, simplificadamente, é a tecnologia relativamente recente, do séc. XX, que permite criar canais de comunicação seguros entre os participantes, sem um prévio contato seguro entre eles (como o seu navegador e o site do seu banco). Permite também as chamadas assinaturas digitais (como as usadas em uma nota fiscal eletrônica, por exemplo).

4 – GASPAR, João. BIM – IFC sem mistério.

5 – DOWNEY, Allen. Think Complexity: Complexity Science and Computational Modeling.

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Ao longo dos séculos, a fábula da formiga e da cigarra foi revista, atualizada e traduzida ao gosto da moral vigente ou da preferência dos autores. Esopo, La Fontaine, Bocage, Monteiro Lobato. Em prosa e verso, muitos contestaram o caráter da cigarra, depois o da formiga, o valor do trabalho de uma e de outra. Mas nem nas versões mais recentes enxergou-se a perspectiva real da obsolescência do suor dessas formigas. Ou pelo menos da ampla maioria delas.

Alguém poderá dizer que na Revolução Industrial, primeira ou segunda, o tema foi debatido. Houve uma migração do campo para indústria e serviços que é relativamente recente e vem se acentuando com a explosão urbana. Só que nem ao longe o que se passou pode ser comparado com o que temos no horizonte. Além de emprego, renda, tecnologia, bem-estar social, somam-se ao debate questões de sustentabilidade, comunicações e conhecimento, democracia, natalidade e nutrição.

Porém, façamos como a formiguinha. Apesar de longo, o caminho precisa ser percorrido sem pressa.

Ainda existe o trabalho do frentista de posto de gasolina. No mundo desenvolvido, tanto o frentista quanto o espaço do posto de gasolina acabaram faz tempo. Mas, no terceiro mundo, automóveis com alta tecnologia aplicada estacionam e são atendidos por uma ou mais pessoas. Isso simultaneamente ao uso do carro elétrico. E ao avião, que pode ser abastecido por outro em pleno voo — com combustível líquido. Ou ao ônibus elétrico que recarrega a energia a cada parada para embarque e desembarque. Aliás, já existe o carro autônomo, que, quando chegar ao mercado, deve ser elétrico e prescindir da gasolina, do frentista e do motorista.

Os primeiros carros autônomos deverão ser os ônibus com suas linhas regulares e pistas exclusivas. Isto é, não haverá motoristas. E só agora as grandes cidades no Brasil começam a discutir o que fazer com os cobradores. Em São Paulo, eles atendem apenas 6% dos passageiros. Nos Estados Unidos, um caminhão autônomo entregou cerveja a quase 200 quilômetros de distância. Logo veremos uberistas e taxistas unidos contra o carro autônomo. É inexorável.

Se você está aflito com o tamanho da plateia para ver a sessão da tarde no formigueiro, acalme-se, porque a sala sequer começou encher.

Estima-se que, nos países desenvolvidos, onde não há frentistas nem cobradores de ônibus, 30% da força de trabalho empregada já está obsoleta. Gente que, na falta de carimbos e papéis para grampear e arquivar, troca alguns e-mails para combinar o horário de fazer um telefonema, ao qual chamam de call, e que, se tiver êxito, vai culminar em algumas reuniões presenciais, sobre as quais serão produzidos relatórios minuciosos que ninguém vai ler.

Essa gente, quando promovida, passa a frequentar conferências, palestras e outros eventos onde se apresentam gurus de todo tipo. Dizem que tem a ver com motivação. É compreensível. Fundamentais para a economia, eles garantem o trabalho da menina vestida de preto que fica com um rádio cuidando para que todos os convidados sentem-se nas cadeiras disponíveis. No terceiro mundo, a essa turma juntam-se os porteiros, muitos caixas de banco, seguranças e até ascensoristas de elevador. Portaria remota é cada vez mais comum, o seu destino, e só não faz isso porque não lhe custa nada apertar um botão.

Ainda no terceiro mundo, há os empregados domésticos, cozinheiras, arrumadeiras e babás. Quem os usa diz que seu tempo é valioso e, por isso, precisa da “assessoria”. Sofisma. Obviamente, o tempo do empregado é que tem pouco valor. Mas o custo é alto. Porque, se a babá está criando o filho da patroa, quem está cuidando do filho da babá?

No campo, os grandes temas tradicionais definham. Trabalho e posse da terra passaram a ser secundários. A produção depende fundamentalmente de tecnologia.

Quem acha que o trabalho intelectual se salva deveria olhar a tecnologia cognitiva. Há estudos em que pareceres jurídicos feitos por robôs superam em muito a qualidade dos advogados mais bem pagos.

Assim, não é exagero concluir que, no mundo todo, pelo menos metade das pessoas empregadas, se fossem demitidas, não fariam a menor falta ao processo produtivo. E ainda temos os aposentados, as crianças, os jovens e uma massa enorme já desempregada. Haja rede e cadeira de balanço nos formigueiros.

Os maiores formigueiros do mundo, como China e Estados Unidos, onde ainda há o chamado pleno emprego, parecem nortear a humanidade. A receita para haver emprego e renda é produzir e consumir mais. O problema é que os recursos naturais disponíveis na Terra são insuficientes para sete bilhões de pessoas viverem como o bilhão e meio de chineses e americanos.

Não bastasse a natureza das formigas, que não sabem viver sem trabalhar, há um aspecto ainda mais primitivo, que também é das cigarras: ambas não podem viver sem comer. Que fazer?

Uma ideia começa a reunir gente boa pelos quatro cantos. Não é propriamente nova, mas cresce aliada às circunstâncias e experiências contemporâneas. Melhor ainda, une gente que historicamente discorda sobre quase tudo.

Socialistas e capitalistas, conservadores e progressistas, esquerdistas, direitistas, centristas, isentões e, sobretudo, cigarras e formigas convergem sobre a saída pela renda básica universal.

No Brasil, o militante número um é o vereador paulistano Eduardo Suplicy, que passou décadas no Senado Federal repetindo a cartilha, conquistou avanços e reconhecimento internacional. Recentemente, ele esteve nos Estados Unidos para a Brazil Conference, organizada pela Harvard e pelo MIT, e topou com um aliado improvável: Olavo de Carvalho, oráculo da chamada “nova direita”.

A ideia é que as nações garantam a cada um dos seus cidadãos uma renda básica. Do Jorge Paulo Lemann ao mais pobre dos brasileiros, todos receberiam o numerário. E gastariam como bem entendessem.

Mas, quanto isso custaria? Não dá para precisar, porque depende do modelo. Porém, uma coisa é certa: nada pode custar mais caro do que a pobreza.

E de onde sai o dinheiro? Bom, primeiro o Estado economiza com os males causados pela pobreza, que começam com a saúde, nutrição (o filho da babá), passam pela educação (evasão escolar, impossibilidade de aprender com fome e outras preocupações), fiscalização dos programas seletivos de transferência de renda (ver Eu, Daniel Blake), a Previdência como um todo (algo mais atual?) e o aumento da marginalidade.

Alcança a própria democracia, com a melhora da representatividade pela diminuição do clientelismo, que arrefece a corrupção, aumenta a noção cidadã, gera coesão social com limites para a desigualdade e faz justiça valorizando financeiramente trabalhos fundamentais que não são remunerados, como o da dona de casa, do parente cuidador de idosos, do serviço voluntário.

Mais: programas parciais de transferência de renda, como o Bolsa Família, provam que, botando dinheiro em circulação, a economia cresce e, com ela, a arrecadação de impostos.

É legítimo ganhar sem trabalhar? Sim, e são muitos os casos. Aposentados ganham. Trabalhadores rurais, mesmo sem terem contribuído com a Previdência, recebem auxílio na velhice. Pescadores contam com o Seguro Defeso. Uma fazenda arrendada, um imóvel alugado, ações e outras aplicações financeiras, geram renda sem a contrapartida do trabalho. E nenhum dos casos é motivo de vergonha.

A felicidade enquanto ativo também deve ser considerada. Tristeza tem um custo social altíssimo. A renda básica permitiria às pessoas exercerem sua vocação, trabalharem e contribuírem com o que podem fazer melhor, sem se desesperarem por qualquer salário. O aumento da qualidade dos serviços está diretamente ligado ao aumento da qualidade dos produtos e, consequentemente, à diminuição da necessidade de tantos recursos naturais para alimentação, vestuário, moradia, transporte.

Isso também diminuiu o risco da inflação de preços. O consumo consciente é próprio de quem precisa de menos. Duvida? Vá ao supermercado com fome e faça o teste.

Competição sempre haverá, inclusive financeira. Só que seria mais saudável, ou minimamente mais ampla ante a possibilidade de não desperdiçar talentos. Mordomos ingleses têm paixão pelo seu ofício. Estudam, preparam-se, se dedicam à excelência. Bilionários pagam caro e com prazer pelo seu trabalho.

Quantos bons médicos a sociedade perde todos os anos para a dificuldade que cinco anos de dedicação exclusiva à universidade exige? Com a renda básica, eles se multiplicariam. Assim como os artistas e os esportistas. E — por que não dizer? — os bebês, cada vez mais raros no Ocidente.

Bom, já vou longe e creio que está explicado. A equação da formiga e da cigarra foi invertida. O esforço de grande parte das formigas só encontra razão de ser na necessidade de fazer girar a roda da economia e, mais distante, mas não menos importante, na memória afetiva de alguns serviços. Quer dizer, tem muita formiga fazendo papel de cigarra e não se dá conta. A renda básica universal pode botar as coisas em seus lugares e merece ser debatida.

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O Velho me contando do dia em que escutou o Padre Fábio de Melo na rádio: “Eu tava no carro, o trânsito, aquela merda de São Paulo, chovendo, tá ligado? Ultimamente eu até gosto quando para tudo, velho, ligo uma rádio, escuto uma música, daí que eu paro pra pensar na vida.”

A vida do Velho anda um pouco complicada. A minha também. A gente liga a televisão, abre o jornal, o Facebook, até no Instagram, está todo mundo na deprê… Mas o fato é: na rádio onde o Velho procurava uma música pra pensar na vida no trânsito, nada tocou. “Tá ligado quando só toca música ruim, velho? Eu fui ficando muito puto, que nem escutar uma música no trânsito eu tô podendo, eu só posso estar cagado, não é possível! Nessa hora, mano, Deus falou comigo.”

Deus falou com o Velho? “Tá ligado aquele padre Fábio de Melo? Deus falou comigo através dele, velho. Te juro. O cara começou a falar do perdão, velho, aí foi comigo que Ele falou.” (O Velho apontou o dedo para cima, por isso achei melhor colocar Ele com letra maiúscula).

Consta que o Padre Fábio de Melo respondia a uma pergunta de um fiel: Como eu posso atingir o perdão? “Velho, eu nem sabia que era isso que eu precisava atingir, mas na hora que ele começou a falar, velho, ‘você tem que esquecer’, eu percebi: eu tenho que esquecer!”

“Foi mais ou menos isso que o Padre Fábio de Melo disse. Que Deus esquece. Que Deus não olha pra mim lembrando, ‘ah, eu sei o que você fez no verão passado, aquele dia, eu sei bem quem é você, velho’… Não. Deus não condena. O diabo é que condena! O diabo é que não acredita que você é uma pessoa maravilhosa.”

É esquisito escutar o Velho falando essas coisas. “Não fui eu, velho, foi Ele que falou. O padre que disse o que Deus está sempre nos dizendo: eu sei que você consegue.” (O velho proferiu pausadamente essa frase).

Interessante. “Deus acredita em mim, velho. Deus me conhece. Deus tá do meu lado sempre. Ele sabe que eu posso fazer grandes coisas, porque Ele me deu todas as ferramentas para eu fazer grandes coisas, tá ligado?”

As pequenas mazelas da vida do Velho não importam, mas talvez seja importante contar que o Velho andava se desconectando da vida, no fluxo da pulsão da morte, se é que me entende. “Mas aí o Padre começou a falar de conviver, velho, que é importante perdoar porque você tem que conviver, e pra conviver você tem que esquecer, esquecer o que o outro disse, esquecer o que o outro fez, porque Deus esquece o que a gente disse e o que a gente fez.”

Tá certo, Velho. É nóis.

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“Corpos na paisagem. Corpos são paisagem.” As frases pinçadas de uma nota presente no antigo ateliê de Monica Rizzolli, na rua Major Sertório, servem de uma espécie de síntese do trajeto da artista de 35 anos. Nascida em São Carlos, ela agora está radicada perto do antigo espaço, na Nestor Pestana, ainda no movimentado Centro de São Paulo. As afirmações também ressaltam muito do caminho poético da artista paulista, como a se referir sobre a investigação persistente das paisagens e a exploração das urbanidades contemporâneas, em permanentes fricções sem descanso, e sobre como as subjetividades — em especial, por meio do corpo — se relacionam com tais elementos nesses tempos complexos.

Deve ser ressaltado que a linguagem com a qual Monica exibe essas perspectivas não tranquilas é, em especial, o desenho. Por mais que esteja envolvida com ferramentas de programação — e aí a artista flerta com o que é chamado de code art, processing art e similares terminologias que não precisam ser aqui citadas — ou que seja realizada pelo mais simples grafite sobre papel, a produção da artista sempre revela algo próprio do universo gráfico. “Quando faço programações avançadas e manejo questionários, entre outros procedimentos, mesmo que isso resulte em uma videoprojeção, eu não deixo de escrever uma imagem”, conta ela, diante de um laptop em que elementos em preto e branco de um programa especial pululam incessantemente na tela. “Estou fazendo uma escritura de desenho, lançando mão de ferramentas avançadas que posso utilizar hoje. E a ideia continua no fundamento de tudo.”

Monica desdobra agora pesquisas desenvolvidas anteriormente em outros centros. Viver nesses circuitos fez com que ela se aproximasse da produção de artistas conceituais que pouco chegam ao Brasil — ou sequer expostos, pois muitas vezes nunca estiveram em mostras institucionais por aqui —, os quais estudou quando estava em concorridas residências artísticas na América do Norte, Europa e Ásia. Os britânicos do grupo Art&Language e os norte-americanos Douglas Huebler (1924-1997) e Charles Gaines (1944) podem ser destacados na formação. A produção de alguns deles possui facetas em consonância com outros meios, como a marcante parceria de Gaines com a dança, por meio de trabalhos feitos com a companhia de Trisha Brown (1936-2017), por exemplo.

“Todos trabalhavam e questionavam a todo tempo a linguagem em suas obras, e isso me interessa”, diz ela, lembrando que os interstícios entre o conceitual e o tecnológico são prestigiados em instituições de países tão diversos como EUA, Espanha, Alemanha e Coreia do Sul. O madrileno Museu do Prado, um dos templos da arte em âmbito mundial, além das impressionantes telas de Velázquez e Goya, também tem seu MediaLab. “Apesar da óbvia estrutura que essas instituições oferecem lá fora, não deixo de estar otimista com o que vem surgindo no Brasil, especialmente em núcleos na universidade e em áreas como a matemática e a computação. Tudo é muito novo e avança rapidamente.”

Arquiteturas do desenho

Antes das residências artísticas, Monica foi representada por galerias dos meios paulistano e carioca — Central (em SP) e Laura Marsiaj (no Rio). Apresentava uma figuração colorida, algumas com climas oníricos, em peças que iam de páginas A4 a telas de escala mais generosa. Graduada em Artes Visuais pela Unesp, conseguiu uma bolsa para estudar pintura e desenho na Universidade de Kassel, a cidade que sedia a Documenta, principal mostra em âmbito mundial, realizada de cinco em cinco anos. Frequentou a edição de número 13, datada de 2012 e sob a batuta da curadora norte-americana Carolyn Christov-Bakargiev, que contou com nomes incensados como o francês Pierre Huyghe, o libanês Walid Raad e o histórico conceitual italiano Alighiero Boetti (1940-1994), entre outros. “A Documenta é como um disco voador, pousa na cidade e sai abruptamente. Obviamente frequentei muito a exposição, mas vivia na outra Kassel, a real”, conta ela.

Não sabia alemão e foi aprendendo aos poucos, numa classe em que havia poucos estudantes de fora do país. “Sem um ateliê, fui me virando com o que tinha. Sempre levava um caderno na bolsa, tipo Moleskine, e eles foram usados sem parar.” Daí surgiu a série Catálogo de Padrões Arquitetônicos (2012). Em viagens pelas cidades da Alemanha e de países próximos, como Bélgica, Holanda e República Tcheca, Monica retratava as fachadas de construções variadas. “Reuni esses cadernos de viagens. Juntos, me intrigava muito o fato do porquê, em uma área relativamente pequena, tantas mudanças aconteciam”, diz ela. A arquitetura passou a ser um eixo poético de seu trabalho, e isso só foi aumentando de acordo com as outras residências pela qual passou.

A experiência maximizada nesse sentido foi quando Monica se instalou na residência Creatives in Residence, na região de Hangzhou, na China. Em um distrito industrial longe de tudo e convivendo com artistas dos quatro cantos do planeta — entre elas, a gaúcha Romy Pocztaruk, que esteve na 31ª Bienal de São Paulo —, a série de fachadas arquitetônicas foi aumentando e se transformando. Em relações epistolares com amigos, pedia para eles descreverem as fachadas de onde viviam e trabalhavam. A partir dessas informações, elaborava as peças gráficas, que poderiam ser incrivelmente fiéis à realidade ou distanciar-se longinquamente dessa “verdade”. Daí viria a série Decode, cujas extensões ainda se desenrolariam por residências seguintes em Nuremberg, na Alemanha, e em Madri. “O interessante foi chegar mais perto dessas estruturas de linguagem. Traduzir, construir, perceber lacunas, todas eram operações que me instigavam”, afirma ela.

Nas residências seguintes — em Caylus, uma cidade medieval do sul da França, em 2014, e em Los Angeles, no MAK Center for Art and Architecture, em 2015 —, Monica enveredou por uma cartografia especial, ligada ao mapeamento do território onde estava inscrita. Para isso, começou a aprender mais sobre programação e, em resumo, sobre categorias mais conhecidas como code art e processing art. Essa “escritura” de um desenho, mais afeito às novas tecnologias e com resultados abertos e permeáveis, levou o corpus de sua obra para outras configurações. “Não deixa de ser um constante desafio. Como apresentar? Numa videoprojeção? Com documentação a ser consultada? Em sites em que as ferramentas do processo de programação podem ser baixadas?”, questiona-se a artista. Isso tudo não se distancia da investigação da paisagem, de como nossos corpos se ligam a tais entornos e de como a arquitetura se configura de maneiras mais movediças, incertas e líquidas. Todos esses são elementos que não se descolam da pesquisa de desenho de Monica desde o início, mas por meio de uma especial categorização dessa linguagem.

“Nas artes da interatividade, portanto, o destinatário potencial torna-se coautor e as obras tornam-se um campo aberto a múltiplas possibilidades e susceptíveis de desenvolvimentos imprevistos numa coprodução de sentidos”, escrevia, no hoje longínquo 2003, o multiartista Julio Plaza (1938-2003), na publicação Arte Telemática, de Gilbertto Prado. A lembrança é mais que fecunda para nos debruçarmos agora sobre a pulsante e atual obra de Monica Rizzolli.

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A primeira fase do paisagismo começou em 1986 e foi comandada pelo paisagista Pedro Nehring, meu amigo de infância, que planejou, projetou e executou os jardins em uma área de aproximadamente quinze hectares. Foram implantadas inúmeras espécies de palmeiras nativas brasileiras e outras exóticas, de várias regiões do mundo, assim como árvores arbustivas e herbáceas tropicais que se desenvolveram muito bem no local.

O projeto de paisagismo buscou sempre a exuberância, mas também muita harmonia entre as espécies, gerando dessa forma leveza e espontaneidade. Como se esculpisse a natureza, o artista Pedro Nehring harmonizou os jardins de Inhotim com caminhos, escadas e pátios com pedras enormes de quartzito e cristal rosado, hoje raríssimas, sempre em busca de uma forma que evitasse denunciar uma criação surgida pela intervenção do homem. A execução foi feita por pedreiros especializados de Minas Gerais e por um profissional italiano, que construiu os espaços revestidos com pedra tamborada. O mobiliário urbano é assinado pelo designer gaúcho Hugo França, que cria bancos e mesas utilizando resíduos florestais.

O resultado desse trabalho — que ainda está em curso — é uma reserva natural com mais de 1.400 espécies de palmeiras nativas e exóticas, e inúmeras outras, principalmente as naturais da flora brasileira. Foi assim que Inhotim recebeu o título de Jardim Botânico em maio de 2010. O Jardim possui um expressivo acervo, com mais de 4.800 espécies de plantas catalogadas e diversas ações científicas, educacionais e conservacionistas em desenvolvimento. O local abriga uma das maiores coleções de palmeiras do mundo crescendo nos viveiros e jardins. Também expressiva é a coleção de Araceae, família que inclui de imbés a antúrios e copos-de-leite, com cerca de quinhentas espécies, a maior coleção viva dessa família no Hemisfério Sul.

A aprovação do Jardim Botânico Inhotim foi um reconhecimento das atividades já desenvolvidas pela instituição: estudos florísticos, educação ambiental, catalogação de novas espécies botânicas, conservação in situ e ex situ e uso paisagístico de espécies raras. O Jardim Botânico tem como objetivo popularizar as atividades científicas através da educação ambiental e ainda desenvolver novas metodologias transferíveis para recomposição florística de áreas impactadas.

Também em maio de 2010, o Governo Federal, por meio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), reconheceu a Reserva Particular do Patrimônio Natural Inhotim. Localizada dentro do Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG), a RPPN possui área total de 145,37 hectares e é mais um local dedicado à proteção da biodiversidade no país. Situada no domínio da Mata Atlântica, abriga cerca de mil espécies de plantas vasculares, aquelas que possuem tecidos especializados para o transporte de água e seiva. A reserva é constituída por remanescentes da Floresta Estacional Semidecidual Montana encontrados em diferentes estágios de sucessão ecológica e alguns encraves de Cerrado no topo das serras. Além da diversidade florística, a reserva possui também três nascentes com origem dentro da área protegida.

Durante a Semana do Meio Ambiente 2011, o Inhotim inaugurou para o público, em caráter permanente, a visitação ao Viveiro Educador, local onde se cultiva grande parte da coleção botânica da instituição. O espaço é formado por um complexo horticultural destinado a pesquisas científicas, manutenção da coleção botânica e atividades educacionais, e abrange uma área de aproximadamente 25 mil m², com um acervo de mais de 4.800 espécies, distribuídas em 167 famílias botânicas, dentre as quais se destacam Arecaceae (família das palmeiras), Araceae (imbés, antúrios, copo-de-leite) e Orchidaceae (orquídeas).

É lá, no coração da coleção botânica do Inhotim, que está sendo cultivada a famosa “Flor Cadáver”, cientificamente denominada Amorphophallus titanum. A exótica espécie floresceu, pela primeira vez na América Latina, no Inhotim, no ano passado. O fenômeno chamou a atenção do mundo inteiro e demorou dez anos para acontecer, durando, contudo, apenas três dias.

Mais de quinze anos passados após a criação e a implantação dos jardins é que nos veio a ideia de transformar minha fazenda particular em um parque aberto ao público, a ser compartilhado e apreciado por milhares de pessoas. Logo em seguida começamos o projeto do museu de arte contemporânea, convidando artistas brasileiros e estrangeiros de renome internacional a expor seus trabalhos em um espaço já humanizado pelos jardins. Assim nasceu Inhotim. Um lugar que não se acaba. Aqui sempre será!

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Você é de Ourinhos, de 1973, quando e como veio parar em São Paulo?

Vim pra São Paulo em 1990, com minha mãe, fazer o colegial. Morei aqui até 96, quando voltei para         Ourinhos. Fiquei lá até 98. Foi onde tive meu primeiro ateliê. Fiz publicidade aqui em São Paulo e, quando voltei para Ourinhos, estava meio sem saber o que fazer. Aí, comecei a pintar.

Qual é a sua formação?

Depois de um ano e meio em Ourinhos, voltei pra São Paulo, em 98, pra fazer uma “exposiçãozinha” num boteco, e me inscrevi em alguns cursos de arte; no MUBE, com o Paulo Whitaker e o Nuno Ramos. Como estava gastando muito dinheiro, resolvi prestar artes plásticas na USP, que era uma ideia que tinha desde que me formei em comunicação.

Você sempre quis ser artista plástico?

Eu sabia que ia trabalhar com alguma coisa ligada a essa área; sempre desenhei e escrevi bastante, desde pequeno. Entrei na publicidade, um pouco por      desconhecer artes plásticas como uma profissão. Até prestei vestibular para artes plásticas, mas acabei não entrando. Então, fui prestar arquitetura e publicidade, e acabei entrando em publicidade.

Veio de família de artistas?

Não. Meu pai estudou economia, minha mãe fez direito, mas os dois trabalham com comércio.

De que forma repercutiu a Bienal de São Paulo no seu trabalho?

Foi um trabalho muito bacana. Nunca um trabalho meu fora visto por tanta gente. Consegui estabelecer uma relação interessante com o público, muita gente escreveu no meu site, mandou e-mail parabenizando, contando da experiência. Acho que foi bem bacana. [Nota do Editor: A Origem do Terceiro Mundo, obra que Oliveira apresentou na Bienal de São Paulo, foi inspirada no quadro “A Origem do Mundo”, de Gustave Courbet. A pintura causou escândalo no século XIX, ao retratar de forma explícita uma mulher de pernas abertas. A instalação de Oliveira se assemelha a uma vagina gigante, pela qual o visitante pode entrar. Lá dentro, encontra um emaranhado de túneis feitos de compensado de madeira. As curvas, reentrâncias e protuberâncias tornam esse labirinto orgânico.]

Você acredita que talento por si só acontece?

Acredito em talento, mas o talento é uma coisa… E tem que ter uma série de coisas, acho que como qualquer profissão, né? Tem que ter talento para aquilo que você faz, uma facilidade, um envolvimento com o trabalho, tem que ter foco, persistência, trabalhar mesmo. Artes plásticas exige muita disciplina.

Você tem uma rotina de trabalho?

Tenho. Trabalho à tarde e à noite. Venho todo dia, e trabalho, seja com as pinturas, seja com as esculturas, embora meu trabalho não seja só no ateliê. Há uma série de trabalhos que faço fora, nos museus, nas galerias, em viagens, é um outro esquema, mas sempre que vou trabalhar, estabeleço uma rotina.

Quais são as questões abordadas no seu trabalho?

O artista coloca a obra, as interpretações são individuais. Tem gente que pode olhar pros meus trabalhos com um viés da linguagem da pintura, de como esses movimentos são transpostos pra madeira, como uma lasca de madeira assume o papel de uma pincelada, dá movimento, e a relação com a superfície, que é de cascas e formas fluidas… Também tem questões mais formais, de linguagem e de pintura, e outras mais ligadas à antropologia, sociologia, política, às vezes o trabalho vira arquitetura.

Quais dessas questões você acha mais presentes no seu trabalho?

Quando faço o trabalho da madeira, como um em Porto Alegre, na rua, a madeira assume essa forma meio monstruosa. Um trabalho que é surreal, meio estranho, que se coloca de uma maneira estranha na cidade, no cotidiano do cidadão, e que ao mesmo tempo traz na matéria estes índices de decadência da cidade, de precariedade, no formato dessas coisas meio tumonares. Acho que aponta um pouco para a ideia dessas transformações, desses inchaços das cidades.

Como surgiram os tapumes?

Ah!, esse trabalho eu comecei a desenvolver quando estava na ECA, e veio de uma pesquisa sobre superfícies de pintura. Pesquisa que consistia em ver superfícies do mundo como pintura, muros velhos, paredes desgastadas, essas coisas assim. Estava fazendo essa ponte entre uma pintura plana, uma pintura moderna, rasa —– eu estava interessado nisso, e estava pesquisando também materiais usados na linguagem da pintura, e mais outros, utilizados em processos de colagens, de assemblagem… [Oliveira interrompe, pergunta se quer que baixe o som. Tocava então David Bowie, Oh pretty things. O volume foi diminuído]. Eu estava fazendo isso, daí comecei a olhar umas… deixe eu te mostrar. [Ele abre seu arquivo de fotos, super bem organizado, e mostra seus primeiros trabalhos].

A pintura anda junto?

Os dois trabalhos andam em paralelo. Tem uma instalação, que fiz agora, em Miami, numa galeria, em que os volumes são construídos iguais nos tapumes, só que recobertos com tinta seca, com lascas de tintas, o mesmo processo de pintura que faço sobre um pedaço de plástico, quando seca, tiro, e funciona como uma espécie de pele, daí eu vou cobrindo as esculturas.

Você cria um projeto ou eles apenas nascem?

Faço uns esboços, uns desenhos, que não preveem como o trabalho vai ser, o desenho serve, no mínimo, como um ponto de partida.

A maioria dos seus trabalhos são desmanchados depois de apresentados, como aconteceu com a Casa dos Leões (2009) em Porto Alegre. Você se apega a eles ou é fácil deixá-los?

Já começou assim, um pouco dessa ideia de trabalho temporário, já estou acostumado. Até mesmo porque são feitos para durar pouco, tanto é que quando faço um trabalho no meu ateliê, faço para que seja permanente. Então, é um outro tipo de construção, muito mais demorado, muito mais cuidadoso.

Existe algum trabalho com o qual você se sente mais realizado?

Tem uns trabalhos que gosto bastante, como o que fiz em Porto Alegre [Casa dos Leões, numa casa abandonada]. Acho que foi um bom trabalho, um antigo plano que eu tinha de fazer o retorno das madeiras para o lugar de origem — vamos dizer assim. Tirei o tapume que estava na casa e utilizei o meu. Aconteceu num momento em que meu trabalho já estava com maturidade, porque tinha esse projeto há tempos, só que, no começo, meus trabalhos eram muito simples, quase que uma reencenação da rua dentro do museu, da galeria. Não tinha muita intervenção, construção de forma, era muito plano.

Você se sente parte de uma tendência ou movimento, ou está por si próprio?

Isso é difícil de dizer, mas na pintura, por exemplo, com certeza há artistas que trabalham próximos. Nas instalações, acho, também. Hoje não existe mais coisa alguma exclusiva, tudo o que estamos fazendo já foi feito.

Quem você citaria na pintura e nas esculturas?

Na pintura, há alguns artistas internacionais. Acho que, de repente, as pinturas abstratas do Gerard Richter, em alguns pontos, têm coisas em comum com outros mais novos, a Fiona Rae, a Pia Fries; há bastante gente que trabalha com questões parecidas, a relação entre a superfície e a imagem que se forma. No Brasil, pouca gente trabalha nesse sentido. E, no campo tridimensional, acho que alguns artistas às vezes têm algum contato. Alguns pintores matéricos dos anos 80, como o Anselm Kiefer, ou o Nuno Ramos, naquela série das pinturas tridimensionais. A Anish Kapoor, que faz essas intervenções grandes nos espaços, o Ernesto Neto, o Tadashi Kawamata, que cria instalações com madeira também. Voltando pros anos 80, Frank Stella possui uma série de trabalhos tridimensionais que também tem a ver.

O que gostaria de fazer que ainda não fez?

O que gostaria de fazer que ainda não fiz? Muita coisa! Quero ainda produzir um trabalho no mato, na natureza. Quero fazer um trabalho na paisagem da cidade, como aquele de Porto Alegre, mas em um outro lugar, um lugar diferente um pouco, meio ruína também mas numa outra situação, não um predinho neoclássico, talvez um prédio semidemolido… Há um monte de projetos no caderno de ideias.

Onde recolhe o material para os tapumes?

Pego em vários lugares. Geralmente na rua, em obras, em caçambas. Às vezes numa favela demolida.

Mas é você que ainda pega?

Ah!, hoje em dia a galera tem recolhido mais do que eu!

Você recicla seu lixo?

Reciclo faz tempo. Separo pelo menos, né? Se vai ser reciclado…

Tapumes Henrique Oliveira 26 March – 9 May 2009 Commission, Rice University Art Gallery
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CTRL + C | CTRL + V | CTRL + X de Lucas Simões

Desde a Grécia Antiga, com mais ou menos relevância, as potências econômicas se estabeleceram também como potências culturais, exportando sua cultura como forma de dominação. Assim foi com o Império Romano, o renascimento Fiorentino, as navegações Holandesas e Espanholas, a Revolução Industrial Inglesa e, desde a primeira Guerra, as varias evoluções lideradas pelos Estados Unidos.

A influência norte-americana, com origem no poder econômico, bélico e diplomático, foi potencializada ao expoente pela venda de um irresistível way of life: belos carros, comidas rápidas e stars packaged pela mais (mais) excitante música, cinema e moda.

Até aí tudo tranquilo.

Desde 2001, e de maneira mais acentuada, desde o Credit Crunch em 2008, os Estados Unidos vivem uma séria apatia econômica e cultural.

Ao mesmo tempo em que problemas econômicos estruturais (por exemplo a maior dívida pública do mundo) se agravam, a população sofre ao ter de olhar para um umbigo cada vez mais obeso e um bolso cada vez mais magro que não atende à enorme lista de compras — que se mantém as long as antigamente. A frustração da sociedade Americana é aparente em Miami (claro), em Baltimore, na Califórnia e até mesmo em Nova Iorque.

Mais a economia patina, mais o cidadão comum parece ter perdido a confiança e o interesse pelo American Dream. Embora a figura de Obama tenha dado um sopro de renovação para a imagem dos Estados Unidos interna e externamente, a decadência da exportação cultural Americana, a longo prazo, parece irreversível (e agora com Trump, então, meu deus).

Getting ready for the Chinese way of life

Na segunda metade do século passado, os Estados Unidos dividiram influência com a União Soviética e, mais recentemente, com os chamados Bric: Brasil, Rússia, Índia e China. Dos quatro, a economia chinesa é disparado a maior. Em 2010, pelo primeiro ano a China é o maior investidor estrangeiro no Brasil. Em agosto de 2010, a China ultrapassou o Japão como a segunda economia e, seguindo esse ritmo, o seu PIB será o maior do mundo em quinze anos.

A pergunta é: qual será a influência do dinheiro chinês? Qual a estratégia do “Partido”, se é que existe uma? Até que ponto o Ocidente irá assimilar a China e, ao mesmo tempo, o caminho contrário?

Na prática, como é a casquinha mista chinesa? O hambúrguer? A Marilyn Monroe? Os clipes (nossa senhora!)? Hollywood? Bollywood? Shanghai-wood?

Ilustrando (não respondendo) a questão, colagens do artista plástico Lucas Simões.

* texto publicado na edição AMARELLO 4, na primavera de 2010. Segue valendo na era Trump, com excessão do Brasil como um dos promissores Bric. (R.I.P.)

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Uma apresentação Thimister de almas e vestidos

O designer holandês Josephus Melchior Thimister prepara sua coleção “1915 Bloodshed and Oppulence” para a Semana de Alta Costura de Paris em janeiro de 2012

O desenvolvimento da coleção nasceu do desejo do artista de compartilhar sua visão da equação arte e moda. A coleção tem algo em comum com o que se costuma ver nas passarelas: glamour e luxo, mas não se trata apenas disso. Sua criação se difere daquela em que o luxo e glamour sobram na mesma medida em que falta conteúdo com significado. O que se verá no desfile de Thimister é uma  apresentação de almas e vestidos. As raízes ele busca em seus próprios clássicos e cria reinterpretações para o contexto atual.  A proposta é a de criar reflexões que conduzam a uma nova abordagem sobre a construção.

Reflexões sem trégua nestes tempos de insegurança, catástrofe econômica e desolação ambiente. O caos vivido em 1915 pode ser facilmente transferido à nossa época, um tempo dominado pelo sofrimento, pela falta de esperança e pela sobrevida. 

O tema permite um distanciar necessário e uma análise de nossa sociedade que tenta encobrir o vazio, mas que, no fundo, anseia por uma vida mais plena, mais rica, em que supostamente a espiritualidade é valorizada. 

Composta de duas partes, o desfile alia o componente militar à alta costura.

O componente militar cospe explosões de branco sujos de sangue sobre almas imaculadas, um exército verde, reminiscências dos Cossacos Russos, meninas que se arrastam no sangue, assombradas pela falta de esperança. Um movimento sem ordem nem guia, buscando uma vida melhor, ao longe, em outras margens. 

Variações de verde que se esfregam a peles verme-lhas como que manchadas de sangue e bordados que colocam lado a lado o branco e manchas Jackson Pollock.

O componente Alta Costura Russa reflete uma aristocracia intocável e neurótica que ignora toda e qualquer responsabilidade, protegida hermeticamente do rude mundo exterior. Ela se esconde em um universo de torres de marfins, Vogues de luxo e atitudes imperiais. Desliza desdenhosa sem mostrar o menor sinal de medo ou fragilidade. Nuances imperiais de vermelho e creme enriquecidas por raios de prata dos ‘“vestidos samovar’’.

Os casacos de raposa branca desafiam o frio e o o-lhar dos pobres, mas, no final, as belezas Russas acabam por cair em desgraça junto aos primeiros soldados vítimas da guerra. 

A sociedade, conquistadora e vítima de si própria, propaga um misto de esperança e  aflição que contrasta com a opulência da extrema beleza e do luxo. Príncipes e indigentes, Botticellis bálticos e fantasmas rurais vivem juntos na tempestade e no vento.

O sangue e a lama, a sobreposição dos séculos, a fusão dos países, as lembranças da guerra, lufadas de beleza e riqueza, o incenso de profundas crenças ortodoxas que defumam as almas como faria uma voz de tumba.

Sobre o artista

Formado pela Academia Real de Belas Artes de Antuérpia, Josephus Melchior Thimister obteve diploma SUMA CUM LAUDE da seção de moda da Academia Real de Belas Artes de Antuérpia em 1987. 

Após passagens por Karl Lagerfeld e Jean Patou Patou, trabalhou como decorador antes de ser nomeado diretor artístico da Maison Balenciaga. 

Sua visão apurada, quase sucinta, mo-dernista, o fez ser considerado o sucessor natural do criador de visão estrutural. Durante os cinco anos em que dirigiu a Balenciaga, Thimister deu um sopro de modernidade à marca,  antes de criar a sua própria,  em 1997, com coleções de prêt-a-porter e alta costura.

Pode-se dizer que sua a primeira coleção prêt-a-porter foi considerada pré-couture: nela, uma edição limitada de 30 vestidos, todos pretos ou azul-escuros, que, à primeira vista, podiam até parecer simples, mas quando analisadas de mais perto, revelavam uma técnica de alto nível. Tecidos como crepe e seda apresentavam caimento impecável. Convidado pela câmara de alta costura, que buscava novos talentos, Thimister apresenta sua coleção com modelos que mostra um approach dife-rente de tudo o que já se vira no mundo da alta costura e demonstra sua singularidade quando o comparamos a nomes conhecidos da moda.

Seu minimalismo, contrário ao barroco (que é considerado, erroneamente, sinônimo de alta costura) confere um lado prêt-a-porter à alta costura.

O público se surpreendeu pela modernidade e o aspecto aparentemente simples das silhuetas. 

No entanto, criar modelos se mostrou ser uma das artes mais difíceis de se realizar. A técnica e o corte perfeito saltam aos olhos, mas isso não é tudo. 

As criações de Thimister exalam leveza e poesia da qual emana uma elegância desprovida de frescura. E ele fez mais: ao utilizar materiais pouco convencionais, abriu mão do tradicionalismo puro para inovar. Quando paramos para pensar em sua forma de criar coleções, as noções do que é o “efêmero” nos chega ao espírito.

Essa mesma noção nos é também evocada pelos títulos que o próprio artista dá a suas criações como “a luz do norte e o modo como ela se reflete”.

Em 1999, com o tema “O nascimento do pequeno príncipe e o paraíso perdido”, Thimister assinalou a chegada da alta desconstrução do mundo sagrado da costura ao reciclar tecidos rústicos e acrescentando acabamentos de alta costura, em rendas de seda e cetim. 

Antes de Thimister, nunca ninguém havia criado peças como as dele. Sua característica vanguardista se ilustra pela utilização de materiais como forros esgarçados e redobrados, pelo uso de materiais sintéticos como plástico e látex e a maneira como associa o uso de materiais, ora ultrasofisticados, ora brutos. Aí ficam evidenciadas suas múltiplas raízes:  belgas, nórdicas, poéticas, ligeiramente surrealistas que podem ser facilmente postas em oposição.

Sentimentos contraditórios se exprimem um sobreposto ao outro.

Thimister, que nasceu em Mastricht, nos Países Baixos, mora hoje em Paris.  Foi diretor artístico da marca italiana Genny e trabalhou para Charles Jourdan, entre outras diversas marcas de prêt-a-porter como consultor.

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