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#22DuploCulturaLiteratura

Hackeie o Dois

por Rogério Zé

Identificamos. Depois, classificamos pessoas, coisas, situações e circunstâncias. Para facilitar, a cada treco, encontramos seu oposto. O objeto fica, assim, definido tanto pelo que é quanto por tudo o que não é – a “outra coisa”.
Pensamos em módulo Dois.

Não sei em qual momento da evolução decidimos organizar as ideias, valores e opiniões desse jeito. Não sei se biologicamente somos construídos para agir assim – seria nosso cérebro programado dessa forma? Não sei se algum ancestral nosso recebeu uma ordem expressa: “é assim que se pensa”, e passamos a repeti-la como um exército enfileirado gerações adentro. Tampouco desconfio se este é um estratagema de algum mal-intencionado e entendido em comunicação que, com esse ardil, manipula-nos para estreitar nossa visão.

O fato é que algum instinto nos leva a pensar em baias. Há a nossa e a “de fora”. Outro ou outros, isso não importa. Todo o mais é diferente.

*******

Minha família “não se mete em confusão”. Estudei em colégio tradicional católico. Como diversão, escolhi jogar bola e ouvir rock. Entrei em faculdade de Comunicação e, de lá, para o mercado. As preferências políticas eram sólidas. A visão de mundo, idem. E alguma facilidade para falar e escrever rebocaram minhas opiniões, dando a elas o acabamento que me servia. As grandes certezas me faziam dormir tranquilo enquanto o outro lado armava algo para dominar o mundo.

Mas aí o mundo resolveu mudar. Tecnologia, informação, conhecimento, comportamento… Tudo entrou em transe, nome mais apropriado que “transição” (já que a segunda supõe que conheçamos o destino das mudanças, o que não é exatamente verdade). Todas as jaulas se abriram, e os animais deram as mãos a tratadores, vendedores de pipoca, visitantes e quem mais encontraram no caminho, criando novas raças, arranjos, funções e métodos. Darwin ficaria encantado. E também intrigado, pois tudo e todos convivem: o azul, o vermelho e quem só acredita nessas cores; as outras cores; as cores novas; pessoas binárias para determinados assuntos e, ao mesmo tempo, multinárias para outros.

Eu me vi, ironicamente, em uma dicotomia: continuo naquele mundo do “é assim mesmo”, Fla-Flu, par ou ímpar, ou mergulho no abismo vazio entre os Dois extremos para ver se, lá, alguma forma de vida desconhecida me devora? O Dois ficou apertado para mim. Visto a sunga e dou um jump. Para minha surpresa, sobrevivo no oceano incerto. O mundo é, mesmo, líquido.

Abri um pouco mais meus sentidos, em busca de algum sentido. Vi que estreita mesmo era a minha experiência de vida. Sempre houve pessoas, comunidades, culturas mais alinhadas a outros pensares. O binário podia até ser hegemônico, mas (eureka!) nunca único. Entre leituras e ouvidos atentos (apenas para ficar em um exemplo), tomei contato com o taoísmo, tradição milenar chinesa. Em seu livro sagrado Tao Te Ching, Lao Tsé ensina: “O Tao [o caminho] gera o um. O um gera o dois. O dois gera o três, que gera dez mil coisas”.

Cheguei a considerar coisas como “a esquerda e a direita, de fato, acabaram”. Mas elas continuavam e continuam presentes, junto a outras interpretações. Mais que isso, está nascendo uma nova democracia e uma nova política, que inclui em um mesmo ambiente as formas antigas – até mesmo as mais nefastas.

Lindo, mas nada simples.

Enquanto o conhecimento, a crítica e a conexão começaram a criar outras formas de vida, está cada vez mais aceita a ideia de complexidade. Que, em um conflito, não restam apenas vencedores e vencidos. Há cada vez menos segredos e menos silêncios. Considerações são e serão feitas sob todas as óticas. E qualquer decisão que ignore os vários lados da moeda nasce com a certeza de que será revista.

Talvez seja por isso que há uma clara reação do mundo arcaico. Reacionários não conseguem compreender um planeta que foge cada vez mais rápido, e para lugares a cada minuto mais distantes, de sua ótica. É muito descontrole para uma visãozinha de mundo só. Taca-lhe pau em ideias como o casamento homoafetivo, aborto, combate ao racismo etc.

Eu, que tenho uma dificuldade danada com esse novo mundo, resolvi exercitar. Talvez para tornar o transe mais doce, junto com minha sócia, Marcia, criamos o Oppina, uma plataforma de informação que reúne opiniões diversas – complementares, divergentes, opostas – a respeito de temas urgentes e polêmicos. Assuntos relevantes serão tratados por especialistas e líderes em suas áreas, valorizando pontos de vistas diferentes e o ambiente de respeito às diferenças. Nosso projeto propõe o exercício da escuta, do respeito e da tolerância.

E por que estamos fazendo o Oppina acontecer?

Porque a necessidade de costurar acordos para viabilizar a vida passa pela aceitação da complexidade. Porque, para não estagnarmos, precisaremos hackear o espaço entre os polos opostos, fazendo emergir ideias existentes e, também, criar novas. E, neste ambiente, contribuir para o entendimento de que em opiniões diferentes há, também, conhecimento a ser contatado, conhecido e respeitado. Concordar ou não com o que se diz é apenas circunstancial. Basta que estejamos disponíveis a escutar ao invés de, agarrados às nossas crenças, reagirmos a pontapés.

Na prática, daremos ao público interessado a oportunidade de escutar vários pontos de vista acerca do mesmo tema. Simplesmente porque há mais respostas que o “sim” e o “não”. A riqueza está, também, no “talvez”, na dúvida, no ponto de vista surpreendente. Nosso mundo não anda dando chance a quem tapa os ouvidos seletivamente.

Viver a dois é ótimo. Pensar em Dois, não dá.

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É comigo?

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Na faculdade de Psicologia havia um exercício estranho: fazer careta em frente ao espelho e olhar fixamente para nossos próprios olhos até que surgisse alguma sensação. Depois dividíamos com o grupo quais teriam sido os sentimentos comuns, estranhamento e medo – lembro que foi unânime. E foi uma surpresa saber que encarar o rosto mais familiar pode ser também amedrontador.

É comum ouvir a frase “não consigo nem me olhar no espelho” quando estamos diante de alguém angustiado. A figura do lado de lá afronta, anuncia uma dor que passa o dia escondida, maquiada, que traz à luz a marca do tempo, culpas, temores, fracassos. Ela sabe de tudo. Reflete como me sinto. Mas o espelho não é só de vidro. Pode ser de gente.

Projetamos o tempo todo. É uma forma de rejeitar – para fora – aquilo que somos, de atribuir ao outro algo que nos pertence. Por quê? Para aliviar, respirar, afastar sensações incômodas, comunicar algo do nível inconsciente – acima de tudo. Projetamos pois não aguentamos ver algo em nós mesmos que é doloroso e, então, expulsamos essa sensação: a realidade vira uma tela de cinema do nosso mundo interno, e nos comportamos diante dessa imagem projetada.

Na Copa de 2006, encontrei um amigo. Ele tinha saído com minha amiga e eu acabara de ficar sabendo. Estava torcendo pelos dois, mas sabia que deveria ser discreta. Eis que ele me conta:

– Você soube que fiquei com a sua amiga?
E eu:
– Sim, eu soube. Que legal.
Foi logo se justificando, enquanto continuei quieta:
– Mas não vou ligar para ela, não. Apesar de achar ela uma mulher incrível, estou trabalhando muito e quero ser livre. Nada de compromisso. Não sou esse tipo que gosta de namorar sério, não nesse momento, de muito trabalho.
Minha resposta:
– Entendi.
Ele ficou nervoso, bravo mesmo. Tinha bebido umas e outras, clima de dia de jogo:
– Então você acha que eu devo ligar, senão vou perder ela, e que estou sendo um bobo por não convidá-la para sair. É isso? Para de me pressionar. Fica aí me olhando com essa cara. Eu não quero ligar, não vou… Meu psicólogo é foda!

Silenciosamente, assenti com a cabeça e assim fiquei. Entrei muda e saí calada. Mesmo assim, sobrou para mim.

O que eu representava para ele naquele momento? Será que falava comigo naquela hora ou me usava como espelho? Estava brigando comigo ou com a parte de si que estava com medo de convidá-la para sair?

Estamos no ano de 2015 e eles são casados, com uma filha linda de quatro anos. Ainda bem que me enfrentou, pois pôde se enfrentar – pensando bem.

Sair de cena e se perguntar com quem aquela pessoa na sua frente está falando pode ser libertador. Por exemplo, quando alguém te xinga no trânsito desmedidamente sem que você tenha feito algo grave. É pertinente parar e se perguntar antes de reagir: com quem essa pessoa está falando? Ou, quando escuta “eu te amo” de alguém que viu apenas uma vez, será que essa pessoa está falando com você mesmo? O que essa pessoa enxerga em você é real? Tem mesmo a ver com você de fato ou é projeção maciça cuspida e escarrada no rosto de quem nada tem com isso?

Projetar é preciso

O bebê, quando começa a enxergar a mãe, sorri apaixonado. Porém, esse que parece um sorriso contemplativo é, antes de mais nada, um sorriso imitativo. Antes que sorrisse, a mãe lhe sorria. O primeiro lugar no qual projetamos é a figura materna: ao olhar para esse rosto, o que o bebê vê é a si próprio. Ele se molda internamente a partir desse olhar, que acaricia e ao mesmo tempo define seu contorno interno, a autoimagem. O olhar da mãe é o espelho que conta à criança: você é amado. Enquanto nomeia o que se passa com ele, se é fome, dor, sono. Ele vai assim aprendendo a se nomear, o que possibilita seu crescimento e desenvolvimento.

Seria este o lugar de onde se iniciam as primeiras trocas significativas com o mundo. Esse espelho inaugura nosso psiquismo e traz uma sensação pela qual brigamos a vida inteira: a de segurança.

Na situação amorosa, o mesmo ocorre. Tratamos a pessoa amada como gostaríamos de ser tratados e, quando ela se afasta, a sensação é de que uma parte nossa foi roubada.

Freud descreve o estado de apaixonamento como um empobrecimento de ego, uma vez que há uma ilusão de fusão por causa das projeções: “somos eu e você a mesma coisa”. E, quando o outro se vai, a sensação é de perda de uma parte de si próprio.

A arte tem essa mesma qualidade, reflete sentimentos que até então estavam ocultos, traduz experiências emocionais singulares. Naquela figura, projetamos algo nosso.

Tenho no meu consultório, de frente ao divã, um quadro. É uma menina loira de costas de frente para uma piscina que gera tanto comoção quanto raiva. Cada um vê no desenho uma parte de si, um sentimento. Alguns enxergam um menino abandonado, outros uma menina serena. Um adolescente muito criativo viu um menino bolando um baseado.

Existem também situações nas quais nossas projeções nos aprisionam e nos deixam inseguros: o paranoico, por exemplo, projeta no mundo externo partes de seu interior e comporta-se de tal forma que o universo torna-se um perseguidor. O que começa a ocorrer é um ciclo vicioso – se o mundo é um reflexo de meus terrores íntimos, torna-se, então, ameaçador, reflete tudo que me amedronta.

Se libertar das projeções para viver também

Muitas vezes, tornamo-nos prisioneiros da projeção do outro. Como nos casos de pais que não conseguem enxergar outra coisa nos filhos além de si mesmos, tornando-os reféns de um desejo deles próprios não realizado, incapazes de fazer suas próprias escolhas. A menina que deve responsabilizar-se por concluir as antigas aspirações maternas, ou o menino que deve tornar-se, por exemplo, o grande atleta que o pai não conseguiu ser. Existem pais que veem nos filhos uma possibilidade da realização daquilo que a vida os fez abdicar. Seriam os filhos responsáveis pela continuidade de sonhos interrompidos. E, de fato, muitos se deitam nessas projeções familiares por falta de coragem para assumir aquilo que são, pois sabem que isto trará um custo, uma dor, um corte.

Por isso, a simples pergunta “é comigo?” é tão pertinente. Oferece uma possibilidade de reflexão antes de seguir caminhos que definem mais aquilo que esperam de nós do que nosso próprio desejo. Para que nosso reflexo seja nosso e de mais ninguém. Seria esta a pergunta capaz de enfrentar a triste questão que Cecília Meirelles coloca em seu poema “Retrato”: Em que espelho ficou perdida minha face?

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Não saio da cama. Tenho me alimentado basicamente de shakes proteicos, cápsulas vitamínicas e sorvete de caramelo. Assisto a todos os Truffauts e Godards me sentindo a última das mortais – o que não é tão absurdo, já que é cada vez maior o número de pessoas rumando para a imortalidade. As Kardashians, dizem, já chegaram lá.

Conheci Leo há alguns anos. Ele me seduziu com sua afetividade explícita, sua preocupação com tudo ao seu redor e comigo. Aprendi a ser ligeiramente mais otimista com ele, a aceitar a impermanência, a achar graça no óbvio. Subíamos montanhas e acampávamos em planaltos vastos. Ele lia histórias para mim, escrevia poesia ruim, cantava na chuva. Fomos felizes por dezesseis meses.

Leo foi uma paixão sinuosa que nunca passou. Eu ainda acreditava na possibilidade de reconquistá-lo quando fui morar no prédio em que ele vivia, no Centro. O apartamento dele era o 161; o meu, o 171. Abríamos um a porta do outro com as nossas digitais. Éramos próximos assim. Sua lealdade, sua natureza generosa, o penne à primavera de madrugada, a melhor vista de São Paulo, os noturnos de Chopin, sua simples existência tornava minha vida suportável. Seu humor absurdo e afiado não poupava anões nem ninguém. Leo também era mau. Ele terminou comigo porque, explicou, era cindido e precisava reunir as duas partes. Em vez disso, tirou os dois sapatos e pulou do décimo-sexto andar.

Há tempos me sinto muito sozinha na cidade e, não fosse por Leo, já teria me mudado – só não sei para onde. Agora que ele se desintegrou no ar, fico pensando se tudo não seria exatamente igual em Florianópolis ou Indianápolis. A paisagem muda ligeiramente; os problemas, não. E o problema é que eu achava que só com Leo as coisas faziam sentido e, sem ele, entrei num limbo existencial.

Sou tomada de ódio por sua mãe, uma femme fatale que abusou dos tratamentos embelezadores com células-tronco. A relação mãe e filho era profunda, tensa, um verdadeiro clichê freudiano. “Dorme com a mamãe”, Leo me contava que ela pedia. Ele, um rapazote de dezessete anos. Sônia (seu nome) passou para coletar objetos pessoais de Leo e levou até o frasco que continha as últimas gotas do perfume dele, tão difícil de encontrar.

No meio de uma tarde especialmente árida, migro para o sofá, em busca de novos ares. Meu desejo é cada vez mais frágil; não chega nem a se formar. Automática, checo meus e-mails e… o ar me falta. No inbox, uma mensagem de Leo Stephanopoulos. Afasto-me do computador, num pulo. Um trote, claramente. Vou até o banheiro e me olho no espelho; a pele emaciada, cor de massa corrida. Meto a mão na minha própria cara, com força: aí estou, viva.

Segue cópia da missiva:

——-
20 de janeiro de 2048

Lara,
Espero que o choque já tenha passado. Provável que eu tenha chegado aonde quer que eu tenha ido enquanto vc lê este e-mail. Fique bem, OK? E, sim, eu te amei (mas sempre achei q vc devia se preocupar mais em amar do que em ser amada…). Fiz um backup da minha memória e gostaria que vc guardasse isso. Dá pra acessar imagens, diálogos, filmes. Não tem uso, nem quero que vc perca seu tempo – é muito material: minha vida inteira, desde a primeira respiração até o fim que eu escolhi. Só queria que vc guardasse, te peço. Está tudo num chip que deixei na primeira gaveta da escrivaninha, com instruções. Eu andava muito infeliz, tenta entender. E não, não teve nada a ver com vc. Uma coisa aprendi: viver é duro, mas morrer é viscoso. Se cuida.

L.
————

Abro a grande tela holográfica e faço um select das imagens apresentadas pelo programa. Escolho os melhores sorrisos, movimentos, olhares e frases de Leo. Em seguida, faço o upload dos dados para a pasta “cérebro” do avatar. Em menos de uma hora, tudo está pronto.

O avatar toma forma na tela. Alguns touchs, e o holograma aparece. É Leo. É inacreditável! Olha o sorriso torto, a risada sardônica, os olhos que prometem o que jamais poderá ser cumprido, os tiques. O holograma Leo é detentor dos segredos dele e dos meus, da nossa história, mas nada disso é meu.

Vejo-me no espelho do banheiro e minha imagem parece turva. Jogo uma água no rosto. Estou esgotada.

Leo era um neofreak que sonhava com bioreservas orgânicas, onde vivem novas versões das velhas comunidades hippies que consomem o que plantam, curtem cupcakes de haxixe e acreditam no amor livre. O planeta, ele dizia, esta grande teia biológica, vai virar um computador ordinário.

Nerds como Leo têm acesso ao complexo mundo da imersão total na realidade virtual. Ele foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento da engenhoca que traduz sinais eletrônicos em ondas que interceptam as informações sensórias levadas ao cérebro.

Um dia, ele dizia, logo mais, vão transportar mentes conscientes pra corpos humanos, androides, hologramas; você ainda vai conhecer – e quem sabe se apaixonar – por um robô consciente. A profecia não tardou a se concretizar. Um tempo depois, conheci certo bot de chapéu pork pie num bar da cidade.
A solidão é diluída com o holograma. Deitada no sofá, converso com um espectro brilhante que me dá respostas preexistentes.

Leo não existe mais. Tudo o que restou é um fac-símile plácido da sua mente. Não há movimento, não há consciência.

Há uma série de pastas de memórias: família, amores, infância… o outro. Entrei nessa última, curiosa. São arquivos e arquivos de fantasias e desejos perversos: métodos de tortura, orgias sangrentas, narrativas complexas de assassinatos de parentes próximos, listas e listas de minuciosas traições, de crueldade deliberada, de horror. Eu entrava como personagem em várias dessas histórias. Numa delas, o desejo de que um tubarão me devorasse em alto mar.

Levanto e vou lavar o rosto, lívida. Olho para o espelho e não me vejo. Sou eu e uma outra. Jogo mais água na cara e esfrego os olhos. Passo vários instantes encarando a desconhecida.

Entro no apartamento que era de Leo e busco algum resquício do Comme des Garçons odeur de borracha queimada, perfume tão estranhamente afetivo quanto Leo era. Não detecto cheiro nenhum. É como se ninguém nunca tivesse vivido ali.

Sinto-me uma invasora em seu apartamento desabitado. Procuro algo que não sei o que é.

Acesso as memórias mais uma vez. O holograma se acende. Vejo dois reflexos no espelho: o holograma Leo e uma mulher que não reconheço.
Durmo mal, tensa, como se dividisse a cama com um estranho. Ouço passos leves, som de cartas sendo embaralhadas. Levanto-me; a lua é colossal e seu brilho cai sobre o rosto da mulher que caminha em direção à janela e abre a cortina. Ela é igual a mim! E ela se joga. Acordo com meu grito.

De manhã, escovo os dentes, com medo do espelho. Levanto o olhar, rápida, para confundir a imagem, mas ela está lá, idêntica a mim. E não sou eu. Vejo duas metades de mim, que sou outra coisa, um terceiro ser, cindido. Essas metades se procuram e se perseguem.

Não desejo mais nada e sei que preciso de ajuda.

Espelho, espelho meu, pergunto, existe outro eu?

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Gilmara Cunha, moradora do Complexo da Maré, Zona Norte do Rio, receberá, no dia 8 de dezembro de 2015, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, a Medalha Tiradentes, mais alta honraria fluminense, por serviços prestados à comunidade. Cunha é transexual e ativista LGBT, foi coroinha, passou a adolescência numa fraternidade católica, é conselheira nacional da juventude e trancou a faculdade de Psicologia para se dedicar à ONG Conexão G.

Eduardo Cunha, morador da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, foi eleito presidente da Câmara dos Deputados em 1º de fevereiro de 2015 para mandato de dois anos. É deputado federal, evangélico, foi estafeta, formou-se em Economia, operou no mercado financeiro, exportou carne moída para a África, presidiu a Telerj durante o governo Fernando Collor, por indicação de PC Farias, e foi líder da bancada do PMDB na Câmara.

Em 2006, Cunha fundou a ONG Conexão G, pioneira em dar voz ao movimento LGBT nas favelas, ambiente notado pela ausência do Estado, onde as leis são feitas e aplicadas pelo poder paralelo, segundo ela “machista, sexista, homofóbico, transfóbico”. Sofreu discriminação mas perseverou, e hoje organiza paradas LGBT, com trio elétrico e 30 mil participantes, dentro da favela. Porém, sabe que sua agenda é pelo direito de existir: “Na favela, não se pode dar um beijo ou andar de mãos dadas. Quem é gay, lésbica ou transexual no território de favela não usufrui dos avanços que os LGBTs do país vêm experimentando. Não lutamos para adotar um filho. Ainda estamos lutando para sobreviver”, disse à BBC Brasil.

Casado pela segunda vez, Cunha tem cinco filhos, gosta de bons restaurantes, vinhos, charutos e carros esportivos. Tornou-se evangélico há quinze anos. Segundo a Folha de São Paulo, na campanha para presidente da Câmara, “pediu votos para, ‘se Deus quiser’, estar em consonância com a sociedade no comando da Casa”. Autor de legislações antiaborto, contra a legalização da maconha e o casamento de pessoas do mesmo sexo, a favor do Dia do Orgulho Hétero e da lei contra a heterofobia, acredita que a consonância social siga esta agenda.

Há quem diga que Gilmara é de esquerda, e Eduardo, de direita. Também há quem diga que a livre iniciativa, como a da Gilmara, é de direita, e o apreço pelo Estado de Eduardo, de esquerda. Assim como não falta quem considere a Maré da Gilmara de esquerda, e a Barra do Eduardo, de direita. Mas não seria a favela, território absolutamente alheio ao Estado, um feudo da direita? E a Barra, com ampla presença do Estado, o sonho da esquerda?

Gilmara luta pelo respeito aos direitos individuais. Eduardo legisla para que o Estado possa arbitrá-los. Dois lados, dois Cunhas e a pergunta: o que seria esquerda ou direita?

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Aguenta coração

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“A mamãe não! A mamãe não!”. Mais uma vez ele me enxotou. Ouvi uma choradinha na babá eletrônica, fui lá, e fui expulsa: “Eu quelo o papai, eu quelo o meu papaizinho!”. Deita aqui no colo da mamãe, filho. “Nããão, a mamãe nããão!”.

Tá bom. Eu sei que ele não é a única criança que prefere o pai; lá na casa da Bá, minha amiga mais bem-resolvida, eles também só chamam o pai. Mas quem disse que não dói? A Bá vive me dizendo que dá graças a Deus que não é ela que tem que ir lá de madrugada, que ainda bem que não é ela que tem que sair da cama (a Bá é uma pessoa que preza muito por uma boa noite de sono), mas não é só de madrugada que ele me rejeita. Ele prefere o pai para tomar a mamadeira, o banho, ele quer o pai pra levar ele na escola. Vamos com a mamãe, filho? “Nããão, o papai leva”. Filho, a mamãe fez macarrão, vamos jantar? “Nããão, o papai dá”.

Eu vim aqui na varanda para dar uma respirada, porque é difícil lidar com a rejeição, não é mesmo? Eu mal consigo conviver com minha babá que me odeia, e minha sogra; imagina tomar essas invertidas do meu neném, meu zizi, meu formigueirinho. Eu ia acender outro cigarro, mas já fumei uns cinco. E justo hoje o doutor Marcelo falou, “cuidado com o cigarro”. O doutor Marcelo fala que eu tenho o trio elétrico: colesterol alto, gordura no fígado e proteína C reativa sempre reagindo. “Até a menopausa, os hormônios femininos te protegem, depois infarta mesmo”.

Eu vou falar uma coisa para você. Eu sou meio a fim do doutor Marcelo. Ele é gênio, ele é bonito (combinação bombástica para um coração feminino) e ele é tão, mas tão educado. Pensa você que eu vou lá desde os 27 anos, e ele nunca me mandou tomar no cu. Desde os 27 anos ele me manda parar de fumar e eu não paro, desde os 27 anos ele me diz para fazer exercícios e eu não faço, desde os 27 anos ele me avisa que eu tenho o trio elétrico e que, se eu não tomar a Rosuvastatina, que eu não tomo, eu vou infartar mesmo.

Mas eu sou teimosa. Eu tomo cápsula de alcachofra e água de casca de berinjela, umas gotinhas, porque um homeopata me falou que a Rosuvastatina causa rigidez muscular. “Sei”, o doutor Marcelo disse. A outra coisa que o doutor Marcelo sabe é que homeopatia não funciona. Não para uma pessoa com LDL 208, como eu. Mas isso ele não disse. Só me abriu uma pesquisa da The New England Journal of Medicine e me mostrou, parágrafo por parágrafo, os resultados do último teste cego duplo feito com mulheres com colesterol e proteína C reativa altos, que teve que ser encerrado, porque as mulheres acima dos 50 anos que não tomavam a Rosuvastatina morriam.

Tá bom, doutor, tá bom. “Só tem mais uma coisinha que não está muito boa. Seus eosinófilos estão em 19,7%.” O que significa isso? Estou com vermes. Eu não sei se eu fiquei mais incomodada em ter vermes, ou que o doutor Marcelo soubesse que eu tenho vermes.

Estava aqui pensando, será que foi por causa do dia em que eu gritei com ele porque ele não queria comer nem o macarrão, e aí eu tive um surto e dei um soco na mesa? Ai, meu deus do céu, que culpa. E também teve outro dia em que eu tive outro surto no carro, porque ele queria a chupeta e a chupeta estava no chão, e eu não conseguia alcançar a chupeta, e ele gritava, gritava, e eu gritei mais ainda.

O pai nunca levantou a voz para ele na vida. O pai é muito mais legal que eu (e que a maioria das pessoas do mundo, na verdade; é concorrência desleal). O pai para o carro, estaciona e pega a chupeta. O pai desiste do macarrão e faz uma mamadeira. Eu sou uma louca, meu filho, eu te entendo. Mas eu sou louca por você, meu formigueiro. A coisa que eu mais gosto no mundo é quando você deita no meu colo. Inclusive, se eu fosse um bicho, eu seria um cachorro, que precisa de colo. Seu pai é mais gato. Ele fica bem sozinho.

Ele não tem vermes, nem colesterol alto. Eu vou morrer mais cedo que seu pai, vai me escutando. Ou pelo menos escuta o que o doutor Marcelo falou.
“É um colesterol na categoria dos estratosféricos. Mata mesmo.”

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— Doutora Jaqueline, o que você achou do que minha mulher disse?
— Olha, eu achei que foi uma boa eu ter sido mãe solteira. (O bom da doutora Jaque é que ela não é daquelas terapeutas lacônicas.)
— Legal, me ajudou bastante. Mas o que eu faço com isso? Eu não quero que minha mulher pense que meu filho, digo, nosso filho, gosta mais de mim do que dela. Isso não tem nada a ver. E muito menos que ela pense que vai morrer antes de mim. Vê se pode? Quem será que anda colocando essas minhocas na cabeça dela?
— Peraí, talvez eu possa te dar uma luz. Deixa eu abrir esse estudo aqui do Wienerschnitzel Institute na Alemanha, acho que pode ter alguma coisa a respeito. (O bom da doutora Jaque é que ela não finge que sabe tudo, ela tem humildade para consultar outras fontes sempre que preciso.)
— O seu filho só deixa você dar comida pra ele, certo?
— Certo.
— E só deixa você dar banho nele, certo?
— Certo.
— E só quer que você leve ele pra passear, certo?
— Uhum.
— Acompanhar ao penico?
— Papai.
— E colocar pra dormir?
— Eu.
— Eu acho que os sintomas estão claros. O cachorro dessa história não é sua mulher, é seu filho. Aqui diz que até os 3 anos e 7 meses de vida algumas crianças se comportam exatamente como cachorros: escolhem apenas um dono, e só deixam que este dono realize todas as atividades básicas de sobrevivência. Lembra daquele filme Marley e Eu? Aquele labrador era presente pra Jennifer Aniston, mas ele escolheu o Owen Wilson como seu dono. Seu melhor amigo, companheiro. Era pra ele que o Marley corria ao ouvir um trovão.
— Mas meu filho não tem medo de trovão…
— O que ele pede quando toma um tombo ou se machuca?
— “Tólo. Tólo papai.”
— Então. Mas, pelo que você já me contou, em termos de brincadeiras, ele se diverte até mais com a mãe do que com o pai.
— É verdade. Pra cada gargalhada que ele dá com o pai, ele dá três com a mãe.
— Então, na verdade ele acha a mãe mais legal. Isso que sua mulher tá falando é exatamente o oposto, tá vendo? O que ele vê no pai é um porto seguro. Vocês têm também uma filha de menos de um ano, não é isso?
— É.
— Você já deixou de colocar ele pra dormir por causa dela?
— Não.
— Já deixou de acudir ele de madrugada porque estava dando de mamar pra ela?
— Não, né.
— Já deixou de dar comida pra ele porque tinha que colocar ela pra dormir?
— Não.
— E já deixou de pular da cama com ele às 6 da manhã porque não conseguia abrir o olho depois de dar de mamar pra irmã dele a noite toda?
— Claro que não.
— E sua mulher, já fez uma dessas coisas?
— Quando, hoje…?
— Tá vendo? Mas pra brincar ele não só aceita o que ela propõe como até a procura.
— É verdade. Eles brincam de polvo maluco, de carrapato faminto, de tamanduá no formigueiro, de super-herói voador, de atirei o pau no gato em ritmo de rock, de diálogo yanomami, e sei lá mais o que que aqueles dois riem tanto.
— E ele não gosta?
— Bom, ele não para de gargalhar e fica pedindo “mais, mais”. E não me parece que ele seja masoquista (se tem algum masoquista na relação deles é a mãe, que deixa ele ficar dando mordida nela até um ponto em que fica a marca dos 14 dentes que ele já tem).
— E ele é carinhoso com a mãe, tirando os momentos de atividades rotineiras?
— Bom, se dar selinho na mamãe através do vidro do box do banheiro não é ser carinhoso, eu não sei mais o que é.
— Então não restam dúvidas, isso é Síndrome de Weimaraner. O filho, até os 3 anos e 7 meses, tem o pai como Sicherheitsreferenz, ou referência de segurança numa tradução literal. A mãe exerce um papel mais lúdico, mais romântico. A mãe é Eros, é Ludus. O pai é Zeus. Mas, depois dessa idade, a criança já é menos bichinho e mais humano, e consegue estabelecer duas relações mais equilibradas com o pai e a mãe. Não é mais um ou o outro, e sim um mais o outro.
— Poxa, que boa notícia. Então é só eu falar pra ela aguentar mais um aninho e pouco e pronto!
— Isso. Fora que com tudo isso de gargalhada que sua mulher dá com seu filho, ela ganha um bônus de longevidade de uns 10-15 anos, pode falar pra ela. Mas, se eu fosse você, eu não contava que também por volta dos 3 anos e meio há 73% de chance de as meninas só quererem o papai pra tudo.

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Bruna, como surgiu seu interesse em trabalhar com azulejos?

Eu me formei em Arquitetura no Mackenzie e trabalhei cinco anos como arquiteta. Sempre gostei de desenhar módulos geométricos em caderninhos. Carrego cadernos quadriculados de um lado para outro. Cabeça meio de arquiteta.

Há quanto tempo a Lurca existe?

Oficialmente, cinco anos, mas eu já fazia os azulejos há alguns anos. Fazia para mim, para amigos. Com o tempo, os amigos arquitetos – são muitos – começaram a me cobrar um site, queriam mostrar para clientes. Então resolvi abrir a empresa, escolher um nome, fazer o site e tudo mais. No começo, era super pequeno, atendia só com hora marcada.

E por que o nome “Lurca”?

Eu não queria usar meu nome porque também tenho minha linha de painéis exclusivos assinados. Pensei em algumas opções, mas, na hora de registrar, vi que não poderia usar nenhuma, pois não pode ter nada parecido em um campo muito grande. Aí criei 10 nomes malucos. Uma tia me sugeriu enviar para uma numerologista de Curitiba e, na dúvida, enviei. O único que voltou recomendado foi “Lurca” – uma mistura do nome do poeta Lorca, que eu amo, com uma encanação de usar “u” por conta da palavra “azulejos”. Então vi que dava para registrar, o domínio estava disponível e não existia quase nada no Google com esse nome. Tudo se encaixou.

Você faz dois tipos de trabalho. A Lurca e projetos autorais. Qual é a diferença entre eles?

Basicamente, a ideia da Lurca são azulejos como unidades geométricas que podem ser montadas de diversas maneiras. Os azulejos são vendidos em caixas de 1 m², e o cliente pode seguir uma sugestão de montagem nossa ou misturar do jeito que preferir. É bacana, porque é mais acessível que os painéis autorais – tanto para a pessoa que quer fazer um painel gigante na fachada quanto para quem quer usar como revestimento na cozinha ou no banheiro. Já os painéis assinados são interessantes porque eu desenho um painel exclusivo para o lugar, e as peças são manchadas uma a uma; acaba tendo uma conotação mais artística. Agora, estou começando a fazer também painéis menores, como quadros. Mas, no final, vejo que tudo que eu faço tem uma cara parecida. Tenho pastas e pastas de desenhos, sempre geométricos, com padrões parecidos.

Eles também parecem ter uma influência árabe.

Sim, essa nova coleção da Lurca foi inspirada principalmente nos tapetes marroquinos.

Falando em países árabes, sei que você passou um tempo na Turquia. Como foi sua experiência turca?

Eu adoro arquitetura islâmica, e tento sempre viajar para conhecer mais e mais. Antes de me formar, me inscrevi em um programa de estágio que funciona como uma troca: você pode disponibilizar uma vaga e hospedagem e ganha pontos na hora de escolher um lugar. Uma vez por ano, eles abrem as vagas e você escolhe sua preferência de 1 a 10, e consegue a vaga dependendo de quantos pontos você tiver. Eu não tinha ponto nenhum, mas me inscrevi para um estágio em Damasco e, como ninguém quis, eu consegui. Conhecer a Mesquita dos Omíadas em Damasco era um dos meus sonhos. Só que, no final, o pessoal da Síria era super enrolado. Eles me aceitaram, mas atrasaram pra caramba a papelada, e o pessoal daqui não podia me autorizar a ir. Como eu tinha feito tudo certinho, me deram prioridade para o ano seguinte, e, como eles já sabiam da minha preferência, no dia em que saiu a lista me avisaram que tinha aberto uma vaga em Istambul, e eu topei na hora. Não tinha ideia de como era o escritório de arquitetura, ou qualquer palavra em turco. Fui avisada de que iam me pegar no aeroporto, mas ninguém apareceu. Eu combinei de chegar uma semana antes, porque, na época, estava tendo vários atentados curdos, e eu não queria correr o risco de deixar de ver algo – imagina, estou lá e colocam uma bomba na Blue Mosque, e eu fico sem conhecer (risos). Era para eu ficar em um dormitório da Faculdade de Arquitetura, mas tinha que dividir com três gringas e era super longe, então aluguei um quarto em um albergue que tinha bar no térreo, bem hippie. Eu trabalhava no lado asiático, demorava uma hora e meia para chegar entre caminhada, pegar lotação e barco para cruzar o Bósforo, mas era incrível. O escritório ficava em um bairro pequeno, escondido, super charmoso, em uma casa otomana restaurada. E todo dia eu chegava à noite no albergue e jogava gamão. O pessoal lá joga desde criança. Eu achava que sabia jogar, mas, chegando lá, um dos caras que trabalhava no albergue me ensinou direito, e no final eu já estava apostando com os gringos. Mas a história é que, na minha primeira semana em Istambul, fui à Hagia Sophia para conhecer, e tinha uma exposição da Iznik Foundation no mezanino.

Iznik é uma cidadezinha ao sul de Istambul que ficou conhecida por seus azulejos. Os azulejos são, na maioria, florais, em vermelho e azul. Na época, com a rota da seda, a cerâmica chinesa era muito comum, com seus tons de azul. Mas, em Iznik, conseguiram chegar em um vermelho, que é um pigmento difícil para cerâmica, e era inédito na época. Eles exportavam para todo o Império Otomano, e a fórmula deles era um segredo super bem guardado. Tanto que, quando o Império Otomano acabou, o segredo se perdeu. E há vinte anos criaram essa fundação. Juntaram cientistas, historiadores e ceramistas e conseguiram chegar à fórmula original, que inclui também passar uma camada de pó de quartzo antes da última queima, dando um brilho diferente. É lindo.

Nessa exposição na Hagia Sophia, um curador havia convidado artistas e arquitetos para criar um padrão de unidade e fazer azulejo com a mesma técnica dos azulejos de Iznik, mas com desenhos super modernos, e, então, montar painéis repetindo essa unidade, que era o que eu andava fazendo, apesar dos desenhos serem bem diferentes. Demorou ainda cinco anos para eu abrir a Lurca, mas, nesse momento, tive uma sensação muito forte de estar no caminho certo – afinal, qual era a chance de ver essa exposição e estar em Istambul naquela hora? Comprei o catálogo e, chegando em casa, vi que o curador da exposição era o arquiteto do escritório em que eu ia trabalhar. Depois disso, fui para a Síria, conheci a mesquita. Incrível.

Quais são suas particularidades?

Como ela foi uma das primeiras mesquitas, ainda não havia uma arte islâmica característica, então foram feitos mosaicos como os bizantinos, mas super ricos e conservados. Talvez por a mesquita sempre ter sido usada, nunca ter sido abandonada. E também é um lugar de peregrinação xiita, e o Saladino está enterrado lá, então tem gente passando o tempo todo. Damasco tem muita história.

É o berço de tudo, né?

Sim. E a cidade é linda, pequenos corredores que se abrem em pátios, arquitetura bem de cidade muçulmana. Eu não sabia, mas lá tem muita decoração com mármore, alternando faixas de cores diferentes. Eu acho lindo como geralmente a decoração islâmica não tem medo de errar; tem todas as ornamentações e fica lindo. Você coloca uma super azulejaria, com muxarabis, um piso de tal jeito, teto de outro, tudo misturado.

E ainda pintam a parede de vinho…

Total (risos). E ainda fica bonito!

Quais lugares você tem como referência?

Do mundo muçulmano, Turquia, Andaluzia, Síria, Marrocos, Egito, Irã, Rajastão…

Qual é a característica principal de cada um?

Tem uma história na arte islâmica que eles evitam a representação de imagens de pessoas, então geralmente a decoração dos lugares usa geometria, florais ou caligrafia. Na Turquia, tem mais florais. Eles usavam bastante os azulejos para revestir mesquitas inteiras, achavam que dava leveza para os pilares imensos que venciam os grande vãos. Na Síria, muito mármore; no Irã, muita geometria e florais bem femininos. No Marrocos, eles usam muita geometria, usam aqueles azulejos cortados chamados Zellij, como foi usado no Alhambra. Eu fiz um curso em Marrakesh, é uma loucura.

Como são feitos?

Eles fazem peças como azulejos grossos e mal-acabados em fornos redondos a lenha, depois jogam essas peças nesses ateliês super simples para fazer os Zellijs.

Basicamente, eles pegam o azulejo e, usando uma pecinha pronta de algum formato como molde, vão riscando a peça com um palito de madeira molhado no cal. Ele risca de tal jeito a aproveitar a peça ao máximo. No chão, fica uma pedra com um pedaço de metal preso, então esse cara fica agachado e, com uma marreta gigante apoiada no joelho, vai batendo delicadamente para quebrar as peças certinho. Uma por uma.

Que trabalho…

Muito! Fiquei horas para conseguir cortar os pedacinhos. Você pensa, poxa, eles podiam ter modernizado pelo menos alguma das etapas! Mas existe o charme de cada peça ser diferente da outra, um ou outro quebradinho.

E no Brasil, quais são suas referências?

Bom, o Athos Bulcão eu confesso que conheci muito depois de começar a fazer os desenhos. Eu estava no final da faculdade e mostrei os desenhos de alguns azulejos para uma amiga paisagista da minha mãe, que disse “ah, legal, como o Athos”, e eu respondi “Athos quem?” (risos). Não acreditava. Já tinha um cara que tinha feito tudo e de um jeito incrível. Acho o trabalho dele lindo; é bem a ideia da unidade repetida. Dizem que ele muitas vezes deixava os pedreiros instalarem as peças do jeito que quisessem, porque a ideia era ficar aleatório mesmo. Ele foi assistente do Portinari, ajudou no painel da Pampulha.

E teve essa fábrica aqui em São Paulo chamada Osirarte, que produziu boa parte dos painéis mais legais de azulejos, do Portinari, Burle Marx, até o Volpi participou.

Quais são os painéis mais importantes do Brasil?

Eu diria que o Portinari do Ministério da Educação, com o tema marinho, mas, para mim, o Burle Marx é surreal. No sítio dele, no Rio, tem um lugar que ele construiu inteiro revestido de azulejos, bem geométricos, pintados a mão. É de morrer… Tem também o do Athos no Instituto Rio Branco, em Brasília, que adoro.

E no Nordeste?

Recife tem muitos azulejos coloniais. Tem uma história engraçada. Dizem que o Brasil colônia que inventou essa moda de usar azulejo em fachada. Porque achou super prático. Aqui batia muito sol, e os azulejos também protegiam da chuva, da umidade, são fáceis de limpar. E essa moda teria voltado para Portugal, para o colonizador, e, imagina, lá tem azulejo em todas as fachadas…

Mudando um pouco de assunto, me fala sobre seu ambiente de trabalho. Você sempre esteve aqui neste prédio lindo?

Não. Faz dois anos e meio.

E como você acha que o ambiente influencia seu trabalho?

Ah, faz toda a diferença. Ter espaço para montar os painéis no chão. Ter espaço de estoque para a Lurca agilizou toda a produção. E também poder receber as pessoas como em uma loja, mas ter o meu ateliê no fundo, escondido, com um jardim. Poder ter meu forno bem próximo, poder testar as coisas na hora.

E como acontece o processo de produção de uma peça?

Existe um pigmento em pó, chamado de over glass, que é misturado com um veículo como óleo de copaíba, até ter uma textura de pasta de dente. Com essa tinta, pintamos as peças brancas esmaltadas com tela de serigrafia. Isso, então, é queimado a 800 graus, e a tinta adentra a superfície. Já os testes que estão agora no forno são experimentos em alta queima, para usar nos novos painéis assinados. Aí a técnica é diferente; é outro tipo de pigmento que é misturado com água, antes misturada com uma cola em pó. Nesse caso, o esmalte não pode ficar nem muito líquido, nem muito grosso.

E você pretende fazer painéis enormes com isso?

Sim! E estou nessa piração de também misturar latão, mármore, granito, diversos minérios… Já comecei nos painéis pequenos, mas imagina fazer grande? Eu acho que pode ficar incrível…

Você trabalhou a vida inteira para chegar nisso.

É (risos).

Tem algum projeto com o qual você se sente mais realizada?

O primeiro painel grande que fiz foi marcante, no hall de um prédio em Higienópolis. Na hora que montei todas as peças no chão, antes de instalar… Sabe aquelas horas que você sabe que está fazendo o que você quer mesmo? Mas teve um outro que eu gostei muito de fazer, um painel com um escritório de arquitetura chamado Suite Arquitetos. Eles me ligaram e explicaram que estavam fazendo uma loja modelo para a marca Besni, no Capão Redondo, e que teria um grande jardim no fundo do terreno, onde gostariam de revestir a fachada toda de trás com um painel gigante. Eles me disseram que gostariam muito de ter uma participação da comunidade, e sugeriram entrarmos em contato com a Casa do Zezinho. Eu já conhecia essa ONG, sabia que era foda, tinha até já visto palestra da fundadora. Então conversamos com eles, e, durante alguns meses, eu fui lá falar com diversas turmas sobre a história dos azulejos, sobre meu trabalho, e brincamos de desenhar padrões. Eu criei um desenho de painel de forma que esses padrões pudessem se encaixar, e essas peças especiais foram encomendadas para os meninos da turma de mosaico que têm uma pequena empresa e são super talentosos. O resultado ficou lindo, tem uns desenhos maravilhosos. Foi muito bacana ter essa troca e fazer um painel em conjunto.

Quem ou o que são suas maiores inspirações?

Eu diria viagens, museus e livros. Quando viajo, tento ir a alguma biblioteca pública ou de museu. Hoje em dia, falam que podemos encontrar qualquer livro na internet, mas não é verdade. Tem muitos livros que saíram de edição e não se encontra mais. Tem um museu de cerâmica e vidros em Teerã com uma minibiblioteca embaixo – cada livro… Em Istambul, tem uma biblioteca ótima no Museu de Arte Moderna; um monte de livros que, depois, fui dar Google e você não encontra. E, fora isso, vejo muitos sites de antiguidades. Principalmente os ingleses, talvez pelas antigas colônias. Tem livros de tecidos, tapetes e cerâmicas incríveis. Existem alguns que conseguimos ver em museus, mas muita coisa está em coleções privadas. Às vezes, peças que o colecionador vende na própria casa. E hoje em dia fica muito fácil ver tudo isso pelos sites; tecidos de todos os países africanos, umas raridades absurdas.

E o que você não fez que ainda quer fazer?

Bom, eu queria muito fazer painéis em lugares que as pessoas realmente circulassem, sabe? E a minha ideia mais óbvia é o metrô. O metrô já tem essa tradição de usar azulejos de cerâmica, por ser prático. Você vai nos metrôs antigos do mundo inteiro e encontra. São uns mais lindos que os outros.

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Por que os comediantes são ao mesmo tempo amados e temidos?

Há várias maneiras de abordar essa pergunta. Talvez (suponhamos que sim) uma das respostas resida na função social que desempenham.

Todos nós não cansamos de perceber, ao entrarmos em contato com humoristas, que a comédia é um lugar privilegiado de revelação de segredos. Não pega bem, no dia a dia, soltar o verbo sobre nossas próprias falhas. Expor em público aquele nosso hábito de mexer nas gavetas alheias, stalkear Facebook de ex, broxar ou colar no psicotécnico. Nossas fragilidades morais ou fisiológicas não são tidas como assuntos desejáveis em nossas vidas prosaicas. Estão interditadas.

Fazer humor é, muitas vezes, revelar essas verdades humanas ocultas. Talvez seja por isso que a aproximação de um comediante de stand-up do microfone traga frio às barrigas presentes. O tabu se torna assunto possível. Ao ouvi-lo, é comum que pensemos: “isso é MUITO verdade!”. Como dizia o filósofo francês Henri Bergson, o humorista é um moralista disfarçado de sábio. Aquele que lembra quão frágeis, toscos e ridículos somos. E que nos ensina a conviver com essas limitações. Ele nos tomba de nossos pedestais de títulos, cargos e aspirações. Para o roteirista Steve Kaplan, enquanto o drama nos faz sonhar com aquilo que poderíamos ser, o humor nos ajuda a lidar com quem nós realmente somos.

“O que você faz da vida, Dante?”, alguém me pergunta. “Trabalho como curador de conhecimento”, respondo. Perguntinha comum, respostinha padrão. Gostamos de revelar apenas aquilo que nos enobrece. E o ofício exercido por cada um é uma forma de nos distinguirmos positivamente. O humor, é claro, subverteria essa fórmula. O comediante americano Louis C.K. certa vez se perguntou retoricamente, diante de uma plateia com mais de 2 mil pessoas, “o que fazia da vida”. A resposta: “Sou um babaca profissional. Ganho rios de dinheiro para falar sobre bebês com paus enormes”.

O humorista joga a real, moraliza e ensina, mas de uma forma completamente distinta de como um padre, uma tia ou um tutor fariam. Todos sabemos que ele emprega seus recursos cômicos com o objetivo final de provocar o riso. A gargalhada do público é seu indicativo de sucesso. Mas o que seria o riso?

O pianista e comediante dinamarquês Victor Borge o chamou de “a distância mais curta entre duas pessoas”. Um fenômeno social compartilhado. Rimos em média seis vezes por minuto enquanto conversamos. Não por acaso: somos trinta vezes mais propensos a rir se estamos com alguém, sobretudo se conhecemos essa pessoa. Durante uma conversa, inclusive, é mais provável que a risada surja de quem está falando. Contudo, ter graça não quer dizer necessariamente estar imbuído de comicidade. O comediante, incapaz de se valer da complacência amiga de ouvintes conhecidos, tem como único caminho a piada.

A piada é uma forma narrativa bem específica. Ela pode empregar técnicas diversas, mas sempre faz surgir uma inconsistência para quem a ouve. Suscita um algo-a-ser-resolvido, uma charada cognitiva. Ativa no nosso cérebro o chamado córtex cingulado anterior, que serve à detecção de conflitos — necessária ao entendimento da piada — e para lidar com sentimentos e situações sociais difíceis.

Essa narrativa faz emergir um medo. Nosso medo primário da ridicularização pública. Ou até mesmo aquele mínimo receio de nos enxergarmos como ridículos. Porém, numa fração de segundo, ao “pegarmos” a piada, há uma grande sensação de alívio. Percebemos que o risco social a que aludiu não representava perigo real. Que não houve a conversão do risco em violência contra quem ouvia. Todo mundo é tosco. Tudo bem ser ridículo(a), queridinho(a). Olha só, está todo mundo rindo mesmo…

É o que Bob Mankoff, editor dos cartuns da revista The New Yorker, chama de violação benigna. Para ele, o humor é como um zoológico, para o qual os ferozes tigres são essenciais. Desde que permaneçam, contudo, dentro de jaulas. Sob controle. Então, quando chegamos à punchline da narrativa cômica, após percebermos que o risco passou, sentimos aquele profundo alívio. Ele se expressa involuntariamente na forma de riso, acompanhado por uma descarga de endorfina no cérebro, gerando prazer.

E isso não é de hoje, não. A primeira gargalhada que vivenciamos em nossas vidas, quando ainda pequenos, é aquela originada por cócegas. Um belo dia, a mãe (ou o pai) se aproxima do bebê para mexer em sua barriguinha e encosta nele. Num primeiríssimo momento, o cérebro do infante não consegue pensar: “Ei, fica tranquilo, moleque, mamãe ama a sua fuça demais pra te fazer mal”. Em vez disso, processa: “Objeto-mão se aproximando, a-ler-ta ver-me-lho, será amigo ou inimigo, so-cor-r…”. Num átimo, percebe que não havia o risco que antecipou, e ri.

Voltando à nossa vida adulta supermadura (com medinho do ridículo). Mas e se aquela piada, que se delineava enquanto violação apenas em potencial, converter-se em violência de fato? Se atravessar a linha da violação benigna para adentrar o território do puro sadismo? O que acontece? Não é difícil notar: as pessoas em geral param de rir. Algumas soltam risos nervosos, que são, segundo a neurociência, mecanismos do nosso corpo para diminuir a sensação de perigo diante de uma ameaça verdadeira. O comediante, aquele até quem as pessoas vão para ouvir a real, não raro é desbancado por seus próprios preconceitos e opiniões precárias. Cai o seu disfarce de sábio e o feitiço se volta contra ele.

Se o humorista é um moralista, o ato de rir de suas verdades reveladas não é nada além da capacidade humana de ter prazer no desconforto de uma condição incontornável. De sentirmos um júbilo imenso de dentro de nossas próprias feridas. Que me desculpem os astrofísicos: mesmo neste vasto universo, fica difícil imaginar outro fenômeno tão dual quanto esse. Caso queiram encontrá-lo, que estacionem na terceira pedra depois do Sol.

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O Masculino

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Conte um pouco sobre sua formação. Você é arquiteto, certo?

Sim, me formei na FAU como arquiteto e urbanista em 2000, mas, na metade do curso, já comecei a me interessar pelas artes e querer experimentar um pouco a pintura. Foi quando fui fazer um ateliê aberto no MuBE com o Sérgio Romagnolo. Eu lembro bem a conversa que tive com ele, que eu queria aprender a pintar, e ele simplesmente falou: “OK, então pinte”. Esse talvez tenha sido o melhor direcionamento que poderia ter recebido naquela época. E, no fundo, é exatamente isso. Vá lá e pinte. E foi assim que comecei. Ainda na faculdade, participei de alguns salões, e fiz uma individual na galeria Adriana Penteado. Meus colegas de galeria eram Carla Zaccagnini, João Loureiro, Debora Bolsoni, tinha uma turma muito legal. Foi nessa exposição que expus todos os meus quadros pretos. Esse quadro é um que eu estava preparando para essa exposição e não terminei. Não deu tempo e está aí até hoje [pendurado na parede de sua casa/ateliê].

Você chegou a trabalhar como arquiteto?

Sim. Bastante. Eu participei de projetos com o Loeb, com o Eduardo de Almeida… E trabalhei no Rocco Associados, que é um escritório que já mudou de nome, que foi incorporado. Projetava prédios e ficava produzindo, tentando levar essa coisa da arquitetura adiante, mas sempre tendo como foco as artes. Por vezes eu me distanciei, por vezes me aproximei, também trabalhei com design gráfico; tudo isso para sustentar a introdução às artes.

E quando que você começou a trabalhar mais como artista, de realmente ser o principal e o resto ser secundário?

Bom, mais ou menos em 2006 eu saí do escritório de arquitetura em que trabalhava e comecei a trabalhar com ilustração e design gráfico, o que me permitia ter um horário mais flexível e me dedicar cada vez mais à arte. Em 2007, eu acho, entrei no mestrado na ECA, em Artes Visuais. E aí, sim, comecei a pôr as artes plásticas na frente de todo o resto. Eu estudava artes plásticas, pensava artes plásticas e trabalhava com artes plásticas. Mas foi só quando terminei o mestrado, em 2009, que comecei de fato a me apresentar como artista plástico. Eu não era mais arquiteto, mas, sim, artista plástico. Mesmo assim, antes desse período, participei de várias exposições, editais, fiz algumas individuais. Todo o percurso do jovem artista.

E no mestrado você começou a ter ligação com vários outros artistas, e também com uma geração mais velha, e críticos, curadores…

Pois é. Isso me faz lembrar uma coisa muito interessante, porque, como eu vinha da arquitetura, não tinha uma ligação direta com essas pessoas e esse mundo. Então, de algumas das exposições que fiz no começo, não tive nenhum retorno, mas, depois de anos, cruzei com alguém que falou: “sabe aquela sua exposição de 2001? Eu vi. Muito legal”. Isso foi um retorno que tive depois de muitos anos contra essa distância. Além de outro círculo.

E aí no mestrado é quando você se insere de fato, pelo menos no ambiente, e conhece as pessoas e seus trabalhos. Ah, um detalhe interessante: quando eu ainda estava na faculdade, junto com um amigo da FAU, tive um ateliê no Bom Retiro, que, no final das contas, só eu usava. O espaço exclusivo para produzir é um momento importante. É um espaço onde você chega e não tem mais nada para fazer além de trabalhar. Não tinha nem onde sentar. Tinha só aquela cadeira. Era para chegar e trabalhar. Se fosse para não fazer nada, não dava, porque era muito desconfortável, inóspito até. O lugar era uma antiga borracharia e funcionou muito bem para aquele momento. Fiquei lá um tempo, e depois encontrei esse apartamento, onde também me encaixei muito bem.

Você considera aqui mais casa ou mais ateliê?

Então, não consigo separar. Eu não consigo praticamente separar horário de trabalho do horário de descanso. É tudo muito misturado. Estou sempre pensando no trabalho – não necessariamente materializando o trabalho, mas estou 100% envolvido com ele. Eu moro aqui sozinho, não dá para escapar, e nem quero escapar. Mas, por outro lado, também tem uma coisa quase simbólica que faço quando estou aqui trabalhando [na sala/ateliê], que é fechar a porta do corredor [risos]. Eu tenho que fechar. Não é por causa do cheiro da tinta, não é nada. Porque, de qualquer maneira, o conforto está lá.

Isso tudo requer muita disciplina, né?

Sem dúvida. A questão da disciplina é algo que, inclusive, é tema do meu trabalho. A maneira como faço essas pinturas, a escolha da técnica, da maneira de pintar, requer muita disciplina – a pintura a óleo tem o tempo dela. Então isso tudo está aí no que você vê. Na verdade, uma das coisas que carrego no meu trabalho e que talvez não fique muito visível para quem olha, algo que norteia meu trabalho, tem a ver com essa disciplina que a pintura impõe, tem a ver com o trabalho em si – a quantidade de horas para chegar nisso, conseguir essas diferentes nuances de cinza e tal. Tem muito essa coisa da contenção dessa pintura, para chegar nesse quesito dos tons; é uma pintura relaxada. E por vezes eu escolho temas que sugerem completamente o oposto, mas, também, como é que posso falar, não se realiza. Vou dar um exemplo: essa pintura que se chama “Festa!”

Da garrafa?

É, se chama “Festa!” – ponto de exclamação no final. É uma garrafa de cerveja, e tem também garrafa de champanhe, de vinho e de uísque. E, bom, o tipo de objeto sugere descontração; são festivos, claro, e sugerem extroversão, extravasamento e tal. Mas a feitura dessa pintura é completamente o oposto. É demorada, é trabalhosa, requer uma contenção dos gestos e uma disciplina, uma precisão. Essa gravura também; ela se chama “Amplificador” e surgiu quando eu ia a alguns shows, que tinham muito barulho, todo mundo feliz, pulando, se divertindo, e a única coisa que parecia ter uma qualidade, de um silêncio sepulcral quase, eram os amplificadores. E, na real, é de onde está vindo o som. Eu gostei desse paradoxo. Então a ideia desse trabalho foi ficar cobrindo de onde viria o som, quase que abafando ele.

É gravura em metal?

É. Eu fiz com a ponta seca mesmo. Foi chato. Foi heavy metal [risos]. Um trabalho realmente trabalhoso, repetitivo, maçante e demorado. Gosto de trabalhar essas bipolaridades. As caixas têm todo esse trabalho dos degradês de cinza, com algumas áreas de cor. Fala do interno e do externo.

Foi o primeiro trabalho que vimos e associamos ao tema dessa edição. como ele surgiu?

Deixa eu pensar… Faz tempo que não penso sobre eles… Teve uma época em que meu trabalho estava caminhando, estava se tornando muito branco, limpo, e eu estava lidando com a ideia de espaços internos silenciosos, protegidos. Que são as fotos que tenho dos cantos… Estava indo por esse caminho. Até que chegou num ponto em que começou a ficar muito branco, protegido, interno e silencioso. Foi aí que comecei a colecionar caixas de remédio, de xampu, de Tabasco, de qualquer coisa, porque achava interessante e bonito que, por dentro, elas fossem brancas. E eu comecei a abri-las, mexer, virar. Mas também foi uma ideia que demorou para eu materializar e resolver. Elas me interessavam abertas, e eu não sabia o que fazer. E comecei a achar muito interessante olhar para elas assim por dentro e ver que só tinham essas pequenas sobras do design gráfico, a parte impressa do lado de fora, sugerindo o que elas poderiam ser. Eu estava lidando com o mesmo tipo de esvaziamento, de vazio, com que estava trabalhando até então e fazendo essa sugestão do que seria aquilo. Um tipo de referência a espaço interno versus espaço externo, espaços protegidos versus espaços desprotegidos.

Quais artistas você gosta de olhar como referência?

Sei lá… Richter, claro. Não posso evitar falar dos hiper-realistas americanos – embora eu não esteja muito preocupado com a questão do hiper-realismo, minha questão é outra, é carregar o trabalho com disciplina, como falei antes. Olho muito para as pinturas holandesas e flamengas dos séculos XVII, XVIII, Vermeer e aquela gama toda, além dos pintores mais próximo como o Morandi, que é um cara que olho com uma grande admiração. Mas também tem um pouco do universo pop, o Andy Warhol. Quando eu estava começando a pintar as caixas, ficava pensando que aquilo que estava fazendo era um Brillo Box ao contrário, estava olhando outro lado do Brillo Box. Acho que, de certa maneira, trabalhar com a caixa vem um pouco da Tomato Soup e do Brillo Box. Não dá para dizer que não. E também esse pintores mais recentes, tipo o Luc Tuymanse o Borremans.

E você tem algum trabalho preferido, entre todos os seus?

Sim. Acho que os amplificadores foram uma grande coisa. Principalmente a gravura. Acho que aqui está, de certa maneira, tudo com que eu sempre quis trabalhar. Todas as minhas referências. Aí está tudo muito condensado. Tenho também um trabalho bem estranho, comparando com todos os outros que já fiz, que é esse quadro aqui. Ele destoa, e parece que não é nem meu. Fiz ele em um outro momento, foi o primeiro trabalho em que trabalhei cor, e comecei a trazer referências de um mundo lá fora, digamos assim. Para falar de algo contrário também. O nome da pintura é a estrofe lá, “When routine bites hard”. Eu fiz esse trabalho para uma exposição que falava de coisas muito próximas e cotidianas, os espaços vivenciados no dia a dia…

E tem também as bolinhas de papel que surgiram num momento em que eu estava trabalhando muito mas não estava terminando nenhum quadro. É um desses momentos na produção do artista em que se trabalha mas não se chega a lugar nenhum, e estava abandonando muitas telas, estragando tela e destruindo tela. Abandonando tela mesmo. Aí comecei a ficar com isso na cabeça e, de repente, pensei que poderia trabalhar justamente isso. Comecei a pensar que, do jeito que estava fazendo, eu já estava trabalhando pensando que ia dar errado. Por um breve momento me veio isso na cabeça. Quando dá errado, você destrói e joga fora e começa de novo. Então seria interessante começar o trabalho com ele já dando errado, entendeu? E era isso. Foi quando me veio a imagem da bolinha de papel. Eu visualizei essa imagem e comecei a achar muito interessante que, além de ter essa ideia, que gerou essa imagem na minha cabeça, tinha uma questão muito interessante em relação à pintura disso, que a bolinha de papel, se você chega próximo dela, é basicamente um amontoado de formas abstratas – na verdade, como tudo, mas que lá estava literalmente trabalhando com algo abstrato. Tem uma hora que você junta tudo e constrói essa imagem. Então eu comecei pelo contrário, comecei pelo que supostamente deu errado, por esse momento de extravasar, amassar e jogar fora. E é um trabalho muito concentrado, tem muitas e muitas e muitas horas, e algumas semanas, nessa pintura de 40×40. E aí eu tiro o título dessas pinturas do papel mesmo, “A4, 90 gramas por metro quadrado”, para realmente sugerir que é um papel em branco ainda, que já deu errado antes. Faço esse tipo de jogo. E também é um objeto que tem os côncavos e os convexos, os externos e os internos, tem tudo isso concentrado nessa bolinha.

O que você ainda não fez e quer fazer? Tem alguma coisa que te persegue esses anos todos?

Putz, tudo. Acho que a melhor resposta é essa. Tudo que eu ainda não pensei em fazer. Não sei. Acho que a gente está sempre meio que à beira do tédio, a gente nunca sabe o que vai fazer. Eu tenho um monte de estudos e projetos que são coisas que vão seguindo um fio condutor diferente, mas, às vezes, parece que estou fazendo a mesma coisa desde o dia em que comecei. Na verdade, acho que é isso que a gente faz. Não sei te responder.

Conta um pouco sobre a relação do espaço da sua casa/ateliê com as suas obras, que muitas partes da sua casa/ateliê já viraram tema do seu trabalho.

Sim. Às vezes eu uso de fato a imagem do meu espaço, que é o caso do teto, dos cantos, da lâmpada vermelha. Com raríssimas exceções, tudo acontece aqui dentro. Tem realmente um embate entre espaço interno e espaço externo. O espaço interno, esse espaço íntimo, silencioso, protegido, espaço meu, próximo, está representado, e tem essa sugestão do espaço do lado de fora. Então, por exemplo, no caso da luz vermelha, é de fato esse espaço, mas a luz vermelha faz menção a uma vida noturna de, sei lá, Baixo Augusta, inferninho e tal. Mas tudo acontece aqui. Sem esse espaço, dessa maneira como o organizei, esses trabalhos não aconteceriam. Tem um trabalho que fala muito do lado da parte externa, que é um trabalho de que gosto muito, muito mesmo, é um trabalho importante até para mim, que são os aéreos. E lá foi uma vantagem mesmo de sair desse espaço e falar de paisagem, de sair dessa relação muito próxima, tátil até, para algo de paisagem, que é algo que a gente não alcança. Mas, de qualquer maneira, nesse trabalho eu não consigo tirar, me desvencilhar desse espaço fechado, que sugere a rampa côncava. Essa relação não é muito clara, eu não quis deixar clara, mas tem essa volta para o espaço interior.

Você tirou foto dessas rampas ou você já tinha?

Eu fui lá e fiquei fotografando a rampa, e foi divertido, foi bem legal. Mas a história era essa coisa, que tinha um resquício de algo interior, que é o côncavo, e essa coisa da paisagem. O que eu queria trabalhar mesmo era falar um pouco de pintura holandesa do século XVII, essa coisa do céu, e relacionar com essa paisagem de hoje, super de agora, no máximo de trinta anos atrás…

O céu é o céu do dia da foto ou você fez a referência à pintura holandesa?

É, não, não me preocupei em fazer o céu dos holandeses. Não era o céu do dia da foto. É um céu construído. Eu construí esse céu. Dá para ver a evolu- ção, esse foi o primeiro… É difícil fazer céu.

Mas você tem prazer enquanto está pintando?

Ah, sim… De ver a coisa se formando. Mas eu não caio nesse romantismo do “ai, que delícia, a tinta, a cor”… Não. Trabalho é trabalho. É difícil, e é suado e custoso. Não caio nessa conversa. Não tenho esse tipo de romantismo. O trabalho de pintura requer o embate. Eu lembrei de um artista muito importante para mim e brasileiro, por conta principalmente da relação com os objetos que ele trabalha, que é o Iran do Espírito Santo. Ele é um cara que me identifico muito com o trabalho, apesar de nem ser pintura nem nada, as questões são outras e tal. Mas me identifico muito mesmo.

Você limpa todos os dias os seus pincéis? Como funciona a organização?

Ah, tem que limpar.

Pintura a óleo requer isso?

Acho que qualquer pintura… Acho que acrílica também. Senão você vai ter que comprar um pincel por dia, não tem como.

E, desde que você se mudou para cá, a configuração foi sempre essa?

Não. Muda bastante. A mesa é assim justamente para arrastar para lá e para cá. Sou eu que preparo as telas. Eu compro ela enrolada. Então quando eu vou prepará-la, que tem que passar a base acrílica e o gesso, a mesa ou vai para lá ou deixo ela em pé e estico aqui um plástico e passo com rolinho, fica uma outra coisa. Quando eu estou produzindo, fica uma guerra isso aqui.

As paredes todas cheias, as coisas penduradas. Uma zona. Os objetos, que estão agora mais ou menos arrumados, mas aí fica caixa de remédio aqui, outras coisas lá. E esses objetos que eu pinto eu começo a colecionar, para ter como referência. Então eu tenho caixas e mais caixas. Eu às vezes peço, às vezes me oferecem, às vezes me dão e falam “você podia pintar essa caixa, que é legal”, às vezes eu vou na casa das pessoas e olho uma caixa e pergunto se posso levar [risos].

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Espaço do brincar

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Ao ser convidada para escrever sobre educação nesta edição, cujo tema é espaço, a imagem primeira que me veio é a do “jardim interno” – o jardim que cada um de nós, cada criança, cada educador, cada pai ou mãe tem dentro de si.

Por muito tempo, a grande maioria das pessoas entendeu a educação como passagem de conteúdo e cultura para aquele ser em formação. Apenas mais recentemente vêm tomando força as correntes que reconhecem a potência intrínseca do ser humano – que a riqueza, o potencial de ser uma pessoa em sua plenitude já faz parte da criança, e que cabe aos adultos possibilitar que esse potencial seja revelado.

Qual, então, o papel do educador, senão abrir ESPAÇO e oferecer oportunidade para que aquela semente germine, cresça e floresça, e ofereça ao mundo sua cor, textura, formato e beleza única, seu jeito próprio de estar no mundo?

Claro que tantas coisas deste mundo a criança precisará entender; compreender seu funcionamento, suas leis, as regras de convivência. A criança tem o mundo a descobrir e uma infinidade de coisas para apreender.

A experiência da observação da criança, uma observação atenta e cuidadosa, traz a nós, adultos, muitas descobertas a respeito não apenas da criança, mas de nós mesmos, de nossa humanidade. Ao observar o brincar espontâneo da criança a partir de um lugar de contemplação, e conseguir admirar e se surpreender, nos conectamos com nossa própria potência.

Junto com um grupo de educadores, estivemos durante dois anos exercitando a observação do brincar espontâneo da criança. Dialogando com os registros e imagens do Território do Brincar (Instituto Alana), que percorreu o Brasil documentando a criança e seus gestos nas mais diversas paisagens e culturas brasileiras, estivemos em contato não apenas com aquela criança que observávamos, mas com as crianças em nosso entorno, alunos, filhos, e também a criança que vive dentro de nós.

Como mãe de três filhos, educadora e psicóloga, quero compartilhar que essa experiência foi muito transformadora para mim. No decorrer do meu mestrado em Prática Social Reflexiva e em interação tão profunda com as crianças em seus gestos genuínos do brincar espontâneo, o exercício da observação foi proporcionando uma ampliação do olhar muito marcante. Percebi, no decorrer do processo, em mim e nos educadores envolvidos, uma compreensão mais aguçada da criança – uma maior possibilidade de conexão, de presença, de interesse mais profundo e genuíno pela criança! Foi ficando muito claro que a transformação que queremos ver no mundo se inicia em nós mesmos, e que a conexão e a relação que estabeleço com a criança dependem da conexão e da relação que estabeleço comigo mesma.*

Na conexão com a criança, é fundamental a nossa presença. E presença no sentido mais pleno, no aqui e agora, em contato comigo mesma, com meu jardim interno, minhas potências e vulnerabilidades, minha consciência, minha humanidade. É muito importante que eu consiga diferenciar o que é parte do meu jardim e o que é parte do jardim da criança. O espaço de cada um neste mundo. É muito importante que eu tenha consciência do que são minhas expectativas para esta criança, o que eu gostaria para ela, e o que é potência, interesse e movimento natural dela. Cada ser humano é diferente e único, e, se nos abrimos para o novo, nos surpreendemos.

Ao adulto, cabe dar espaço e oportunidade para que a criança floresça. Isso significa impor menos, ter menos expectativas, e se surpreender mais. Respirar três vezes antes de intervir em momentos que, a princípio, não compreendemos; mantermos, antes, a conexão com nós mesmos para poder nos conectar com a criança, com toda sua potência, para que ela possa florescer em seu jardim e oferecer suas cores e aromas.

—-

O brincar livre da criança é absolutamente fundamental para que ela possa entrar em contato com seu jardim – suas potências, suas limitações, seus desejos, interesses, caminhos. Brincar pressupõe movimento interno e externo – a criança brinca com seu corpo todo e, nesse brincar, conecta seus mundos interno e externo.

A criança brinca porque tem necessidade de se movimentar, de explorar, conhecer, vivenciar, experimentar. Brincando, ela aprende sobre si e sobre o mundo que a rodeia. Além do desenvolvimento do seu corpo (e cérebro), a liberdade no brincar exercita a imaginação, escolhas, coragem, confiança, atenção, concentração, entusiasmo, frustração, perseverança, memória, tolerância. Na convivência e na relação com os outros, a criança vai aprendendo a esperar, ajudar, observar, ceder, seguir regras, organizar, cumprir ou propor ordens, resolver, organizar. Tantas coisas acontecem nesse exercício do brincar livre, espontâneo e natural das crianças!

Entretanto, é muito desafiador, nesses nossos tempos, que a criança tenha a oportunidade de brincar verdadeiramente, livre e espontaneamente – com toda sua potência. As crianças, com suas agendas cheias, passam a maior parte de seu dia na escola e em atividades após a escola que ocupam seus tempos e limitam as possibilidades de brincar. Ainda desafiador para todas as famílias, no curto tempo que lhes resta ficam distraídas de si mesmas com jogos eletrônicos, internet e rede sociais. As crianças ainda não têm discernimento suficiente para brecar a vontade de ficarem distraídas nos joguinhos e raramente fazem a escolha de se desconectar de seus aparelhos para brincar. Cabe a nós, adultos, garantir que esses espaços existam na vida da criança. Somos nós os responsáveis por garantir as coisas realmente fundamentais para o seu desenvolvimento. Por vezes, nos tornamos “impopulares” ou chatos diante dos nossos filhos ou alunos ao impor restrições e colocar limites – seja para os eletrônicos ou outra situação cotidiana. Mas, em contato com o nosso jardim e nossa consciência, faremos as escolhas e encararemos a árdua tarefa de educar e garantir o espaço externo e interno para que o brincar espontâneo, tão fundamental, possa acontecer na vida das crianças.

“Todo jardim começa com um sonho de amor.
Antes que qualquer árvore seja plantada
ou qualquer lago seja construído,
é preciso que as árvores e os lagos
tenham nascido dentro da alma.

Quem não tem jardins por dentro,
não planta jardins por fora
e nem passeia por eles…”
– Rubem Alves

*Para assistir ao documentário sobre esse processo com os educadores que observavam o brincar espontâneo da criança, acesse http://territoriodobrincar.com.br/videos/documentario-territorio-do-brincar-dialogos-com-escolas/

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Imagens MoMA

Em meados de 1952, o Museu de Arte Moderna de Nova York montou a exposição Two Houses: New Ways to Build [Duas Casas: Novas Maneiras para Construir], propondo-se a demonstrar os dois caminhos que a arquitetura mundial poderia trilhar dali por diante. A curadoria do MoMA selecionara duas alternativas antagônicas, bem ao espírito de um mundo dicotômico que assistia ao surgimento da Guerra Fria. De um lado estava a precisão geométrica de uma residência sob a cúpula geodésica de Buckminster Fuller; do outro, a estranheza causada pela Endless House de Frederick Kiesler, com sua rugosidade, seu espaço sem qualquer indício da presença de planos e ângulos retos, sua forma informe.

Poucos anos depois, Philip Johnson definiu Frederick Kiesler como “o maior arquiteto não construtor de sua era.” Da sua cabeça saia uma miríade de projetos fantasiosos; porém, tal como a Endless House, praticamente nenhum era construído, e muitos nem mesmo eram exequíveis. Afinal, punha-se em dúvida um argumento de autoridade da disciplina: a ponte entre o pensar (projeto) e o fazer (execução) na arquitetura é feita eminentemente pelas relações matemáticas, pela geometria, pela proporção, pela perspectiva. Tais parâmetros arquitetônicos são explicitamente questionados na Endless House.

Kiesler insistia em “correlacionar” e não “segregar”, fazendo com que sua atividade abrangesse e hibridizasse pintura, escultura, colagem, arquitetura, filosofia, poesia, design de objetos e gráfico, cenografia e dança. Em manifesto de 1925, Kiesler já bradava “não mais muros” entre arquitetura e arte. No ano anterior, ele tinha feito seu primeiro eminente projeto: o Space Stage (1924). Era como se se apropriasse do Monumento à Terceira Internacional (1919) de Vladimir Tatlin e depois o achatasse para caber dentro do Konzerthaus de Viena, criando um palco circular que se ativava quando invadido pelos atores em movimento – uma estrutura sem adornos que proporcionava ao artista teatral uma apropriação específica do espaço.

De origem romena, Frederick Kiesler foi para Viena ainda criança, onde passou sua adolescência e juventude vivendo a Viena fin-de-siècle. Naquele ambiente, teve a possibilidade de se aproximar das vanguardas modernas da década de 1920, em especial dos neoplasticistas. Com eles, concebeu a espacialidade da exposição parisiense City in Space, na qual extraiu o sistema de Mondrian da planalidade da tela de pintura para aplicá-lo no espaço.

Em virtude dos dois projetos, é convidado para a International Theatre Exposition de 1926, em Nova York. Lá, deu uma guinada radical, apresentando seu primeiro trabalho “sem fim”: o Endless Theater, uma edificação de forma ovoide, onde o palco e a plateia circulares misturavam-se em meio a rampas e planos inclinados, impelindo a tudo e a todos naquele universo teatral a estarem em perpétuo movimento. Chegou até a receber um convite para construir seu teatro no Brooklyn. A execução não prosperou, mas Kiesler seguiu morando em Manhattan até o fim da vida.

A plenitude da incorporação do movimento na arquitetura de Kiesler ocorreria na Space House – uma casa não estática que interagiria com o morador por meio de um intercâmbio de forças e energia. Os ambientes dessa Casa Espacial deveriam se movimentar, em uma franca analogia à respiração: afirmava que era uma edificação em contínua modificação por meio de movimentos de “contração” e de “expansão”, ou seja, a Space House seria uma espécie de organismo vivo tal como é o corpo humano.

De alturas variantes, os pisos da moradia seriam uma espécie de esponja elástica que se transformaria de acordo com a pressão do peso do morador exercida em cada passo. Portas, janelas, todos os elementos constituintes da casa seriam capazes de se transfigurar. Pensava em paredes e tetos deslizantes, ou algo como uma pele que poderia ser rasgada e costurada pelo próprio mecanismo gerenciador dessa arquitetura mutante. Portanto, a Space House precisava ser constituída por uma membrana moldável e adaptável, capaz de ser tanto uma camada protetora quanto conter a permeabilidade que permitisse as transferências de energia entre interior e exterior, isto é, entre morador e mundo.

A Space House foi apresentada numa feira nova-iorquina de mobiliário, em 1933, mas o próprio Kiesler admitia ainda não existir a tecnologia capaz de materializar o que vislumbrava. Os textos do arquiteto visionário são mais elucidativos que o modelo construído. Afinal, o tempo é o agente principal da configuração desta casa. Kiesler concebia um edifício modificável de acordo com as necessidades dos moradores, das transformações inerentes à vida. É uma arquitetura que se recusa a resultar em uma forma inerte, mais que isso, uma arquitetura que refuta a ideia de resultar.

Kiesler estava lançando as bases da Endless House. As intenções contidas nos textos da Space House, que não encontravam rebatimento no campo visual e tátil, passam a se transfigurar, quinze anos após, na Casa Sem Fim. Paredes, piso e teto eram um todo contínuo e fluido. Uma edificação que não se pacificava em uma geometria. Sua completa irregularidade corporificava-se em uma materialidade estriada, aparentemente rudimentar (nas maquetes), que borrava qualquer idealidade estrutural ou funcional.

Não que estrutura e função inexistissem. Por meio da diferenciação de texturas, cada espaço teria um caráter distinto de acordo com seu uso. Arquitetava-se (de modo inconclusivo) uma estrutura que amalgamasse concreto com telas metálicas, entremeados por uma matéria moldável transparente. Não haveria chuveiro, mas piscinas de banho conectadas por filetes de água. As atmosferas sensoriais de cada ambiente seriam complementadas por efeitos de iluminação. Kiesler desejava que a Endless House operasse como um grande cristal que filtra a luz do sol para o seu interior ao longo do dia: a luz difusa no interior conteria as variações de cor dos raios solares, assim permitindo que as ações cotidianas dos moradores estivessem em pleno concatenamento com as condições naturais. Muito antes do mundo da Apple e Google, Kiesler vislumbrava a presença de estímulos multimídia na vida, introduzindo projeções ilusórias nos planos contínuos que envolveriam o ser em cima, embaixo, ao lado.

É esclarecedor o fato de a Endless House ter tido diferentes versões ao longo de mais de uma década e nunca ter sido construída. É um projeto que não se encerra com a morte de Kiesler. Permanece na história da arquitetura como uma antecipação do que a disciplina pode vir a se tornar. Tal como sua aparência, a Endless House é áspera a tentativas de execução, de materialização dela em escala real. Sua forma não se pacificou em uma solução única, exequível. A matéria que a constituirá ainda está por vir. O morador que a habitará ainda está por vir. É uma casa informe na sua recusa à geometria, à materialidade, à configuração da sociedade tal como ela era em meados do século XX e ainda é no começo do século XXI.

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Um espacinho para o humor

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Escolhemos nossa casa, roupas, amigos, drinques. Escolhemos o personal, o professor de crossfit. Sim, há dez anos era yoga, hoje o negócio é balançar corda por aí e achar normal. Escolhemos pessoas no Tinder como se fosse um jogo de videogame, escolhemos pelo Happn as pessoas com as quais cruzamos e não tivemos coragem de cumprimentar.

Mundo moderno, filosofia líquida, supermercado de estilos. Nos fechamos, mas abrimos o quarto extra para a sala em busca de espaço em um ambiente com televisão gigante onde, sozinhos, assistimos a Netflix. Tanto espaço para quê?

Abrimos espaço no closet para novas roupas, abrimos o coração para amigos depois da primeira taça de vinho e choramos nos levando a sério, afinal somos adultos.

O humor se restringe a piadas sobre política ou banalizar a última exposição de arte, afinal somos todos curadores.

Entendemos tudo, conhecemos todos e não nos permitimos banalidades.

Deus me livre, eparrei Iansã, acreditar nestes formatos! Assumi recentemente uma conduta que desde cedo me persegue com uma só frase: “Vamos sair pra dar risada”. Essa sempre foi a máxima de amigos e conhecidos que me estourava os ouvidos, porque eu sempre quis ser magro e não divertido.

Racionalizar o humor pode ser uma atitude cruel. Como explicar um estado de espírito tão puro quanto a gargalhada de uma criança? Não podemos confundir… A gargalhada espontânea de um bebê é felicidade. Não humor.

Comecei a entender o humor intuitivamente, ainda pequeno, em momentos em que percebia minha mãe muito preocupada; sentia a frequência da casa baixar muito e, numa tentativa de dissolver aquela densidade, fazia de tudo para vê-la sorrir me expondo ao ridículo sempre. Logo depois, vinha a recompensa, em momentos de respiro dela e meu após minutos a fio de gargalhadas soltas.

Na adolescência, sendo um cara “gordinho”, o humor funcionava de forma inclusiva e, claro, defensiva – com a crueldade minha e de todos dessa idade.

Hoje, aos 33, o exercício de abrir espaço no cotidiano para a prática do humor tem sido uma experiência transcendental e quase uma nova profissão. Entendi que usá-lo como conduta de vida é uma das ferramentas mais fortes, anárquicas e inteligentes que já experimentei na vida.

Com o humor, podemos dizer as verdades mais cruéis. Porém, se for embalado em forma de risada, conseguimos soltar a verdade, porque deve existir uma explicação científica para a sinapse que isso causa. Falamos a verdade sem machucar. É abrir o peito e soltar o verbo!

Não existe receita, mas acredito que o primeiro passo seja não se levar a sério, rir de si mesmo, não se acreditar, e isso nada tem a ver com invalidar seu caráter ou profissionalismo. Já escutei que o humor na moda não é bem-vindo. Talvez eu realmente mude de área.

O humor tem o poder de equalizar e democratizar todos os encontros; talvez tenha o significado da praia para o carioca. O humor tem que ser um “espaço” onde todos possam se encontrar.

Então, você aí, amigo, muito tenso, se precisar de uma dica, um primeiro passo, ou se seu chefe for daqueles caras casca-grossa, feche os olhos e imagine que todo mundo está usando touca de banho.

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“O medo fez aparecer em meus sonhos um pequeno monstro branco, peludo, o nariz comprido a arrastar pelo chão. Dizia-me sempre a mesma coisa: vim ensinar-te o essencial sobre a tristeza. (…) Tinha os olhos carregados de lágrimas e o susto que dava era só esse, o de ternamente impedir a felicidade. (…) Sabia de coração cada gesto e pensamento meu. Sabia como me devorar. (…) Algo mal distinto entre a realidade e a fantasia, (…) Queria ser meu gémeo. Imitava a expressão atónita do meu rosto e suspirava.”

Halla, uma menina de onze anos e personagem protagonista de A Desumanização, do escritor português Valter Hugo Mãe, acaba de descrever o que, pra mim, talvez seja a criatura mais aterrorizante que já pude imaginar. Desde que li esse pequeno trecho, a minha relação com a tristeza está mudando. Tenho mais medo e sinto que essa criatura me persegue cada dia mais serena e confiante – me olhando enquanto eu envelheço e, de forma bem astuciosa, constantemente tentando se incorporar à minha jovem e frágil maturidade. Ao mesmo tempo, sinto que nunca estive tão apto a enfrentá-la, porque agora podemos ter uma relação: a tristeza tem corpo, expressão e, não menos importante, beleza. Eu imbuí esse sentimento de uma natureza mitológica: dei vida a um monstro.

Precisamos dar vida aos monstros, bons e ruins, ou viverão para sempre como parasitas invisíveis nos preenchendo de sensações e impulsos caóticos, mas nunca de sentido ou propósito. Arte e mitologia se juntam para dar forma às coisas invisíveis – seres e paisagens que são portas para o que nos transcende, nos unindo sob uma mesma realidade humana. Quando o Baleia entrou em estúdio para gravar o segundo álbum, sentimos que o que tínhamos para dizer teria mais potência se construíssemos um pequeno universo em torno dele. Nos unimos à designer e ilustradora Lisa Akerman e o resultado foi uma espécie de enciclopédia perdida no tempo, contendo desenhos e estudos de uma terra desconhecida, repleta de beleza e violência, muito inspirada no mundo interior de uma criança que olha o mundo ainda despida de ceticismo, ainda sem defesas. Para cada uma das oito faixas do disco, há uma criatura e um ambiente que as representam. Gostaríamos de dividir com você um pouquinho dele.

Hiato – Há um excesso de informação e estímulos. Uma cidade violentada por enxurradas e redemoinhos feitos a partir de todos os materiais, sinais, ondas e energias produzidas por ela própria. Os habitantes me parecem como dutos de ar-condicionado. Seus corpos pare- cem produzir ruído branco e estática, como se a pele fosse um canal de TV dessintonizado. E eles aspiram tudo, sem discernimento, o tempo todo. Sinto como se fosse a abundância de tudo sem finalidade. Um ciclo sem fim de produção e absorção. A letra da música é um tipo de panorama poético da vida contemporânea numa cidade grande.

Duplo-Andantes – Vivendo e se locomovendo numa intricada rede de túneis subterrâneos que se espalha por todo o país, os duplo-andantes (tradução livre para doppelgänger) perderam a noção de identidade e a capacidade de se envolverem com qualquer coisa. Parecem passar a vida subjugados a um mecanismo, a um sistema. Não muito diferentes de uma colônia de formigas, só fazem expandir seu território, acumular recursos (nunca produzidos por eles mesmos) e servir uma criatura maior, enclausurada nas profundezas do chão, que nós denominamos de “o deus sem entusiasmo”. Todo duplo-andante já foi uma pessoa um dia. Mas agora vive como uma réplica de si mesmo, um espelhamento oco, desalmado. Tanto a criatura quanto a letra refletem o nosso entendimento de um tipo de gente muito comum na vida moderna.

Triz (Ida) – Imagino um lago que, ao invés de água, fosse preenchido por uma espécie de líquido amniótico. Um poço de consciência e vida irreprimível e caótico. Acho que tudo o que existe nesta terra estranha provém deste lugar. E essa quantidade infinita de criaturas que parecem um pouco girinos e que estão sempre brotando, se chocando, se embaraçando e perecendo. As poucas que conseguem resistir, sobreviver e, por fim, se desvencilhar desse embaraçamento passarão por um processo de metamorfose.

Volta – A criatura se liberta em um processo metamórfico. Sai da água e voa. É uma ideia mais simples. A música é basicamente sobre renascimento interior. Acho que não tenho muito a adicionar sem começar a apelar pro clichê. É a continuação da música anterior. A letra nasceu de uma fala proferida pelo mitólogo norte-americano Joseph Campbell: “We must be willing to get rid of the life we’ve planned so as to have the life that is waiting for us. The old skin has to be shed before the new one can come. If we fix on the old, we get stuck. When we hang onto any form, we are in danger of putrefaction. Hell is life drying up.”

Estrangeiro – Eu imagino essa metrópole tão grandiosa e soberba quanto suja e desorganizada. E as estruturas se atravessando, tudo se atropelando. Os cidadãos vivem em prédios vivos, estruturas gigantes que possuem vida própria. Habitam-nos como parasitas ou reféns, depende do seu ponto de vista. Mas existem dois cotidianos, a vida dos homens e a vida da cidade em si. A música é sobre a sensação de não pertencimento na sua própria cidade. Como se o lugar em que você vive tivesse uma agenda completamente separada da sua vida e você estivesse constantemente atrapalhando ela. É basicamente uma música sobre o Rio de Janeiro.

Língua – Chegamos ao deserto. Um lugar árido e não muito amigável. Dá pra ver que ele é repleto dessa espécie de cacto branco em forma de ferradura. Olhando mais de perto, percebe-se que existem duas figuras humanóides ali dentro. Elas são um só na base, dividem órgãos vitais. Mas passam todos os seus dias viradas uma de frente para a outra, sem conseguir se verem. Estão presas dentro da carapaça, privadas de sentidos e comunicação. E provavelmente nem sabem que existe esse outro ali, a um palmo de distância, “olhando” de volta. A música discorre sobre a ideia de como a comunicação humana é inerentemente fa- lha. No final das contas, existe uma gigantesca parcela da realidade que é inefável, que não pode ser nomeada. Uma infinitude de coisas e percepções que não podem ser alcançadas pelas palavras ou descrições. Estamos presos dentro da subjetividade das linguagens e à mercê do entendimento dos outros sobre essas linguagens.

Véspera – Imaginamos que podiam existir esses bichinhos microscópicos luminescentes que fossem mais leves que o ar. E vivem no céu, à deriva dos ventos e dos sistemas climáticos. São tão leves que às vezes ficam presos em determinadas nuvens mais pesadas que, com a ajuda de algum fenômeno meteorológico raro, podem recair sobre as cidades como uma névoa dourada. Ninguém nunca os vê. São percebidos apenas como o efeito belo que produzem durante esses raros eventos. É uma música de amor estranha. Sobre como coisas bonitas e profundas têm fim. Como algo que foi tão real pode se esgotar a ponto de ir embora com o vento. E como é importante aceitar. Existe uma leveza inabalável no mundo, maior que qualquer dor.

Salto – Acho que as florestas dessa terra são tão exuberantes quanto perigosas. E nenhum bicho é tão temido quanto esses pequenos insetos que nelas habitam. Na minha interpretação, ele pode ficar ‘zunzando’ em volta da sua cabeça durante horas e você tem que permanecer calmo e deixar ele cansar. Se você se desesperar ele ataca. Ele faz de você hospedeiro e em pouco tempo ele renasce de dentro de você como um duplo-andante. A música fala dessa criatura como uma personificação de todo o subconsciente paranoico, ansioso e amedrontado da sociedade, constantemente colocando ideias erradas na nossa cabeça, tentando desviar a gente de nossos instintos, desejos e sentimentos autênticos e profundos.

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(…)

Esse abraço é um lugar de repouso como nenhum outro. Um lugar que hospeda solidão, constrangimento, pequenas conquistas e decepções e luxúria e perdas e esforços ao buscar aquele abraço repetidamente. Um segredo compartilhado entre aquelas duas pessoas, mas você não me faz sentir como um voyeur e eu gosto disso. Estou à vontade com o familiar. Você me dá forma, toque, cores, texturas, um lugar de confiança; sim, você me dá um lugar de confiança que já conheci.

E claro que há o combate que leva a este lugar secreto. Os casais, seus corpos; eles fluem de um para o outro. Confiança. Confiança ao longo dos anos te leva a isso. Uma continuidade. Esses momentos, num relacionamento, são pontos de virada cruciais, meu amor, e você precisa estar alerta, pois é fácil virar as costas para eles; esses momentos não são fáceis, mas eles te dão a força para continuar. Primeiro a crise, depois uma pausa e, depois, depois vem o momento que vocês se reconhecem novamente em silêncio. Este é o abraço. Ah, sim, você capturou mesmo, delicadamente, delicadamente. Nada pessoal a você ou a mim, mas a todos – é pessoal coletivamente. E é limpo, suave e leve, eu gosto disso; e doméstico, tecidos onde fazemos amor e brigamos e fazemos amor e… Não sei como os jovens conseguem hoje em dia, com todo esse compartilhamento do raso.

Intimidade. O combate. Sim. Sessenta anos de combate com um parceiro. Tudo está lá, no abraço.

(…)

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Teatro Anatômico da Terra, 2014, é um teatro cônico e subterrâneo, baseado no teatro do século XVI em Pádova, na Itália. Foi construído em Itaparica para a 3a Bienal da Bahia. Esse trabalho se estabeleceu em um intenso diálogo com a comunidade da ilha de Itaparica (em todas as suas esferas). Sua construção exigiu uma negociação não ortodoxa com as autoridades da ilha, empurrando seus sentidos de permissão e interdição ao limite. O processo resultou em uma colaboração entre a artista e vários autores da ilha e do exterior, tendo o espaço do teatro como uma verdadeira plataforma para experimentações no núcleo de um paraíso tropical colonial.



A arquitetura do teatro se caracteriza por ser aberta e pela ausência de fronteiras entre palco e bastidor. Não há pano de fundo, e a plateia se reúne em volta de um ponto central. Essa circularidade permite que todos possam se ver. A construção de madeira ao ar livre estende essa não hierarquia horizontal para fora: de todos os ângulos, o entorno se mostra como parte integrante do teatro.

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Tereza Artigas e Rubens Amatto conversam com a AMARELLO sobre o projeto que vêm maturando há mais de três anos: levar a Casa de Francisca para um palacete de 1910, na rua Quintino Bocaiúva, no centro de São Paulo.

.

TEREZA ARTIGAS – (…) Eu recebi o prédio há doze anos, quando meu pai faleceu. Naquela época, havia um preocupação muito grande de todos com a possibilidade do prédio cair, pois estava em péssimas condições. Então, todo esse processo foi muito complicado. Demorou anos. Tinha que destrinchar as questões familiares, todas as possibilidades, mas aos poucos a gente foi conseguindo encontrar caminhos. Até chegar o dia em que me falaram que você tinha batido lá. Eu falei: “O quê?! Da Casa de Francisca?” – eu já conhecia – “Que barato!”.

Era uma possibilidade de trazer, de verdade, uma vida para aquele prédio. Porque não adianta você arrumar o espaço por fora e não ter gente que o ocupe. Fica apenas uma casa bonita e sem vida… A possibilidade de trazer uma revitalização não só externa, mas interna, com música, arte, é um sonho, ainda, para mim. Acho que o dia em que isso acontecer vai ser igual à Virada Cultural, que a gente chorava como duas crianças, né?

RUBENS AMATTO – Verdade! A gente teve uma pequena experiência alguns meses atrás, com os shows que a gente fez abrindo a Virada. Uns shows com os artistas na varanda e o público ainda no calçadão histórico, que era uma tradição do prédio. Corrija se eu estiver errado, mas sempre, desde o início, a música transitou ali. Não só abrigando a primeira loja de instrumentos de São Paulo, que existe até hoje mas com outro nome, mas também como sede da rádio Record, no auge do rádio, nos anos 1940, 1950. (…) com as pessoas passando pelas ruas, assistindo a essas performances. Até já vi algumas fotos da época da Guerra, o Repórter Esso anunciando as notícias da Guerra para o público ali, em primeira mão. É tudo muito recente e impressionante.

TEREZA ARTIGAS – Tem uma coisa que eu acho que nunca te perguntei. Quando você chegou a primeira vez lá…?

RUBENS AMATTO – Era um final de semana, eu estava com um amigo, então muito chateado, porque tinha brigado com a mulher. Aí ele falou: “Preciso conversar, vamos dar uma volta”, e aí a gente foi andar pelo Centro. O Centro é interessante porque, pelo fato de não poder entrar carro, é um dos poucos lugares de São Paulo em que as pessoas podem andar…. Mesmo com todo esse mito que existe em torno do Centro, principalmente à noite, pela falta de segurança, se fala muito de revitalizá-lo, mas o Centro é extremamente vivo, e a questão de não ter carro ali favorece demais a convivência das pessoas, que podem não só se olhar, como olhar um pouco mais a cidade. Então estávamos andando por lá, e conversamos sobre a vida, sobre nossas angústias, e numa dessas a gente dá de cara com o palacete. Eu falei: “Me parece que está desocupado, eu preciso saber o que tem aqui”. Mas o que me deu o clique foi quando vi uma plaquinha do Adoniran Barbosa, que existe até hoje e que coincidentemente é de um projeto de uns amigos que mapearam os principais pontos da cidade que o Adoniran frequentava. Já tinha visto essa plaquinha em outros lugares, aí eu fui ler e vi que era a sede da rádio, e descobri que aquela esquina chegou a ser conhecida como Esquina Musical de São Paulo. Fiquei muito encantado com aquilo, com a imagem do palacete na cabeça, com a plaquinha do Adoniran me perseguindo…

Mandei um e-mail falando: “Olha, tenho um projeto, eu não sei se vocês conhecem, é a menor casa de shows de São Paulo, é um projeto assim assado, e queria muito a oportunidade de conversar para, quem sabe, fazer alguma coisa aí dentro”. Eu mandei e juro que não esperava resposta. Quando recebi a resposta de que queriam conversar e tivemos a primeira conversa, quando soube que você era frequentadora da casa desde o início, quando soube da sua ligação com as artes, da sua relação com a cidade e do desejo de restaurar esse patrimônio histórico, foram coisas muito fortes para mim. Eu me lembro de uma frase sua que até hoje me norteia: “Olha, o meu desejo é devolver o palacete para a cidade”. E eu jamais imaginaria que alguém que pudesse estar por trás da administração de um imóvel desses tivesse a sensibilidade e o desejo de olhar para a cidade, porque geralmente a gente tem uma visão mais estereotipada de que quem está por trás de um imóvel desses está pensando no próprio umbigo e dane-se.

TEREZA ARTIGAS – Não temos muitos espaços públicos na cidade, salvo os parques. Faltam espaços na cidade, e o Centro – meu pai sempre me falava isso –, “o Centro vai voltar” … Só depende do tempo.

Quando as coisas foram se resolvendo, eu fui ganhando fôlego para ter coragem e dar mais um passo. E a sua presença e o projeto fortaleceram minha vontade de continuar, porque o que adianta ter o espaço e não ter quem circule, quem visite, quem viva aquilo? Eu não gosto de casa vazia, eu gosto de casa cheia, as pessoas têm que estar lá, têm que ver, é bonito para ver. Todos os lugares bonitos do mundo as pessoas vão lá e veem. Tudo bem, existe a parte comercial, que tem que se autossustentar, não sou também uma cabeça maluca, mas se a gente puder juntar as duas coisas… No dia do show da Virada Cultural, tinha uns mendigos ali que dançavam, dançavam, dançavam felizes… Claro que vai ter um grupo de pessoas que vai entrar, mas a gente também vai fazer coisas para fora, para a rua. Aí vai ser para todo mundo. Porque a gente não está falando só do palacete e da Casa de Francisca, a gente está falando da ideia de que esse Centro consiga irradiar para outros lugares da cidade.

RUBENS AMATTO – A origem do Centro, que é a origem da cidade, tem uma vocação de encontros, uma vocação das mais democráticas, onde se encontra a maior diversidade de públicos e de pessoas, e a riqueza cultural do país é essa. Tanto o Centro quanto as periferias vêm nos ensinando que a cidade só vai sobreviver havendo essas convivências, senão cai no que a gente está começando cada vez mais a perceber, a intolerância, a segregação. Poxa, é um momento importante. A gente está vivendo um momento político tenso, e essa tensão manifesta exatamente como a sociedade está se relacionando. Muita gente nem conhece o Centro e, quando conhece, vê quão vivo é. À noite, sim, à noite é morto, fecha tudo, e acho que existe um potencial absurdo ali. Aos poucos. Temos que ir aos poucos. Mas iniciativas como a sua, de resgatar um patrimônio histórico, de recuperar a memória não só desse imóvel, mas uma memória que está naquele entorno, uma memória da cidade… A gente tem a tendência de soterrar nossa memória.

TEREZA ARTIGAS – Eu acho que a gente carece de autenticidade. A vida carece de autenticidade. Vivemos plastificados. As conversas são plastificadas. Estamos precisando de relações mais íntimas para ter uma proximidade, para despertar o humano. Despertar o alimento para a alma. As pessoas vão para a academia, fortalecem o corpo e fazem milhões de coisas para a cabeça. E a alma, fica onde? A alma fica tristinha e fala “e agora?” A música é algo que revitaliza e alimenta.

RUBENS AMATTO – Nossa, a gente só está sobrevivendo esses anos todos por amor e por alimento a essa música. Vamos torcer para que as pessoas também saiam da zona de conforto e frequentem o palacete.

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Esta é uma história de amor. Uma vez me disseram que todos somos especialistas em algo que só nós conhecemos. Acho que sou especialista em não deixar o tempo passar. Em não esquecer que os nossos espaços carregam memórias, em encontrar amor dentro do silêncio. Esta é uma história de amor, por mais que nenhuma das pessoas envolvidas acredite nisso.

Meus avós me ensinaram a guardar tudo que tenho. Eu sempre soube que minha avó me ensinava isso, mas os efeitos das ações do meu avô só me foram revelados meses após a morte dele, enquanto fazíamos o inventário do apartamento. Talvez eu devesse começar do começo.

Minha família cresceu toda no mesmo prédio. Só a minha geração passou
a infância lá, mas todos crescemos, daquele jeito de aprender coisas, de perder pessoas e mudar. Um dia meus pais decidiram deixar o prédio de Pinheiros e ir para o Guarapiranga, morar em uma casa, e eu fiquei com medo, já que em uma casa não saberia exatamente onde todo mundo estava o tempo todo. A Victória está no quarto. A mãe está na sala. Enquanto minha família ocupava os cômodos de um lado, a família de minha tia ocupava os cômodos do outro, e minha avó e outra tia ocupavam os de cima, em um apartamento que tomava o andar inteiro e nos acobertava como uma tampa de jarro.

Minha avó sempre conversa de olhos fechados e, se fosse possível, eu gostaria de gravar tudo o que fala, porque o ritmo dela é como eu imagino ser o ritmo do meu sangue. Ela não chorou com a morte do meu avô porque sabe que todos nós morremos um dia e, se algum dia eu conseguir aprender isso, sei que vou ser uma pessoa melhor.

Quando ainda morávamos no prédio e minha avó nos emprestava um pirex ou uma caixa de sorvete vazia da Kibon, ela ligava meia hora depois no interfone para pedir de volta. Preciso dela, dizia. Na casa da minha avó, todos os objetos têm funções secretas que não teriam na de outra pessoa. A caixa de balas Valda serve para guardar remédio, assim como o pote vazio de iogurte grego e as latas de panetone escondem pães que já foram torrados e agora só esperam ser comidos.

A dona Marta parece ter guardado tudo o que nossa família já possuiu. Um dia, meu pai me levou pelo apartamento e explicou de onde veio cada um dos móveis. O gaveteiro grande veio da minha bisavó, a mesa entalhada meu avô comprou durante os dois anos em que moraram no Peru fugidos da ditadura. O quadro logo em cima, que mostra a família do menino Jesus, também foi feito por artistas peruanos e era da coleção do vovô, assim como a Sereia do Volpi e todos os outros que estão no apartamento. Uma vez, quando era pequena, um homem me falou que todas as luas em volta da sereia eram unhas que ela tinha roído e agora estavam dentro da barriga dela, e a moral da história era a de que não devemos roer as nossas unhas. Eu não roía minhas unhas e não passei a roer, mas é engraçado o tipo de besteira que os adultos contam para as crianças achando que não vão se lembrar para sempre da deles.

Todo mundo da família sabe que minha avó é uma acumuladora nata. No apartamento onde ela vive com minha tia, tem uns quatro quartos dedicados exclusivamente a guardar coisas, todas as coisas. Uma vez, encontrei uma lista, dentro de um dos armários, que tentava contabilizar todos os objetos do quarto. É uma lista de origem desconhecida, cujo cabeçalho exibe uma letra de mão arrumada, que nos informa: “Armário escritório lado esquerdo” e, logo abaixo: Tapetes e abajur; canos de aspirador de pó; mala de viagem (vazia); suporte p/ TV; bengala; bengala canadense/muleta; sacolas de papelão e papeis pardo e sacos de papel e cx papelão; ultrassom; saco c/ palha; sacola c/ sacolas; comadre; assento de cadeira de banho; banheira; argolas e pano de cortina; cx de papelão e sapato vazias; gavetas; 3 ap. de telefone; livros. A lista continua até se encerrar de maneira brusca com pisca pisca e aparelho de telefone, livros, mas seu esforço é louvável e penso nela como uma das grandes obras da literatura experimental.

Os nossos objetos são como mapas das pessoas que fomos um dia. Assim como minha avó, guardo tudo que já me pertenceu. Isso inclui todos os bilhetinhos que eu passava no colégio, escondidos em um estojo dentro de uma gaveta do meu quarto antigo na casa de meus pais. Todos os desenhos que já fiz na adolescência. Agendas de 2001 e 2002 que nunca preenchi e nunca virei a preencher. Fantasmas da pessoa que já fui, agora morta na passagem do tempo, mas viva por meio desses fósseis que escolho acumular. E toda vez que penso em jogá-los fora, já que sua existência pesa em mim ao entrar naquele quarto e porque meus pais até hoje me ligam perguntando se vou finalmente jogar fora aquele container de cadernos da sexta série, penso “mas e se um dia eu for arrumar o quarto e folhear esse caderno e ver essa frase que anotei na margem?” Não consigo roubar minha versão futura desse pequeno momento de surpresa e prazer. Assim nos comunicamos, por meio de objetos, através do tempo. Talvez desse jeito todas as versões de mim consigam se manter vivas.

O interessante da acumulação da minha avó é que, por muito tempo, conseguimos fingir que era só dela. Agora entendo que, dentro da casa dela, a família inteira se comunga por meio dos objetos. Todo integrante da família tem um móvel guardado na casa da minha avó. Aquele apartamento funciona como um museu vivo de nossa trajetória conjunta. A cama de solteiro do meu pai. A primeira cama de casal dos meus tios. A cômoda vermelha que comprei para o meu primeiro apartamento, que não tinha armário embutido. A fantasia de carnaval da Martina (a prima alemã que morou no prédio durante seis meses em 2009), que encontrei em uma sacola que havia sido sorrateiramente enfiada dentro de um Farnese guardado no quarto dos fundos. Deixar um móvel lá é praticamente um ritual de pertencimento, e eu me senti adulta talvez pela primeira vez no dia em que liguei para minha avó e perguntei “posso deixar o criado-mudo da menina que morava comigo aí no seu apartamento?”.

Agora que meu avô foi embora, aprendi que existem muitos tipos diferentes de acumulação e que, assim como olhos verdes, eles são transmitidos por genes recessivos. Minha avó era filha de acumuladores e, por casar com um acumulador, o gene sucedeu em fazer seu caminho silencioso pela nossa árvore genealógica. Agora, fica claro que eu não deveria me sentir culpada por ter encontrado uma entrada de cinema de 2007 no meu quarto, apesar de já ter me mudado quatro vezes desde o ano em que fui assistir a Zodíaco. Sinceramente, nunca tive chance.

Existe um corredor na casa da minha avó que contém todos os livros que já passaram pelas mãos da família, mas que não foram importantes o suficiente para seguir com os donos em seus novos lares. Desde a coleção de enciclopédias Larousse até o Apanhador no campo de centeio do meu tio, até os livros de adestramento de cachorro de meu pai da época do dálmata D’Artagnan. No apartamento do meu avô, existe um armário igual, que contém pastas e mais pastas azuis, todas rotuladas com um nome de artista e um ano, com reportagens e publicações a respeito de cada um. O meu avô deixou para trás uma biblioteca com mais de 3 mil títulos, entre eles coisas extremamente específicas, como A luta contra o analfabetismo em Minas Gerais e mais de cem gramáticas. De repente, o fato de eu possuir livros como Ataques de ursos pardos: onde ocorrem e como sobrevivê-los fez muito mais sentido. Assim como minha coleção de impressos de exposições, que junto já há mais de cinco anos e que se encontra cuidadosamente etiquetada e arquivada. Nunca havia entendido antes que aquilo também era uma forma de acumulação, mas, parada no meio do arquivo morto de meu avô, composto de prateleiras após prateleiras de caixas de papelão cheias de papéis, entendi que a acumulação vem em diversos formatos e cheiros, inclusive escondida atrás do formato da utilidade. Meu avô colecionava tudo quanto é coisa. Além de sua coleção de arte, também passou a vida a colecionar documentos e agendas, juntar rastros do seu ser ao longo dos anos, cada pasta como aquelas células mortas que descamamos ao longo da vida. Pequenos pedaços invisíveis de seu corpo deixados para trás em um apartamento vazio. Uma semana depois que meu avô morreu, um homem pulou do prédio ao lado e caiu morto na sua varanda. Do lado de dentro, os arquivos observavam tudo em silêncio.

Um dia, todos esses quartos estarão vazios. Os quartos do apartamento da minha avó, os armários dentro deles, as gavetas dentro daqueles armários. O armário do quarto onde cresci já não contém minhas coisas, e me dá uma sensação estranha o fato de eu não saber o que guarda agora. Minha família me ensinou a segurar o tempo perto do peito e sentir dor quando ele vai embora, mas talvez isso seja algo que todas as famílias ensinam aos seus. Minha avó, ao rezar seu terço todas as noites na sala escura, andando de olhos fechados na escuridão em torno da mesa, passando as bolinhas uma por uma entre os dedos. Meu avô, sentado na mesa da sala da casa dele, a escrever artigos a lápis sob a luz do abajur, a mesa uma pequena ilha na escuridão do resto do apartamento.

O tempo vai passar, o deles e o meu. Mas esta é uma história de amor. E o dia em que não tiver mais nada lá, nem todos os objetos que arrebanhamos cuidadosamente ao longo de tantos anos, embrulhados em plástico bolha e guardados em quartos fechados, ainda estaremos naqueles corredores; nossa pele, amor e os genes recessivos dos olhos verdes acumuladores.

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Sofia Othani estava se sentindo nebulosa. Tinha parado de contar os saquês quando ela e seu ex-marido decidiram pedir uma garrafa. Perguntou se estava corada. Levou as mãos ao rosto para sentir suas bochechas. “Não se preocupe”, disse Lorenzo. “Ainda não começou. Você está bem”.

A primeira refeição com o novo namorado de Melissa. Rato. Que tipo de nome é esse? Ele não tinha respeito pelos pais dela, por decoro, os braços em torno da filha deles, que estava radiante, feliz. Sofia se perguntou se ele a tinha drogado. Ele não tinha nada da graça de Melissa, nada de sua beleza. Ele tem um carrinho de cachorro-quente. De vez em quando, sua mão surgia rapidamente e fisgava seu cocktail de coco, do qual tomava um longo gole.

“Cachorro-quente dá dinheiro. Dá mesmo. É um clássico, né? Clássico São Paulo”, ele disse, “mas não vamos parar com o carrinho. Vamos expandir. Pegar um mercado mais alto escalão. Vamos tomar o antigo bar Riviera, na Avenida Paulista. A Melissa não vai passar fome. Não mesmo. Sei que ela ama comida.”

Rato deu risada e deslizou sua mão do ombro acetinado de Melissa, ao longo de seu braço fino e moreno. Sofia engoliu e desviou o olhar.

“O bar Riviera? O verdadeiro Riviera? O antigo?”, disse Lorenzo, deixando seu devaneio.

Rato se endireitou.
“Sim, o antigo, mesmo.”
“Era famoso. Antigamente. Minha mãe falava sobre aquele bar. Meu pai levava ela lá”, disse Lorenzo.
“Uma vez”, disse Sofia.
Lorenzo fez uma careta.
“Pertencia a uma família de Amalfi. Era um lugar fino”, ele disse.
“E vai ser fino de novo”, disse Rato. “Como antigamente. Como sua filha. Ela só merece classe, essa menina. Não me incomodo em te dizer. Ela é uma menina linda.”

Sofia mordeu o lábio e tentou não encarar. Quem era esse menino? Como que uma criança conseguiria gerenciar um imóvel privilegiado no centro da cidade? Um carrinho de cachorro-quente era uma coisa. Mas reabrir o antigo Riviera? Bem na Paulista? Onde o Rato conseguia seu dinheiro?

Sofia segurou os palitinhos pronta para um niguiri de salmão, mas encontrou o prato vazio. André, o amigo de Rato, tinha arrebanhado os últimos pedaços. Seus braços envolviam seu prato e sua cabeça estava abaixada. Ele comia de forma constante, ocasionalmente lançando olhares sorrateiros à mesa. Zona Leste, pensou Sofia.

Sofia olhou para seu relógio. Como só haviam passado quarenta minutos? Talvez a bateria estivesse fraca. Ela escutou pela batida do segundo.

Justo quando confirmou que o tempo estava fluindo como sempre, tudo se acelerou. Um jovem veio até a mesa e falou com Rato, falou para ele sair. Um tiro. Sofia viu o reflexo de dois homens no espelho, que rachou e caiu, estilhaçando no chão. Um grande e um pequeno, vestidos de maneira comum, com exceção da meia calça preta cobrindo suas cabeças e os revólveres que empunhavam. Enquanto todos gritavam, Sofia virou para vê-los de verdade.

“Todos no chão”, gritou o homem menor.
Enquanto ficava de joelhos, Sofia reparou no vinco da calça jeans do homem menor, se perguntando que mulher passou esse jeans com tanto cuidado.

“Todo mundo cala a boca”, gritou o homem maior. Ele vestia uma camiseta apertada que exibia os músculos. Ele era forte. Deve ir a uma academia, pensou Sofia. Deve ter amigos que treinam com ele. Ela se perguntou se eles sabiam o que ele fazia.

O restaurante estava silencioso. De vez em quando um grito escapava debaixo de uma das mesas.

“Fiquem no chão. Não se mexam. Não tentem usar o celular senão vão levar tiro”, disse o homem menor. “Vocês no fundo, os sushimen com as facas, soltem as facas e venham para a frente.”

Uma pausa. Silêncio. Um tiro disparado contra o teto baixo. Quatro chefs vestindo quimonos, mãos na cabeça, saíram de trás do sushi bar.

Os passos do homem maior ecoavam pela sala conforme andava devagar por entre as mesas, movendo sua cabeça de um lado para o outro, como um professor monitorando provas. “Ele não está de tênis”, pensou Sofia. “Ele está de sapato, só sapatos fazem esse tipo de barulho.”

Seu parceiro ficava na frente, balançando sua arma de um lado para o outro, observando. Vestia uma camiseta que dizia Keep Calm and Carry On. Sofia não achava que ele entendia o que estava escrito na camiseta. Ela se perguntou como foi que ele acabou vestindo essa camiseta hoje. Talvez fosse apenas a primeira camiseta em sua gaveta.

Melissa estava perto, embaixo de uma cadeira, sua mão estendida. Ela estava tentando encostar no Rato, mas ele estava encolhido em si. André estava deitado ao seu lado, se remexendo desconfortável no chão. Ele parecia alheio ao perigo em que se encontrava; algo não estava certo com aquele menino. E Lorenzo. Onde estava? Sofia percebeu que ele estava segurando a cabeça dela.

O homem parou em frente à mesa deles, em frente ao Rato, deitado de lado, olhos bem fechados, seu cocktail de coco derramado como uma nuvem.

“É você, não é? Você é o sobrinho do Coelho.”
Claro, claro, pensou Sofia. O Coelho. Rato cerrou os olhos e não se mexeu.
“Preciso pegar seu RG? Sei seu nome verdadeiro. Francisco Moraes. Seja homem, Francisco.”

Rato manteve os olhos fechados. O homem suspirou e bateu o pé duas vezes. Sofia estava cara a cara com os sapatos agora. Sapatos pretos, pesados, com cadarços. Ela conhecia esses sapatos. Sapatos de polícia. Ela achou que esses dias tinham terminado. Era para terem terminado.

“Vai dificultar, né moleque? Fica de pé, vamos lá pra fora.”

Os homens armados levantaram Rato pelo braço. Ele voltou à vida, se debatendo, tentando ficar no chão, virando um peso morto. Ele abriu os olhos e Sofia viu, pela primeira vez, que eram de um castanho delicado. Ele tinha olhos lindos.

“Por favor, não. Não sou ninguém. Por favor, não faça nada comigo.”
“Ordens, menino, vamos. De pé. Você sabe o que está acontecendo.”

Melissa gritou. Rato olhou para ela, estendeu a mão. Melissa tentou alcançá-la, mas o homem empurrou Rato para longe. Sofia pulou e arrastou ela de volta para o chão. Ela chorou e gritou e estendeu a mão novamente. Rato estava tentando se desprender do homem, lutando, tentando se aproximar dela. Houve mais um estrondo quando o homem menor atirou em outra parede espelhada.

“Sai de perto dele”, ele gritou, enquanto Rato era arrastado para a cozinha.
“Mãe, faz alguma coisa!”, gritou Melissa.

Sofia não queria fazer nada. Tudo que queria fazer era manter a cabeça no chão, com a mão de Lorenzo protegendo ela. O revólver dela estava na bolsa ao seu lado. Isso era muito perigoso.

“Mãe, por favor”, implorou Melissa.
Ela ficou de pé.
“Pare. Polícia”, ela gritou.
O homem arrastando Rato ignorou-a. O homem na frente riu alto. Foi aí que André ficou de pé e apontou a arma para o homem que tinha seu amigo pelo pescoço.

“Morra maldito”, ele gritou, atirando quatro vezes.

Ele errou feio. Gritos e gritos e gritos. O homem pequeno na frente balançou de um lado para o outro, confuso. Ele atirou no ar. O homem arrastando Rato pegou a arma e atirou em direção ao André, mas errou. Ele então virou sua arma para o menino em suas mãos e atirou em sua cabeça, lá mesmo no restaurante. Sangue nas mesas e pratos, nos copos e na comida.

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Colônias espaciais

É um final de tarde de verão, você está com seus amigos bebendo uma cerveja, e finalmente o sol está brilhando, depois de uma longa semana de trabalho. O rio próximo de vocês brilha na luz. Você segue seu curso, seus olhos gradualmente se movendo para cima, para cima, sobre a cabeça e, em seguida, para baixo, para o outro lado. Eventualmente, a água encontra-se em um círculo perfeito, de volta a onde você começou. Tudo é como deveria ser. Você é um residente de um Bernal sphere, flutuando no lado mais distante da Lua – você já está acostumado com gravidade artificial.


Em 1975, a NASA Ames Research Center encomendou uma pesquisa a Gerard O’Neill, professor de Princeton que recebeu uma bolsa do programa espacial norte-americano para realizar um estudo de dez semanas em estruturas off-mundo. O’Neill e sua equipe trabalharam com arquitetos, pesquisadores, engenheiros e cientistas em Mountain View, Califórnia, e avaliaram se suas ideias eram viáveis, elaborando três conceitos para apresentar à NASA: Bernal Sphere, Toroidal Colony e Cylindrical Colony.

Na década de 1970, a Guerra Fria estava governando os assuntos internacionais, e a conquista do espaço foi uma prova de poder. Após o sucesso da missão Apollo 11, muitos sonharam com a vida humana no espaço. Durante uma série estudos de verão da NASA dedicados à vida humana no espaço, os artistas Don Davis e Rick Guidice ilustraram suas ideias sobre colonizar lugares em uma galáxia muito, muito distante.

As ilustrações são baseadas no trabalho do físico Gerard O’Neill. De fato, as estações espaciais têm a forma de um donut, esféricas e cilíndricas, de modo a transformarem-se em órbita e simularem a gravidade, e contêm grandes espelhos para refletir o sol em todos os interiores.

Esse projeto não está mais na agenda da NASA, mas os desenhos são muito, muito impressionantes – e são uma boa alternativa para os gráficos de computador genéricos que usados hoje em dia.

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